Dados da Companhia de Estágios, empresa focada em recrutamento e seleção de estagiários, trainees e jovens aprendizes, apontam que o número de contratações de estagiários negros cresceu mais do que cinco vezes (520%) entre 2018 até outubro de 2024, refletindo um crescimento exponencial de oportunidades na entrada do mercado de trabalho para estudantes negros.
As informações são da quinta edição do Mapeamento dos Estagiários Negros no Brasil 2024, um levantamento inédito da marca para detalhar o perfil e o avanço das contratações de jovens negros para programas de estágio no país. O estudo interno inclui jovens de formação técnica ou superior, de todas as cinco regiões do país e se baseia em um banco de dados anonimizado, que reúne cerca de 14 mil estudantes contratados entre 2018 e 2024.
Nota-se uma pequena variação no perfil dos estagiários negros contratados ao longo dos anos. Atualmente, 60% dos estagiários pretos e pardos são mulheres com idade média de 23 anos – faixa etária similar à dos estagiários brancos, que têm em torno de 22 anos. No mapeamento do ano passado, a presença feminina era 6% menor, o que mostra que as empresas também estão empenhadas em contratar mais mulheres, que já são maioria entre os inscritos nas vagas de estágio e também nas universidades.
No que diz respeito a conhecimentos de inglês, requisito cada vez mais pedido para diversas vagas de estágio, o estudo revela que há contraste entre negros e brancos contratados: 11% dos negros aprovados possuem esta aptidão em nível avançado, contra 28% dos brancos. Já no nível intermediário, negros tem 23% contra 20% dos brancos. Isso sugere que as empresas têm flexibilizado o requisito idioma cada vez mais ao longo dos anos.
A pesquisa foi baseada na autodeclaração de candidatos, com dados extraídos da base da Companhia de Estágios e seguindo a classificação étnico-racial do IBGE, segundo a qual 45,3% dos brasileiros se declaram pardos, 10,2% pretos, 42,3% brancos, 0,8% indígenas e 0,4% amarelos. Ou seja, considerando pardos e pretos, a população negra no Brasil é de 55%.
Tiago Mavichian, CEO e fundador da Companhia de Estágios, avalia que para melhorar a empregabilidade dos jovens, em especial dos jovens negros, é essencial que os governos estejam comprometidos com investimento em educação de qualidade, principalmente da educação básica, para que mais jovens cheguem ao ensino superior bem preparados. Além disso, conta que as empresas devem se engajar em não apenas contratar, mas também desenvolver os jovens. “Temos trabalhado ativamente para incentivar a abertura de vagas de estágio – atualmente, no Brasil, temos 8 milhões de pessoas cursando ensino superior e menos de 1 milhão de estagiários. É frustrante para o jovem estudar e não conseguir ingressar na sua área”, diz o executivo.
Coluna:
– Falar sobre branquitude para entender a negritude
– Não terceirize a sua carreira para os algoritmos
Experiência e formação
Outro ponto de destaque do levantamento é a constatação de que, neste ano, 66% dos estagiários negros conquistaram suas vagas sem experiência prévia. Em 2018, apenas 23% dos estagiários negros ingressavam sem alguma experiência anterior.
O estudo também reforça que a maioria dos estudantes, incluindo negros e brancos, frequentam universidades particulares. No entanto, proporcionalmente, a presença de negros é maior. Em 2024, 91% dos estagiários negros contratados estavam matriculados em instituições de ensino privadas, representando a maior taxa registrada nos últimos anos. Entre os estudantes brancos, a proporção é de 81%.
A presença de estudantes negros contratados em universidades privadas mostra uma tendência de crescimento ao longo dos anos, passando de 68% em 2018 para 91% em 2024. Os dados também mostram que estagiários negros se concentram principalmente em universidades de grande porte que tem grande oferta de variedade de cursos presenciais e Educação a distância (EAD), como Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), com 6,29%, a Universidade Nove de Julho (Uninove), com 4,61%, e a Universidade Paulista (Unip), com 4,16%.
“O ensino EAD e a alta oferta de cursos acirrou a concorrência entre as universidades e baixou os preços das mensalidades, dando mais acesso a cursos de graduação, mesmo com a redução de vagas oferecidas pelo governo federal através do FIES”, comenta o executivo.
Os cursos mais escolhidos pelos jovens negros são Administração, Engenharia Civil e Análise e Desenvolvimento de Sistemas, que oferecem boas perspectivas de estágio e carreira. As áreas corporativas que mais contratam estagiários negros são: Marketing e Comunicação representando 16,89% do total, seguidas por Engenharia Civil (9,87%) e Comercial (7,24%).
Vale reforçar que, nos últimos anos, as organizações têm priorizado competências comportamentais e habilidades socioemocionais nos processos seletivos, e essa mudança visa maior inclusão. Por outro lado, políticas internas de desenvolvimento de talentos e acesso a cursos de línguas e demais habilidades têm crescido nas empresas.
“Apesar das empresas olharem para o potencial dos jovens e primeiro para soft skills, a qualificação técnica é necessária – se não for para ingressar, será para crescer e ganhar novos desafios. Os jovens têm criado consciência e aproveitado as chances de desenvolvimento que têm sido oferecidas. O desafio agora é dar chances para mais gente”, diz Mavichian.
Não é só contratar: é preciso construir um ambiente seguro
No Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o debate sobre equidade racial ganha ainda mais força no Brasil. A advogada Crislaine Teotônio, especialista em Direito do Trabalho do escritório Natal & Manssur Advogados, ressalta que existem políticas afirmativas pouco conhecidas que podem ser implementadas pelas empresas, para favorecer a igualdade racial e criar ambientes mais inclusivos.
“As empresas podem, por exemplo, promover mentorias específicas com profissionais negros para apoiar o desenvolvimento de carreiras e a preparação para cargos de liderança. Além disso, parcerias com universidades e escolas técnicas podem ajudar a atrair e capacitar talentos negros desde a base com o intuito de promover uma inclusão efetiva e de longo prazo”, explica.
Apesar dos avanços, muitos profissionais negros ainda encontram barreiras significativas para a ascensão em suas carreiras. Para a advogada, a legislação oferece respaldo para que as empresas construam políticas de equidade concretas.
“A Lei nº 12.288/2010, conhecida como Estatuto da Igualdade Racial, estabelece diretrizes essenciais para promover a igualdade de oportunidades e combater a intolerância étnica em todos os níveis. As empresas podem adotar ações afirmativas, como programas de cotas e inclusão, visando criar um ambiente verdadeiramente diverso e que reflita a sociedade em que estamos inseridos”, pontua.
Outro ponto crítico, segundo ela, é a falta de diversidade nas áreas de Recursos Humanos das empresas, fator que impacta diretamente a contratação de profissionais negros. “Muitas vezes, as decisões de contratação estão sujeitas a preconceitos inconscientes que podem influenciar negativamente as escolhas, resultando na exclusão de candidatos negros. O Estatuto oferece suporte para processos seletivos mais inclusivos, estimulando as empresas a adotar práticas que eliminem essas barreiras. Empresas que investem em diversidade têm a possibilidade de obter benefícios fiscais e outros incentivos que fortalecem seu compromisso com a inclusão racial”, destaca Crislaine.
A especialista ainda reforça que investir em diversidade traz não apenas benefícios para a sociedade como um todo, mas também representa um diferencial estratégico para as empresas, promovendo inovação e engajamento no ambiente de trabalho. “A diversidade contribui para a inovação, pois pessoas com experiências e vivências diferentes agregam visões variadas para a resolução de problemas. Uma empresa que prioriza a inclusão racial não só cumpre seu papel social, mas também cria um ambiente propício para o crescimento sustentável”, conclui.
Por Redação