Foi durante a confraternização de final de ano do trabalho, às vésperas do último Natal, que Amanda* (29), analista de Recursos Humanos de uma empresa de terceirização localizada em São Bernardo do Campo (SP), foi informada, assim como seus colegas ali presentes, que a segunda quinzena de janeiro traria consigo uma mudança na organização. A partir da segunda-feira do dia 16, o home office não faria mais parte do negócio. A volta para o presencial foi definida por líderes e gestores alguns meses antes, sem negociação para sequer um modelo híbrido integrar a rotina de trabalho.
A notícia não caiu como uma bomba, mas a frustração foi natural. A profissional conta que pesquisas internas com os pouco mais de 50 colaboradores haviam identificado virtudes no trabalho a distância. A motivação cresceu, a produtividade aumentou e o escritório sempre se manteve aberto para aqueles que não eram os maiores fãs de trabalhar todos os dias de casa. Os dados positivos, porém, não foram o bastante para superar a resistência da dupla de sócios do negócio.
“Em um primeiro momento, a decepção que senti foi leve. Gosto do trabalho presencial e, no papel de RH, é meu dever criar mecanismos para que todas as dinâmicas funcionem positivamente para toda a equipe. Eu não tinha que reclamar, e sim criar um ambiente favorável ao retorno, pois era visível que nem todos ali reagiram como eu”, conta.
O discurso, entretanto, foi mais fácil do que a prática. “Ficamos em home office de março de 2020 ao início de janeiro de 2023. Durante todo o ano de 2022, tivemos sete demissões, sendo duas delas pedido para sair. Do dia 16 de janeiro para cá, três colaboradores pediram para se desligar. A justificativa passa pelo fim do trabalho a distância, mas também pela adoção de hábitos que hoje chamamos de ‘velho normal’. A empresa não se preocupou em tornar a retomada benéfica para os funcionários, somente para os gestores”, revela.
Segundo a analista, com o retorno ao trabalho presencial, os colaboradores manifestam sentimento maior de pressão, além da “tradicional” irritação com a distância percorrida para chegar e sair da empresa. Amanda, por exemplo, leva em média 45 minutos para ir ao escritório, enquanto a jornada para casa supera uma hora por dia.
“Como RH, me vejo numa sinuca de bico. Os líderes são treinados e preparados para motivar as pessoas, mas eles não conseguem se motivar. Os gestores justificam que a mudança teve a ver com ‘não deixar a cultura da empresa se perder’, mas o que isso significa é algo que mal sabemos. É um argumento fraco. Retornando ao escritório percebi o quanto as duas horas de deslocamento mais o cansaço impactam o meu dia. A volta não veio acompanhada de ações que engajassem o bastante. Mas é só o primeiro mês, veremos como serão os próximos”, desabafa.
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Transição não é tão simples
De acordo com um estudo realizado pela Robert Half em 2022, 39% dos 1.161 profissionais respondentes pontuaram que buscariam um novo emprego caso sua empresa atual não oferecesse ao menos a opção de trabalhar parcialmente de forma remota.
Outro estudo, desta vez da Mercer e também do ano passado, revelou que a falta de acordo entre empregado e líder sobre flexibilidade em relação ao modelo de trabalho desejado para trabalhar já está entre as cinco principais causas de pedido de demissão. Vale destacar que, em agosto de 2022, 632.768 brasileiros pediram as contas, um recorde na série histórica iniciada em 2004.
“Se o intuito é ter os colaboradores no escritório, pelo fato de que a empresa enxerga fatores benéficos no trabalho presencial, é importante saber o que tem motivado esses profissionais a optarem pelo trabalho à distância”, diz Uranio Bonoldi, especialista em negócios e tomada de decisão, palestrante e professor da Fundação Dom Cabral.
Segundo pesquisa do site de recrutamento Vagas.com para o software Vagas For Business, os três principais motivos pela preferência pelo home office entre brasileiros são: não precisar se locomover para o trabalho (13,9%), ter tempo para cuidar da família (11,7%) e ter tempo para outras atividades (11,7%). “Contudo, é bom saber como essas motivações se alteram pela faixa etária, nível de qualificação, localização geográfica e área de atuação, porque as prioridades mudam e isso pode ser fundamental para os negócios”, aponta o educador.
Para Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert Half, mais do que nunca é essencial que os líderes e gestores estejam abertos a ouvir as pessoas. Ele destaca que o trabalho remoto trouxe mudanças não apenas profissionais, mas também sociais, econômicas e pessoais, o que torna mais complexa a decisão de simplesmente optar por uma retomada sem ter consciência do quanto isso mexerá com o dia a dia dos colaboradores.
“Não é mais novidade a necessidade de diálogo entre empresas e funcionários para definir qual será a melhor experiência de trabalho daqui em diante. Cada profissional, empresa ou área se relaciona com o trabalho remoto de maneira muito particular. Teve quem mudou de cidade, quem resolveu buscar uma vida mais tranquila, quem passou a conviver mais com os filhos e não quer abrir mão disso. Assim como há quem sinta a necessidade de ir ao escritório para produzir e evitar distrações. Sem dúvidas, a melhor forma de lidar com essas peculiaridades é por meio do diálogo aberto, transparente e da inclusão do colaborador nessa decisão de retorno”, argumenta.
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Motivos errados?
Em seu relato, Amanda acrescenta que “nem sempre a gestão nos dá poder para capacitar ainda mais as lideranças, e alguns gaps são nítidos. Isso não é uma crítica às pessoas, mas sim a identificação de que os nossos líderes têm mais potencial para crescer e precisam desenvolver esse potencial. O retorno ao escritório aparenta ser necessidade de controle, não uma mudança significativamente positiva”.
O sentimento da analista de RH foi tema de um estudo da Fiverr, plataforma de contratação de freelancers. 33% dos gestores entrevistados justificam o retorno 100% presencial à crença de que “os profissionais se sentem mais motivados com um gestor por perto”. 24%, por sua vez, creem que trabalhando presencialmente as pessoas realizam pausas mais curtas durante o dia.
Os liderados, por sua vez, não enxergam as coisas da mesma forma. Para 21%, nenhum incentivo seria o suficiente para fazê-los retomar integralmente aos escritórios. Não à toa, 42% alegaram que não hesitariam em buscar outro emprego caso não tivessem a chance de atuar remotamente.
“Há uma questão pouco discutida que é a preferência individual do trabalhador, aquilo que é imutável na sua personalidade. O caminho é analisar cuidadosamente se o trabalho presencial é de fato necessário e benéfico para a empresa e para os trabalhadores. “Há alguma razão estratégica pelo trabalho no escritório, trazendo melhores resultados para a empresa? Se não for o caso, talvez o caminho seja a adaptação para o trabalho remoto ou híbrido, sob o risco de perder os profissionais mais qualificados”, salienta Bonoldi.
Lia Chagas, consultora de RH e especialista em Recrutamento & Seleção, elucida que, hoje, empresas sem transparência e comunicação não conseguem mais engajar, mesmo que tentem suprir tais ausências por meio de outras ações. Para ela, o retorno aos escritórios, embora seja cada vez mais realidade no mercado, só será positiva se os argumentos forem, de fato, válidos.
“A retomada deve ser conduzida por pesquisas de clima, dados e preocupações reais. O processo movido por achismos ou frustrações de líderes que querem ter todos por perto para manter o controle não sensibiliza. A retomada, em si, não é um problema, mas a forma como ela vem sendo realizada, sim. Ela deve ter significado além do poder”, finaliza.
Capa: Via Depositphotos
*Amanda não teve o sobrenome divulgado para proteção de sua identidade
Por Bruno Piai