Após o movimento do “quiet quitting” – no qual profissionais não realizam mais do que o mínimo necessário em seus trabalhos – se tornar conhecido e uma preocupação para as empresas, líderes e gestores encontraram uma solução que vem dividindo opiniões para lidar com a desistência silenciosa, o “quiet firing” (ou demissão silenciosa).

Na prática, o quiet firing funciona assim: incomodados com a exposição nas redes sociais – o que tornou o quiet quitting viral – e com a “falta de dedicação” dos colaboradores adeptos da prática, algumas empresas se empenham em construir ambientes de trabalho incômodos e situações na rotina que, pouco a pouco, aumentem no empregado o desejo de se desligar da organização.

Deixar profissionais de lado em projetos importantes, negar feedbacks ou utilizá-los para propositalmente frustrar e inibir a confiança, criar metas irreais e demonstrar constante insatisfação são algumas das “ideias” dos gestores para desmotivar pessoas e que caracterizam o novo – ou não tão novo assim – fenômeno. Por trás da demissão silenciosa não há, portanto, ações que prezam pelo confronto direto, pela hostilidade ou por práticas que tornem insuportável do dia para a noite a presença do funcionário na organização.

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O que pensam os RHs?

De acordo com o The Washington Post, a manifestação dos profissionais de RH em relação ao movimento não poderia ser mais contrária. É consenso entre gestores de pessoas que o melhor caminho a ser percorrido é o da revisão de práticas internas, com as empresas buscando identificar o porquê da insatisfação das pessoas e, então, desenvolvendo estratégias para melhorar os índices de felicidade e engajamento.

“Na minha opinião, [o quiet firing] está longe de ser um recurso viável para resolver o reflexo de uma insatisfação em grande escala, na qual o colaborador procura apenas trabalhar conforme o acordado, nem mais nem menos”, comenta Fabiana Teixeira, especialista em Comunicação Empresarial, Branding e Posicionamento de Marcas.

Segundo ela, ambos os “quitting” são reflexo de um problema que ainda paira em muitos negócios: a falta de comunicação, especialmente entre líderes e liderados. “Esse é um movimento de ruptura, um momento de oportunidade para reflexão, um ‘presta atenção’ para gestores e empresários. O grito silencioso dos jovens por uma transformação ainda mais radical do mindset, que procura viver para se dedicar a outras atividades além do trabalho, e assim cultivar uma boa saúde mental” explica.

Na visão da consultora Fernanda Lopes, especialista em Gestão de Pessoas, não existe nenhuma circunstância ética que justifique a demissão silenciosa fazer parte da rotina organizacional. Para ela, a ação mostra despreparo dos líderes e tende a ser destrutiva à reputação do negócio.

“Em que mundo é positivo para o ambiente de trabalho, para o engajamento geral e para o crescimento do negócio você deliberadamente agir em prol de fazer uma pessoa infeliz? Tal conduta remete a um puro despreparo de um líder incapaz de liderar. Quando o líder não acredita em sua capacidade de gestão, ele crê que feedbacks e conversas são sinônimos de confronto. Para evitar confronto, mas ainda assim deixar clara sua insatisfação com o trabalho do liderado, adota uma estratégia desastrosa como é o quiet firing. E não se enganem, é uma prática muito antiga e extremamente comum no mercado, só que agora ganhou um nome”, pontua.

Realizado em 2019, um levantamento do Empresas Humanizadas revelou que quando há transparência no relacionamento entre liderança e equipe, o que vai desde a capacidade de diálogo até a clareza em relação ao que é esperado de cada um dentro da organização, o engajamento cresce em até 225%.

Fernanda enfatiza que, independentemente da exposição e do boom do quiet quitting, o papel da liderança não é o de “dar o troco”, mas de estar próximo, entender os problemas e trabalhar para que soluções ocorram. Fabiana levanta, ainda, a necessidade de amadurecer o senso de coletividade.

“O líder precisa entender o seu time, e conforme o tempo passa isso significa um alinhamento da cultura organizacional. O ‘a mais’ do colaborador deve ser conversado e recompensado, devemos incentivar e respeitar os limites da dinâmica trabalho/vida, para evitar o esgotamento. Um protesto silencioso é sinônimo da falha em ouvir, e essa correção é essencial para caminharmos juntos em frente”, elucida Fabiana.

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Quiet Firing é assédio?

Um dos questionamentos referentes à adoção do quiet firing está ligado às ações do movimento serem ou não consideradas assediosas. A advogada Juliana Lira, especialista em Direito do Trabalho propõe, antes de responder à questão, uma reflexão sobre o quiet quitting. Para ela, o que o movimento traz de novo não é uma realidade de mercado, mas um debate que sempre foi evitado.

“Se o funcionário cumpre o que está em seu contrato e nada mais, o que ele está fazendo de errado? Não há uma cláusula que diz: ‘você precisa ser ambicioso e fazer sempre mais do que o esperado’. Se a empresa busca por pessoas assim, então que recrute-as. O quiet firing é a ‘vingança’ do gestor que quer que o funcionário viva pela empresa. Estamos demonizando pessoas por desempenharem suas funções sem o desejo de, naquele negócio em específico, crescer, ir além”, explica.

O problema real em torno do quiet quitting, de acordo com Juliana, ocorre quando o contrato não é respeitado, quando há insubordinação, quando códigos de ética e conduta não são respeitados ou quando a exposição passa do ponto. “E um problema ainda maior está em ter empresas nas quais o horário de trabalho não é respeitado e sinônimo de sucesso é o colaborador estar 100% do tempo disponível ao negócio”.

Em relação à interpretação do quiet firing como assédio moral, a advogada orienta que haja um certo cuidado. Juliana ressalta que o assédio está relacionado à repetição e que a recorrência das práticas em torno da demissão silenciosa é o que definiria se determinado caso é assédio ou não.

“Vamos pensar nos feedbacks, por exemplo. O líder pode estar em um dia ruim e passar um feedback frustrante, que mais aponte pontos negativos do que positivos, que mais desmotive do que motive. Pode acontecer. Agora, vale avaliar: os feedbacks são sempre assim? Há gritos, desrespeito, ofensas ou afins envolvidos? Ele é assim com todos (o que já não seria justificável) ou ele diferencia a forma como trata seus funcionários? Há exposição? Uma vez que situações humilhantes se repetem, estamos falando de assédio moral. Se o quiet firing vai por um caminho de frequentemente impactar o emocional do colaborador, o assédio tende a estar, sim, presente”, finaliza.

Por Bruno Piai