No mês de julho, um fenômeno conhecido como “quiet quitting” (desistência silenciosa) começou a chamar atenção nas redes sociais, especialmente no TikTok. Na plataforma, profissionais – a maioria da Geração Z – passaram a compartilhar vídeos nos quais mostram que não fazem mais do que o mínimo necessário em sua rotina de trabalho. Ou seja, apenas realizam o que entendem ser o suficiente para não serem demitidos.

A iniciativa divide opiniões. Enquanto, por um lado, é alvo de críticas, por outro segue com considerável adesão por parte dos jovens. Por trás da hashtag há, no entanto, uma razão: o movimento cresce à medida que profissionais visam mostrar às empresas que não vão se submeter à sobrecarga e ao desgaste nas relações de trabalho. Falta de reconhecimento e de uma remuneração considerada justa também integram o pacote.

O enfrentamento de ritmos intensos de trabalho, que muitas vezes desequilibram vida pessoal e profissional, vai além de quem se expõe no TikTok. Um levantamento da Pulses, plataforma de gestão de pessoas, entrevistou 3 mil profissionais brasileiros após a pandemia. 54% responderam que se sentem frustrados com seu trabalho, enquanto 51% relataram que têm dificuldades para cumprir suas atividades.

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Os dois lados do movimento

Expor a rotina profissional nas redes sociais tende a ter um preço, principalmente quando o relato, seja ele justo ou não, possui tons negativos e pode comprometer a imagem da marca empregadora.

Embora o quiet quitting tenha o objetivo de lutar contra o Burnout, enfermidade que, segundo pesquisas, impacta mais de 30% dos profissionais brasileiros e porcentagem semelhante dos trabalhadores americanos, principais impulsionadores do movimento, ele põe em risco a transparência no ambiente de trabalho e pode estender o prejuízo também aos colaboradores.

“Equilíbrio entre vida pessoal e profissional é o princípio para manter a saúde mental, sem dúvida. É interessante entender que o caminho para isso, no entanto, pode e deve ser outro”, diz Gabriela Mative, Diretora de Operações da Luandre.

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De acordo com ela, além da produtividade e da performance das organizações ficarem comprometidas, as lideranças podem ficar impotentes diante da exposição. Gabriela ressalta, também, que a reputação do profissional pode ser prejudicada, trazendo consequências à evolução de sua carreira.

Já na percepção da especialista em Recursos Humanos, Luana Alves, embora, de fato, ações como a ‘desistência silenciosa’ impactem na imagem de quem faz uso da hashtag, ao mesmo tempo são importantes para que as empresas compreendam que o mercado não é como antes e que práticas comuns até então precisam ser mudadas.

“Uma carreira de sucesso não precisa ser conduzida por mantras perigosos, como o ‘trabalhe enquanto eles dormem’. Um profissional saudável, produtivo, engajado e que vai alavancar o negócio é aquele que tem saúde e equilíbrio em sua vida. Me pergunto quantos destes profissionais [adeptos do quiet quitting] buscaram seus gestores e não foram ouvidos, o que motivou a exposição. Outros talvez sequer tenham abertura para falar com seus líderes”, diz.

É importante entender, porém, que embora o nome dê a entender que este profissional esteja buscando ser demitido, na verdade, ele quer permanecer no cargo, mas sem se engajar de fato com a empresa e fazer estritamente o que consta em seu job description.

Diferentemente do que se pode entender num primeiro momento, a causa desse comportamento pode ir além da sobrecarga de atividades e estar ligada à falta de sensação de pertencimento. É o que indica a pesquisa Carreira dos Sonhos, da Cia de Talentos. Realizado com mais 98 mil participantes, em 2021, o estudo revela que uma cultura inclusiva impacta diretamente na percepção de vida significativa e bem-estar.

Já na edição deste ano, há a confirmação de que a nova geração prioriza saúde mental, diversidade e chance de aprendizado no local de trabalho. Além disso, 42% afirmam que ações e informações nas redes sociais são essenciais para definir suas opiniões sobre cada organização.

Outra tendência detectada é a cada vez maior busca pela flexibilidade. Um levantamento que o LinkedIn trouxe a público, em maio deste ano, mostrou que 78% dos profissionais entrevistados buscam políticas flexíveis: 49% para que o trabalho não tenha um impacto negativo em sua vida pessoal e 40% querem preservar a saúde mental. Dos entrevistados, 43% também consideram que a flexibilidade é um fator para aumento de sua produtividade.

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O quiet quitting pode chegar ao Brasil?

No final de 2020, quando a pandemia vivia ainda seu tempo de auge, um outro fenômeno se destacava no TikTok e em plataformas como o Reddit, o #quitmyjob. Nele, profissionais expunham seus pedidos de demissões e até mesmo gravavam e publicavam o momento do ato. 

Pouco tempo depois, em 2021, veio à tona a Great Resignation (Grande Renúncia), um período no qual países – incluindo o Brasil – registraram índices recordes de pedidos de desligamento. Somente em novembro, por exemplo, mais de 4,5 milhões de americanos pediram as contas de seu trabalho, segundo o Departamento de Trabalho do país.

Na última década, as empresas brasileiras lideraram diversas pesquisas sobre turnover. A estimativa é que por aqui, em média, a rotação de profissionais seja duas vezes maior do que a média mundial. Além disso, 2,9 milhões de pessoas pediram demissão de seus empregos entre janeiro e maio de 2022, segundo levantamento feito pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), maior índice já visto na história desde 2005, de acordo com o Caged. O estudo ainda mostra que 48% dos trabalhadores que pediram desligamento são de pessoas com alto nível de escolaridade.

Os estudos deixam claro que os trabalhadores brasileiros também visam por mudanças na relação com o trabalho após a pandemia da Covid-19. Por mais que, segundo a última Pnad Contínua, do IBGE, o Brasil tenha a menor taxa de desemprego – 9,1% – desde o trimestre encerrado em dezembro de 2015, a informalidade nunca atingiu patamares tão altos (39,8% da população ocupada).

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“A informalidade é, muitas vezes, catalisadora de condições precárias de trabalho, tanto em ambiente quanto em remuneração. Mas não se enganem, muitas empresas que parecem estruturadas e lidam bem com as burocracias podem falhar na oferta de propósito, equilíbrio e dignidade. As novas gerações anseiam por mudança. Não é choro ou moda, é o desejo de transformar práticas arcaicas em ações de bem-estar. As empresas devem, sim, ficar muito atentas. Algumas ouvirão o recado, outras preferirão queimar talentos. Nisso, podem se queimar também”, alerta Luana.

Por sua vez, Gabriela orienta que as organizações repensem a sua cultura. Para ela, mais do que nunca, é fundamental que o relacionamento de gestores, líderes e RHs com os colaboradores seja transparente. É uma linha cada vez mais horizontal, nos quais os funcionários são ouvidos. O comando e controle em excesso e a ausência de emoções no trabalho estão com os dias contados.

“É inegável que a pandemia trouxe mudanças significativas. Os desafios iniciais levaram ao ambiente phygital (físico e digital ao mesmo tempo), que se tornou realidade para muito mais profissionais e leva a uma maior autonomia da gestão de tempo. Neste cenário, o diálogo é a forma de adequar as expectativas de ambos os lados de forma transparente e assertiva”, finaliza a Diretora de Operações da Luandre.

Capa: Via Depositphotos