A 15ª edição da pesquisa “Panorama do Treinamento no Brasil”, realizada pela ABTD, elucida o quanto os treinamentos a distância estão, cada vez mais, ganhando força entre as empresas do país. De acordo com o estudo, durante o período da pandemia da Covid-19, 44% do total de horas destinadas ao desenvolvimento de pessoas foram entregues em formato EAD – 19% em modelo de autotreinamento (sem ser ao vivo), 18% com professor ao vivo (o que representa um crescimento de 200% em relação a anos anteriores) e 7% sem utilização de tecnologias (apostilas, manuais e outras ferramentas).

Para efeito de comparação, nos Estados Unidos, segundo o relatório, os treinamentos online conquistaram a preferência dos instrutores em 2020. 59% das horas treinadas foram em EAD, enquanto a porcentagem presencial foi de 41%.

Apesar da influência pandêmica, que fez com que formatos a distância crescessem não só em relação ao T&D, mas também sobre o trabalho em si, a tendência é que no pós-pandemia a aprendizagem online siga em ascensão, especialmente com o uso de tecnologias e estratégias cada vez mais elaboradas para engajar os participantes dos treinamentos. Não à toa, alguns pontos tendem a se destacar nos próximos anos em relação ao T&D virtual, e é sobre eles que falaremos a seguir.

Treinamentos em vídeo prontos para engajar, não para cansar

Os instrutores que planejam desenhar treinamentos EAD não podem ignorar algumas condições que foram potencializadas pela pandemia. Uma delas, que ficou “famosa” logo após os primeiros meses de ‘boom’ do trabalho remoto, foi o chamado “Zoom Fatigue” (Fadiga de Zoom, em tradução literal), que remete à sensação de cansaço e irritabilidade pelo excesso de videoconferências.

Diante do esgotamento mental que as plataformas de vídeo e de interação podem causar na rotina de trabalho, é muito importante que os instrutores pensem em alternativas para sair fora da caixa nos treinamentos a distância.

Aulas ao vivo podem ser mescladas com conteúdos assíncronos. Podcasts, apostilas, ebooks e infográficos são opções valiosas para mesclar no momento de transmitir conteúdo. Para quem planeja investir nas aulas virtuais, a pesquisa The State of Virtual Training 2022 traz alguns dados importantes que precisam ser considerados.

Treinamento em vídeo

  • Apesar da maioria das aulas e treinamentos virtuais estarem na faixa dos 60 minutos de duração, 29% deles chegaram à segunda hora em 2021, um aumento de 10% em relação ao ano anterior.

Independente do tempo levado, é essencial que o conteúdo gere interesse. Para não ter erro, uma recomendação é o uso de ferramentas de seleção de conteúdos. São métodos que oferecem suporte para os multiplicadores criarem processos educacionais ágeis e otimizados, uma vez que o foco está em como as pessoas aprendem e em sua performance.

  • 83% das aulas virtuais contam com até 25 participantes, enquanto 7% têm mais de 50 participantes.

Não há um certo ou errado em relação à quantidade de pessoas que devem integrar um treinamento a distância, no entanto quem ensina deve considerar alguns fatores. Se a ideia é, durante uma aula ou treinamento, incentivar uma interação ativa da maioria dos participantes, pode ser interessante dosar o total de pessoas caso ele não consiga ter um envolvimento satisfatório por parte da turma.

Além disso, o instrutor deve sempre ter a preocupação de buscar entender se os aprendizes estão, de fato, conseguindo compreender a sua abordagem, tendo em mente que o ritmo de aprendizagem de cada um pode ser diferente.

“Uma parte específica do conteúdo pode ser aprendida de forma assíncrona, com colaboração, estudos de casos, games e discussões significativas em aulas virtuais. Na nossa experiência, temos resultados expressivos de treinamentos online e híbridos de um dia (ou mais), com os participantes movendo-se entre atividades síncronas e assíncronas ao longo do programa, com o uso de ferramentas e atividades colaborativas e práticas”, compartilha Tatiany Melecchi, mestre em marketing que reúne mais de 20 anos de experiência nas áreas de vendas, marketing e treinamento e desenvolvimento.

  • 70% das pessoas afirmam que o seu uso de webcam aumentou em relação ao período pré-pandemia. 83% dos facilitadores fazem uso de câmeras digitais durante as aulas, enquanto 64% dos participantes optam por fazer o mesmo.

Para aliviar o cansaço que tantas vezes o vídeo e as interações a distância podem proporcionar, ocultar a visão e deixar a câmera ligada somente em momentos de discussão ou de apresentações são técnicas que auxiliam no processo.

O metaverso chegou

O metaverso não é, necessariamente, uma novidade. Contudo, o seu “momento de brilhar” aparenta, enfim, ter chegado à educação e ao mundo corporativo. No campo do recrutamento, há casos como o da Cia. de Estágios, que deu início a processos seletivos realizados dentro do ambiente digital. Em um deles, trinta participantes criaram cada um deles um avatar de acordo com suas características pessoais e integraram uma dinâmica com uma recrutadora dentro de um “universo online”, enquanto usavam óculos de realidade virtual.

Outro exemplo de uso corporativo do metaverso é o da Motorola (foto abaixo), que usa a imersão digital para realizar treinamentos com as equipes de vendas no Brasil. “O feedback dos colaboradores foi bastante positivo. Todos adoraram a novidade, e alguns até mencionaram que se sentiram em um treinamento ‘presencial’. Fizemos uma avaliação de absorção de conhecimento e tivemos uma média geral superior a 80%, o que é extremamente satisfatório”, explica Tatiane Bernardazzi, head de Trade Marketing da Motorola.

Metaverso Motorola

Tanto para o recrutamento quanto para o T&D, as experiências digitais em realidade aumentada podem favorecer:

  • A imersão do aprendiz, oferecendo as mais diversas possibilidades para que os participantes estejam diante de diferentes cenários e situações;
  • O desenvolvimento de novas habilidades ou o fortalecimento de skills já existentes (upskilling e reskilling) com a aplicação de simulações que ajudam a potencializar a memória física e a retenção do conteúdo ensinado, uma vez que a realidade virtual favorece que o conhecimento seja posto em prática.
  • A interação e o trabalho em equipe em desafios estabelecidos que exigem ações em conjunto para serem superados.

O potencial de envolvimento que a realidade virtual leva aos aprendizes somado ao hype atual fazem com que o panorama para os próximos anos seja promissor no que diz respeito à sua implantação. Todavia, será preciso ter adaptabilidade e a capacidade criativa para desenhar contextos em que, de fato, o metaverso possa suprir necessidades e não ser somente uma moda.

“Com a implantação do 5G, os próximos 10 anos vão significar um salto para o metaverso. O vice-presidente do Gartner, Marty Resnick, disse recentemente que 25% das pessoas ao redor do globo vão passar algum tempo no mundo digital até 2026, quando 30% das organizações do mundo terão produtos e serviços no ambiente online”, pontua em artigo Paulo Asano, CEO da Populos.

Veja mais: O futuro do trabalho será impactado pelo metaverso?

Gamification ainda é uma tendência?

Quem está mais envolvido com o universo de T&D já é familiarizado com o conceito de gamification, que basicamente trabalha os jogos como ferramenta de ensino. Entretanto, por mais que a pesquisa Game Brasil 2020, promovida pelo Sioux Group, tenha identificado que mais de 73% dos brasileiros jogam em plataformas eletrônicas, somente 28,6% já ouviram falar em gamification.

Ainda assim, a gamificação tende a ser uma das tendências de maior destaque do T&D nos próximos anos. O estudo “Talent LMS Gamification Survey” traz dados que justificam por que a metodologia tende a ser vista com maior atenção pelos gestores empresariais e pelos designers de aprendizagem:

  • 89% dizem que iniciativas que usam gamification aumentam a sua produtividade no trabalho;
  • Gamification pode aumentar o sentimento de pertencimento e propósito para 89% dos respondentes;
  • Segundo 61% dos entrevistados, treinamentos que não usam gamificação têm alto potencial de causar tédio;
  • 83% dos participantes do estudo afirmam que se sentem mais motivados a realizar treinamentos que usam os jogos.

O conceito de “jogar para aprender” mostra força ao fazer com que os participantes se sintam estimulados a resolver – individualmente ou em equipe – desafios propostos para que eles avancem a etapas mais avançadas durante o processo de aprendizagem. É também uma tática eficaz de memorização de conteúdo e traz o elemento lúdico para quebrar a formalidade do treinamento e provar que o desenvolvimento de pessoas pode ser divertido.

Treinamentos virtuais - gamification

“Promover novas formas de treinar ou de criar novas atividades educacionais não precisa ser um desafio, já que a tecnologia está sendo um aparato essencial nos dias de hoje. Nós, da Minds, utilizamos as estratégias da gamificação durante a seleção de novos colaboradores, nos treinamentos e nas aulas do curso. É algo que nos traz resultados positivos a nossa rede de franquia”, relata Renato Garcia, Diretor Publicitário da Minds Idiomas.

Os instrutores podem fazer uso de rankings, pontuações, premiações e outros estímulos que motivem os alunos ou profissionais treinados a seguir em frente realizando as missões propostas nos games. É um modelo que favorece o uso de métodos como o storytelling (criação de histórias que aumentam o envolvimento) e que pode, também, ser um mecanismo para levar ao time de trabalho os valores empresariais e a cultura do negócio.

Veja mais: O desafio da gamificação com o trabalho remoto

Microlearning não sai de moda

Outra tendência de treinamento virtual que só tende a crescer em 2022 e nos próximos anos é o microlearning. Não tem segredo: o conceito, como o próprio nome já diz, envolve “ir direto ao ponto” em relação aos conteúdos aplicados, transmitindo-os em curta duração e em sessões de aprendizagem menores.

Em outras palavras, o microlearning se destaca pela flexibilidade e por ser uma ferramenta bastante acessível dentro do mobile learning, oferecendo conteúdos multiplataforma de fácil acesso a qualquer momento e em qualquer lugar.

De acordo com Eliane Iwasaki, Head of Revenue Growth da Voxy, edtech de conteúdo que usa o microlearning para ensinar inglês adaptado às diferentes áreas de atuação das empresas, “com essa metodologia aplicada em modelos de treinamentos digitais o aluno pode estudar conforme sua própria rotina e o profissional de RH pode focar em acompanhar e otimizar os orçamentos de T&D, cortando custos desnecessários e reduzindo até 55% do valor empenhado em treinamentos”.

Na educação corporativa, a metodologia consiste em subdividir o conteúdo a ser estudado em pequenos blocos e disponibilizá-los por meio de vídeos, áudios, imagens, jogos, testes, frases e textos que possam ser acessados a qualquer momento e de qualquer lugar.

Além dos elementos de facilitação, investir no microlearning garante alto poder de retenção, já que o conteúdo pode ser revisto várias vezes e de forma simples e direta, e também menos custos às organizações.

Veja mais: Tendências para o mercado de e-learning

Tik Tok Training: o microlearning do microlearning

A essência do microlearning, como levantado no tópico acima, é levar ao aluno conteúdos curtos. Mas quando falamos de vídeos que mal chegam a 20 segundos de duração, talvez pareça curto até demais, não é mesmo? Pois foi essa a estratégia que a tiktoker Kat Norton (foto abaixo), também conhecida como “Miss Excel”, adotou para ensinar.

Em sua conta no TikTok, a jovem produz conteúdos que normalmente não ultrapassam os 20 segundos para ensinar a usar ferramentas do programa – tudo enquanto dança ao som de uma música de fundo. Até o momento, ela conta com mais de 759 mil seguidores e mais de 1,5 milhão de curtidas. E, a julgar pelos comentários em seus vídeos, dá para dizer que, de fato, muitas pessoas estão assimilando o conteúdo.

Kat Norton

Um dos maiores desafios atuais do instrutor é lidar com o imediatismo. Cada vez mais, as pessoas procuram por soluções rápidas que ofereçam a elas o que elas querem e precisam aprender. Usar as redes sociais e o que elas têm a oferecer para fazer delas uma fonte a mais de transmissão de conhecimento pode ser uma estratégia para atrair público – e engana-se quem pensa que o formato funciona só com as gerações mais atuais.

Veja mais: Vídeos curtos e descontraídos, o estilo TikTok chegou ao RH?

O T&D virtual contribui trazendo pluralidade e a possibilidade de personalizar os processos de aprendizagem, especialmente por conta da variedade de formatos às quais os instrutores podem se apegar, assim tendo o seu papel para atender às demandas das companhias. Segundo estudo da eLearning Industry, empresas que dão atenção à capacitação a distância podem ter economia de até 50% em comparação aos treinamentos tradicionais.

Por Bruno Piai