A empresa europeia Newzoo, consultoria que mede o mercado de jogos eletrônicos, em seu último estudo, revelou que os games devem ter um crescimento de 2,7% no faturamento global de 2024. Apesar do dado representar uma desaceleração em relação a anos anteriores, os valores tendem a alcançar a marca dos US$ 242,7 bilhões (o equivalente, hoje, a pouco mais de R$ 1,35 trilhão, na conversão para a nossa moeda).
Segundo outro estudo, desta vez do Sioux Group, em parceria com a Go Gamers, só no Brasil 73,9% da população joga jogos digitais, sejam eles nos smartphones e tablets, nos consoles de videogames ou nos computadores e notebooks. Tanto este levantamento quanto o da Newzoo deixam bem claro o quanto os games estão consideravelmente presentes na vida das pessoas.
Unificando o potencial lucrativo e engajador dos jogos, muitas empresas os trazem cada vez mais para dentro de sua rotina – um cenário difícil de se imaginar há alguns anos. Tanto para recrutar, quanto para treinar ou auxiliar na execução de processos, a chamada gamificação garantiu faturamento de US$ 9,1 bilhões (R$ 50,8 bi) em 2020, e deve, de acordo com a MarketsandMarkets Research, atingir os U$$ 30,7 bi (R$ 171,3 mi) em 2025.
Embora na teoria a combinação entre jogos e mercado de trabalho pareça infalível, o que é representado, além das estatísticas acima, pelo aumento de produtividade identificado por 89% dos respondentes de um levantamento da TalentLMS, é fundamental que as marcas tenham assertividade para identificar não só as melhores formas de executar a gamificação, como também as circunstâncias de utilização. Segundo uma pesquisa da Mindsight, por exemplo, nada frustra mais os candidatos (25,5%) do que os jogos envolvidos em etapas de processos seletivos.
Como, então, fazer a gamificação dar certo? Na Cidadania4u, a prática foi um divisor de águas para levar o negócio a um outro patamar. Quem nos conta tudo é Rodrigo Gianesini, COO e Cofundador da companhia, e Herick Ferreira, Head de Crescimento da CBA B+G, que auxiliou na confecção das estratégias de jogos da empresa de cidadania europeia. Confira o papo!
RH Pra Você: Como e por que a gamificação foi adotada nas práticas de negócio da Cidadania4u?

Rodrigo Gianesini, COO e Cofundador da Cidadania4u
Rodrigo: A Cidadania4u, hoje, é um grande case de gestão de pessoas. O que nós planejamos passa pelo aumento do uso de tecnologia e da qualidade da gestão dos nossos colaboradores. A própria gamificação surgiu para melhorar a forma de execução, de interação e da produtividade. Além disso, a gente tem diversos outros programas voltados à cultura, à cidadania – não, no caso, o nosso produto, mas sim aspectos sociais.
O programa de gamificação começou com uma questão que tínhamos lá atrás em nosso negócio. Sempre tivemos o lema de “crescer juntos”, mas depois de um tempo, vimos que não estávamos crescendo juntos. Alguns setores cresciam, mas outros não. Bateu a necessidade, então, de criar um modelo justo de distribuição de renda dentro da empresa, para que as pessoas ganhassem conforme as coisas fossem acontecendo e, de fato, pudéssemos crescer juntos.
Nessa época, que era mais ou menos setembro de 2022, participei de um evento de um escritório de advocacia que, coincidentemente, teve o Herick como palestrante. Começamos a conversar – não nos conhecíamos ainda – e, com base na experiência de acertos e erros dele [com a aplicação de modelos de participação], falamos sobre o desenvolvimento de um projeto.
RPV: Como foram esses modelos, Herick?
Herick: Na empresa em que eu era sócio, testamos alguns modelos não de gamificação, mas de participação. Chegamos a um momento no qual evoluímos as mecânicas testadas para um modelo em que as pessoas eram pagas pelas suas competências.
Tínhamos um score. Quanto mais competências, maior era o QI da organização – e quanto maior o QI de uma consultoria, mais ela fatura. Imagine que cada pessoa era uma matriz e não um cargo, e, todo mês, se ela provasse ter uma competência nova dentro da nossa matriz de necessidades do negócio, e aquilo entregasse lucro, automaticamente havia uma promoção. Num painel de 230 competências, todo mês [um funcionário] podia ser promovido.

Herick Ferreira, Head de Crescimento da CBA B+G
Você podia evoluir por entregar mais ou simplesmente porque crescíamos organicamente. A gente saiu de um ecossistema de contratar pessoas novas a cada projeto para um no qual as pessoas se desenvolviam internamente. Mas na pandemia, tivemos que puxar um pouco o freio de mão. Traçamos um plano para manter o sistema, mas quando as coisas começaram a “voltar ao normal”, as pessoas perderam o valor das competências. As pessoas não estavam mais onde estavam antes. Esse desafio também foi um grande aprendizado.
RPV: Rodrigo, como essa base da experiência do Herick foi levada à Cidadania4u? E dentro da lógica de “crescer juntos”, como, então, tornar o modelo justo?
Rodrigo: Eu sempre fui uma pessoa viciada em todos os tipos de jogos, principalmente os não roteirizados, quando você consegue controlar como a sua jogabilidade influencia no jogo. Começamos a pensar como, tecnologicamente, poderíamos fazer modelos de engajamento com o nosso time para que existisse a vontade de jogar. Teve toda uma questão de modelo e lúdica, mas também precisávamos testar números. Quando começamos a validar o projeto, logo vimos que a produtividade do time cresceu 30% de um mês para o outro na Cidadania4u.
Para desenvolver a lógica da jogabilidade, criamos um time para desenvolver isso. Eu estava na liderança do time, o Herick como consultor, chamamos a gestora de Gente e Gestão, o CTO, para ajudar no desenvolvimento, e fomos ao mercado contratar um profissional especialista em games. Era tudo muito estratégico, como na criação de um enredo que estimulasse as pessoas a jogarem mais. Houve um estudo para a escolha de cada método. E o jogo foi um sucesso.
Em janeiro de 2023, a Cidadania4u produzia, em média, 51 cidadanias por mês, um número alto para o segmento, mas baixo comparado à quantidade de vendas que tínhamos. Em março, o jogo entrou na fase beta e em abril foi implantado oficialmente. Em novembro, fizemos o primeiro pagamento referente ao ciclo de abril a setembro, para aproximadamente 100 pessoas. Tinha gente achando que receberia R$ 30, R$ 40, mas teve pagamentos de R$ 9 mil, R$ 10 mil. Nós pagamos mais de R$ 212 mil.
O pico de produtividade, em janeiro de 2024, foi de 1.378 processos. A diferença foi tão grande de um janeiro para outro que até achávamos que pareceria até mentira para as pessoas. E de 100 pessoas, fomos para 130. Tiveram outras frentes de desenvolvimento, também, como na parte de tecnologia do negócio, mas as pessoas estavam mais juntas e sempre querendo se ajudar. Todos traçamos um objetivo comum.
RPV: O trabalho em equipe, então, foi muito potencializado graças ao jogo. E como isso afeta a cultura organizacional?
Herick: Foi uma grande mudança na perspectiva cultural. O time comercial, quanto mais vendia, mais era comissionado. Só que para outros times, quanto mais vendas, só o que aumentava era o trabalho. Só contratar pessoas, então, não era o que iria resolver. Era preciso mudar uma chave na organização. Quando a gente implementou o jogo, o que queríamos implementar na verdade? O fundamento cultural de que, quando a venda acontece, quem faz as tarefas vai ganhar junto. Agora, quanto mais você faz, mais o seu bônus vai aumentar.
Na primeira temporada, houve alguns picos no pagamento porque não era todo mundo que acreditava [no projeto]. Agora, na terceira, todos estão no jogo e o total de pagamentos vai aumentar muito. As premiações para a equipe, equivalente ao semestre, devem ultrapassar os R$ 350 mil.
Rodrigo: Desde que começou o jogo, alguns indicadores, como índice de justiça e sentimento de valorização e reconhecimento, mudaram drasticamente. As pessoas se sentem muito mais reconhecidas. A cultura está mais forte e as pessoas se sentem mais pertencentes ao negócio.
RPV: Para a gente finalizar, eu queria entender um pouco melhor a execução do projeto. O que, exatamente, as pessoas fazem no jogo? Como ele impacta o dia a dia?
Rodrigo: Hoje, um dos nossos cuidados com o Game4u é conduzi-lo de forma que ele não tire a atenção dos colaboradores. Como, então, a plataforma funciona? Ela é focada na execução.
Vou usar o RH de exemplo. Há uma contratação a ser feita, então tem que ser feita a divulgação da vaga, a triagem de currículo, as entrevistas, as aprovações para o coordenador da área e, enfim, é validado se será feita a contratação ou não. Nós quebramos tudo isso em diversas atividades, com foco no que entrega mais valor. Nesse contexto, você tem uma pontuação desbloqueada quando consegue entregar valor. A plataforma de gamificação é um grande dashboard, é um acompanhamento de performance. Ela não deve tirar o foco e ajuda o colaborador a ganhar mais velocidade nas suas tarefas.
Recentemente, inclusive, nós percebemos que os colaboradores gostaram tanto da dinâmica, que até tivemos que travar um pouco. Criamos regras para evitar burnout. E uma outra pontuação, que é o próximo passo da nossa gamificação, é o da participação em algumas ações. Temos dentro da Cidadania4u apoio psicológico e nutricional, as pessoas podem literalmente fazer terapia dentro da empresa, semanalmente. A participação nisso gerará green points. O fato da pessoa se cuidar gerará uma pontuação extra. Temos projetos de corrida também. Temos realmente a preocupação que o colaborador se cuide.
Por Bruno Piai