A chamada gordofobia – o preconceito contra pessoas gordas – é um fenômeno cada vez mais presente na sociedade. Segundo estudo de 2017 do Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (Ibope), cerca de 92% dos brasileiros afirmam sofrer discriminação por conta do peso em seu convívio social. A Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada pelo IBGE no ano passado, aponta que mais de 60% dos brasileiros com mais de 18 anos estavam com sobrepeso em 2019 – de acordo com os parâmetros do Índice de Massa Corporal (IMC) -, o que representa quase 100 milhões de pessoas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) acrescenta que, no Brasil, 22% da população adulta está obesa.

O Guia de Obesidade para Comunicadores, produzido pela Novo Nordisk em parceria com a ABESO e a RedeComCiência, traz informações relevantes que não podem ser ignoradas em prol do bem-estar das pessoas gordas ou obesas. Na publicação é compartilhado que até 70% das causas de obesidade podem estar relacionadas à genética, história familiar e etnia. O estigma presente em relação ao peso é extremamente perigoso. Por trás da pressão social para que pessoas obesas adotem os “padrões corporais estabelecidos”, há aspectos de saúde física e mental que passam batido. 

Doenças associadas à obesidade são a causa de 74% dos óbitos no Brasil. Mais de 200 doenças crônicas têm maior risco de serem contraídas ou desenvolvidas por conta do excesso de peso. Vale destacar, também, que duas a cada três pessoas falham ao tentar manter os quilos perdidos. É uma batalha hormonal que nem sempre é fácil de ser vencida sozinha e se torna um desafio ainda maior quando a saúde mental é negativamente impactada.

O ambiente corporativo, por sua vez, não está isento de situações discriminatórias. A pesquisa ‘A Contratação, a Demissão e a Carreira dos Executivos Brasileiros’, realizada pela Catho, evidencia o quanto o preconceito ainda é um obstáculo que pessoas gordas e obesas precisam enfrentar no mercado de trabalho. O levantamento mostra que 65% dos entrevistados preferem não contratar profissionais que façam parte do público em questão. Outro dado que chama a atenção no estudo é o fato do IMC ser um fator que influencia até mesmo a remuneração. Para cada ponto a mais que o trabalhador apresentar no índice, seu salário é reduzido em R$ 92, em média. 

Diante dos dados, se mostra evidente a necessidade de mudança. É possível que, mesmo com os números trazidos pela pesquisa da Catho, o mercado de trabalho seja um catalisador social que incentive a luta contra a gordofobia e um contexto maior de diversidade e inclusão? Para falar sobre o papel do universo corporativo em prol de uma ruptura que não faça do peso um obstáculo contra os direitos humanos e sociais dos indivíduos, o RH Pra Você falou com a doutora Rafaela de Faria, psicóloga e professora do curso de Psicologia da Universidade Positivo (UP). Confira:

RPV: Os dados da pesquisa da Catho evidenciam o quanto o mercado privilegia pessoas magras em relação à população gorda ou obesa. O quão forte é o impacto de colaboradores que enfrentam essa desigualdade e o cenário de discriminação e bullying?

Dra. Rafaela: Os impactos da discriminação são inúmeros. Vão desde um aumento de depressão, estresse, ansiedade, percepção de desesperança e de compreender o espaço de trabalho como um espaço que não oferece apoio, que desencadeia culpa, medo, dificuldade de expor a própria opinião e ser quem você é. Ideação e tentativa de suicídio também se fazem presentes. São graves os efeitos colaterais da discriminação.

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RPV: Falar sobre o corpo é delicado e pode fazer com que algumas abordagens causem desconforto. Em algum momento o sobrepeso deve ser, de fato, uma preocupação para líderes ou RH? É um tópico a ser discutido com o colaborador?

Dra. Rafaela: O fato de uma pessoa estar acima do peso, de acordo com o IMC, deve ser uma preocupação do RH se isso estiver relacionado com um problema na saúde do indivíduo, sinalizando uma alteração no humor que está sendo descontada na alimentação ou algo que esteja impactando nas relações sociais entre os colaboradores ou que esteja sendo investigado pela equipe responsável pela saúde ocupacional, uma vez que a referência de ‘estar acima do peso’ é bastante questionável. 

Um colega de trabalho pode avaliar [o fator peso] como algo que sai do padrão estético que ele entende como adequado ou ‘normal’ ou saudável. E, na realidade, esse indivíduo pode estar com saúde tanto no aspecto psicológico quanto no físico. Então, é delicada a investigação. Quando existem dados da equipe de saúde é mais fácil falar sobre o assunto. A abordagem, portanto, deve ser sinalizada quando pode existir um prejuízo na saúde do colaborador. 

RPV: De que modo as empresas podem construir um ambiente efetivamente saudável e inclusivo para acolher esse público? 

Dra. Rafaela: Pensando em possibilidades para se construir saudável e inclusivo para esse público e para todos que representam esferas da diversidade, temos que entender os valores da empresa, a identidade das pessoas que compõem as equipes e o modelo de liderança, porque a partir do exemplo todo o restante vai exercitar e manifestar comportamentos. Além disso, incentivar a alimentação saudável, prática de atividade física, fazer parcerias com profissionais da saúde com as instituições que promovem eventos e prezam por implementar uma rotina saudável, entendendo a saúde não só como ausência de doença ou no aspecto dos marcadores hormonais, mas também a saúde psicológica. Todos temos diferenças, cada um tem a sua identidade. 

Deve-se propiciar um trabalho que reflita um espaço de acolhimento, o que sem dúvida alguma fará a produtividade fluir e as pessoas se sentirem mais bem recebidas.

Empresas precisam promover boas ações contra gordofobia

RPV: Do bullying à violência, a sociedade, hoje, é extremamente punitiva com pessoas que não seguem os padrões de beleza que ela estabelece. Como o mercado de trabalho pode promover um panorama educacional que vá na contramão dos preconceitos sociais e trabalhe o respeito pela diversidade?

Dra. Rafaela: Quando pensamos no bullying, na violência, estamos pensando na orientação da psicoeducação, de educar o indivíduo desde a infância para entender e respeitar a diversidade, além de construir a percepção e o respeito durante toda a vida, seja no ambiente escolar, familiar, de trabalho ou em qualquer outro contexto.

De tempos em tempos existem padrões de beleza que a sociedade traz como o adequado, o certo, o belo, o bonito. Isso é histórico. E as pessoas, quando entram num ciclo de não compreender quem são e não olhar com senso crítico para as diferenças, que são genéticas, de contexto social, de disponibilidade e acesso para determinados recursos, entre outras, ela não consegue olhar o indivíduo a partir daquilo que o torna quem ele é. 

Em suma, para se pensar em promover um panorama educacional que vá na contramão dos preconceitos sociais, é preciso pensar não só nas empresas, mas em toda a educação. Nas competências de uma vaga o aspecto físico, na maioria das vezes, não tem relação alguma – exceto para carreiras específicas, como atletas para determinadas categorias esportivas.

Bruno Piai