De acordo com uma pesquisa realizada por Ana Tomazeli, psicanalista e CEO do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas, somente 37% dos profissionais se sentem seguros e encorajados para discordarem da sua liderança no ambiente de trabalho. Para a maioria (63%), se posicionar de forma contrária a seus líderes gera algum tipo de medo ou ressalva.

O estudo, realizado com 200 pessoas, reflete um problema que é a insegurança psicológica nos ambientes corporativos. Segundo a pesquisadora Amy C. Edmonson, no livro “The Fearless Organization” (Organizações Sem Medo, em tradução literal), se sentir psicologicamente seguro no trabalho remete à “crença de que o ambiente profissional é seguro para assumir riscos interpessoais”.

Dados preocupantes, mas não incomuns

O resultado do levantamento feito pela psicanalista representa uma questão que, para a psicóloga e especialista em Recursos Humanos, Flávia Ferreira, não apenas é comum no trabalho, como também é muitas vezes ensinada para os profissionais. Em outras palavras, os trabalhadores são moldados para não debaterem com seus chefes.

“Principalmente quando estamos começando nossas carreiras, somos instruídos a fazer tudo aquilo que nossos líderes pedem. Limita-se o conceito de hierarquia a estar abaixo, a ter uma pessoa com mais experiência e conhecimento que nós e que, por isso, não pode ser questionada. Nós não somos treinados a ver o líder como um ‘parceiro’, mas como uma ‘autoridade’. Há quem passe a carreira inteira sem questionar qualquer decisão ou expor suas ideias”, salienta.

Por sua vez, Ana acrescenta que uma comunicação falha também é um fator determinante para a construção desse cenário. Estudos revelam que a capacidade de saber se dialogar com diversos públicos é uma das soft skills mais procuradas pelo mercado.

“Mesmo que não tenham havido situações concretas para constituir uma crença, a comunicação tem muita importância. A relação entre líderes e liderados pode nem ser tão tensionada dessa forma, mas vai contar a maneira como se percebe e como se comunica entre as pessoas através do tempo”, pontua.

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Outro ponto trazido pela CEO para justificar a crença de que o líder não deve ser questionado diz respeito ao contexto social de insegurança e de desemprego. O comportamento de obediência nem sempre reflete a personalidade do profissional, mas sim a necessidade de preservar o emprego – no qual, para ele, evitar discordâncias será um diferencial.

“As estatísticas sociais são fundamentais para nos ajudar a compreender os movimentos internos e é justamente por isso que precisamos ampliar a nossa leitura sobre as variáveis que impactam o ambiente de trabalho.”

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Postura da liderança

Algumas culturas corporativas incentivam – pelo menos com palavras – que as pessoas questionem, deem ideias e falem a verdade. Mas, será que a realidade das relações permite isso? Essa é a indagação que a psicanalista faz.

“Sentir medo de sofrer represálias, de receber punições, passar por situações vexatórias, humilhantes ou degradantes, tudo isso pode indicar que você esteja experimentando um conjunto de relações vulneráveis no pior sentido da palavra”, detalha.

Por mais que o debate esteja em torno da relação entre os líderes e os liderados, tanto Ana quanto Flávia destacam que não é responsabilidade individual do líder promover mudanças.

A psicóloga deixa claro que o exemplo precisa vir de cima, com a gestão demonstrando preocupação genuína em tornar o ambiente de trabalho saudável para a oposição de ideias e o debate saudável. Ana corrobora a afirmação ao dizer que organizações que trabalham com panoramas de extrema pressão só fazem o problema se agravar.

Um líder nada pode fazer se a empresa simplesmente não se importa em continuar  exigindo metas cada vez mais impossíveis, em menos tempo e com recursos mais limitados. Sugiro que os líderes aprendam a se unir e, de forma organizada, estabeleçam um diálogo com a alta gestão da empresa, com uma postura propositiva de como seria possível utilizar melhor os recursos financeiros em benefício real das pessoas. Como se faz isso? Perguntando para elas, de forma honesta e com a real intenção de implementar avanços. E terapia. Todo mundo deveria fazer terapia”, aconselha.

Como oferecer segurança psicológica?

Além do que foi citado acima, Flávia orienta que as empresas busquem “horizontalizar” as relações entre os colaboradores e os gestores. Por mais que a hierarquia de cargos e responsabilidades se mantenha, é importante que nas relações humanas as pessoas não se coloquem acima ou abaixo umas das outras. Em tempos nos quais tanto se fala sobre humanização no ambiente de trabalho, ela explica que o olhar humano deve ser tão impositivo quanto o corporativo.

“Há dois pontos muito determinantes: o primeiro deles é oferecer ao líder tempo e alternativas para ele se capacitar e desenvolver skills humanas. Isso fará toda a diferença nas relações. O outro ponto é o negócio buscar talentos, independentemente da função, que deem o famoso match corporativo, mas sem deixar de lado a diversidade. Se você tem pluralidade de ideias, de bons talentos e de pessoas alinhadas com o negócio, você potencializa as relações”, comenta.

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Além disso, Ana elucida que as lideranças podem afastar o sentimento de receio dos liderados com ações como a promoção de espaços de diálogos mediados, o desestímulo ao anonimato e o treinamento de autorresponsabilidade, discernimento e pensamento crítico.

Para entender se o ambiente de trabalho é, de fato, psicologicamente seguro, Ana Tomazeli estimula o profissional a fazer a si próprio os seguintes questionamentos:

  • Você se sente confortável no seu trabalho para dividir um diagnóstico de saúde mental que vai impactar sua entrega no curto prazo?
  • Você acha que o seu emprego está garantido, mesmo que você manifeste uma discordância em relação a algumas orientações da empresa?
  • Você sente que uma crítica a um trabalho seria bem-vinda?
  • Como você recebe uma crítica?
  • Como são os julgamentos imediatos e compulsórios que as pessoas fazem de você, quando você expõe uma vulnerabilidade?

A verdade é que ninguém gosta de ser contrariado – isso é humano. E nem sempre há tempo e ferramentas para organizar o debate e a pluralidade de ideias, basta ver como são os prazos impostos aos times. Então, eu sempre acho muito curioso que a gente tenha fórmulas para como fazer as coisas de um jeito melhor, sem considerar que essas ações exigem, no mínimo, tempo, que é tudo o que as pessoas não têm em suas rotinas de trabalho”, finaliza a CEO do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas.

Por Bruno Piai