Neste sábado (20), comemora-se no Brasil o Dia Nacional da Consciência Negra. Comemorar, talvez, não seja a palavra certa a ser utilizada considerando o quanto a desigualdade racial e o racismo ainda se fazem presente social e corporativamente, mas ao menos a data é um importante reforço para que pautas importantes sejam recordadas e debatidas. Por lei, desde 2011 a data é considerada feriado nacional. A escolha do dia, inclusive, reflete a quando morreu Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos principais líderes negros da história brasileira e que lutou pela libertação dos descendentes africanos contra a escravidão.

Apesar da lembrança anual ser um marco importante nos direitos garantidos à população negra brasileira, muito ainda há de ser feito e conquistado. O mercado de trabalho, por exemplo, é um dos pilares que segue precisando ser reestruturado no que diz respeito à diversidade. Negócios de diferentes segmentos passaram a contratar empresas especializadas no recrutamento de negros e, ainda assim, o número de brancos empregados e com maior remuneração mensal segue sendo majoritário em todo o país.

Com base nos dados coletados pela Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2019, a média salarial de trabalhadores negros foi 45% menor do que a dos brancos. Segundo a pesquisa, ainda, para as mulheres negras, a situação é ainda mais desigual, com média salarial 70% menor que a das mulheres brancas. Isso dentro de um cenário em que os cargos e formações são os mesmos de ambos os lados.

Outro levantamento, a 63ª edição da Pesquisa Salarial realizada pela Catho, corrobora os dados do IBGE e detalha a desigualdade em relação à remuneração. Em cargos de diretoria esses profissionais ganham 29,5% a menos e a desigualdade segue em todos outros níveis de atuação: como Coordenador (-10,6%), Especialista graduado (-12,5%), Analista (-8,3%), Especialista técnico (-9,4%), Assistente (-3,2%) e Operacional (-2,8%).

“Esse levantamento reforça o quanto a desigualdade racial está presente em todos os âmbitos sociais e econômicos. Esses números são alarmantes, pois é inadmissível que um profissional ganhe menos, com o mesmo nível hierárquico e de escolaridade, apenas pela cor da sua pele. Mas esse cenário do mercado de trabalho é apenas um reflexo do racismo estrutural que, infelizmente, encontramos na sociedade e isso precisa mudar com urgência”, lamenta a Gerente Sênior da Catho, Bianca Machado.

Não há diversidade sem inclusão! E vice-versa

De acordo com Greice Ciarrocchi, especialista em Relações Humanas e CEO da CSS Tecnologia e Serviços SA, é fundamental que, para que uma mudança de cenário possa se configurar, as empresas façam da diversidade e da inclusão pilares organizacionais e não apenas modismos. “A importância de ter uma postura que apoie a diversidade e inclusão é muito mais do que uma moda ou tendência do momento. Precisamos refletir e colocar em prática essas ações, enquanto existirem pessoas que ainda não possuem oportunidades. Aqui estamos falando da inclusão dos negros, mas também existem os LGBTQIA+, as mulheres, entre outros. É um dever nosso discutir sobre o tema para mudar isso”.

Para a empresária, as gerações novas já refletem mais sobre o assunto e as empresas também precisam se adaptar urgentemente. “O profissional que não se adequar terá o seu futuro afetado, de médio a longo prazo, com certeza. A missão de mudança deve ser algo que parte da alta direção e da liderança como um todo, para que isso reflita em todos os colaboradores, convidando-os a refletirem e terem um olhar diferenciado, que quebre paradigmas e crenças pré-estabelecidas”, comenta a profissional, que é expert na formação de líderes e gestão humanizada.

Uma das ações pontuadas para ela como essencial, inclusive, se trata da tomada de atitudes da liderança, que deve agir imediatamente quando enxergar alguma discriminação ou preconceito dentro de uma organização. Piadas e brincadeiras preconceituosas, por exemplo, não devem ser ignoradas. Além disso, as oportunidades oferecidas pelo negócio devem ser iguais para todos, independente de gênero, raça, orientação sexual e afins.

“Salários, cargos e funções desiguais não devem existir em nenhuma hipótese. O que importa é se a formação e requisitos do colaborador se enquadram na vaga oferecida e não sua aparência ou assuntos pessoais. Não adianta existir um discurso na empresa, sendo que não existem ações, de fato, que vão no sentido dos valores pregados ou atitudes que se esperam”, complementa.

Veja mais: Que histórias nos contaram sobre os negros?

Mudança de cultura no recrutamento

Embora a população negra seja maioria no país, a discriminação marca presença no dia a dia. Em artigo, Tiago Mascarenhas (foto abaixo), CEO do Grupo Educacional SEDA, nos recorda de números alarmantes trazidos por pesquisas recentes. O estudo Racismo no Brasil mostra que, para 84% dos entrevistados, o país é preconceituoso em relação às pessoas negras.

Já um levantamento da Indeed compartilha o dado de que 60% dos profissionais negros já sofreram discriminação racial no ambiente de trabalho. Enquanto isso, retomando a pesquisa Racismo no Brasil, nela é revelado  que 54% acreditam que brasileiros não reagiriam bem a um chefe negro. Tais números são alguns dos pontos que nos ajudam a compreender por que somente 5% dos profissionais negros estão em cargos de liderança.

“Boa parte do problema está na própria qualificação profissional. Classes sociais mais elevadas, predominantemente compostas por profissionais brancos, dispõem de mais recursos financeiros para cursar melhores instituições de ensino, buscar por cursos complementares de qualificação, realizar intercâmbio, entre muitas outras experiências relevantes para o currículo”, diz Mascarenhas.

Tiago Mascarenhas

Para ele, já passou da hora das organizações fortalecerem o debate e compreenderem que precisam mudar a forma como conduzem seus processos seletivos. “Em um cenário pouco positivo, mudar a maneira na qual as empresas gerenciam seus processos seletivos pode, enfim, contribuir para o início de uma real inclusão racial. É preciso entender que o profissional negro pode – e deve – receber treinamento técnico para se tornar melhor na sua área, contribuindo muito mais para a questão estratégica da empresa. Afinal, ele também é um potencial cliente da companhia e, por tal, entende os desejos e necessidades dos consumidores. Principalmente, se o público-alvo da organização abranger consumidores de classes sociais mais baixas, nas quais os negros, infelizmente, ainda são a maioria”, explica o executivo, que complementa ao reforçar que é preciso ter pessoas que não só compreendam o público como consumidor, mas como pessoa.

“Nessa lógica, aumentar o alto escalão da empresa com profissionais negros irá contribuir significativamente para um melhor entendimento da jornada de compra dos clientes. Mas, além disso, compreender suas dores, anseios, necessidades e, como atender a todas essas questões de forma muito mais efetiva”, elucida.

Veja mais: Diversidade nas empresas só avançará com o apoio do RH

Missão liderança

Há casos de executivos negros bem-sucedidos em suas carreiras, que conseguiram superar os desafios impostos pelo racismo e preconceito e subir diversos postos de trabalho em suas empresas, até chegarem à cargos de liderança. É o caso do executivo Pedro Augusto Bueno, diretor de RH da SKIC Brasil, subsidiária brasileira de uma das principais empresas chilenas de Engenharia e Construção e uma das maiores do setor na América do Sul.

Pedro Bueno

Desde a infância, Bueno sabe o que é conviver com o preconceito. “Sabemos que o racismo existe desde os tempos de criança, onde, na escola, tínhamos que saber lidar com piadas, exclusões e xingamentos. Contudo, graças a educação que tive de minha família, com um forte trabalho mental para lidar com isso, soube trilhar meu caminho sem me perder, tirando sempre lições das situações infelizes que a pessoa negra, infelizmente, passa, não só no Brasil, mas em vários lugares do mundo. Foi essa educação e esperança no aumento da diversidade, inclusão e respeito, que me ajudaram a trilhar e conquistar um espaço executivo dentro do mercado de trabalho”, avalia Bueno. Para ele, a liderança negra vem atrelada a muita luta, esforço e dedicação. “Sabemos que para nós negros o sucesso não é algo natural e fácil. Temos que nos dedicar e entregar o dobro, às vezes o triplo, para obter reconhecimento e valorização. Não é fácil e requer muita disciplina e saúde mental”, afirma.

Como um afrodescendente em posição de liderança em cargo executivo, Pedro acredita que o maior desafio de sua posição e de seu trabalho diário é quebrar algumas barreiras, vieses inconscientes que impossibilitam o acesso de pessoas com histórias e trajetórias diferentes a posições de prestígio e destaque. “Nem todo executivo precisa necessariamente ter nascido nos grandes centros, vivido nos melhores bairros, frequentado as melhores escolas e universidades ou ser natural dos países mais ricos do mundo. Isso é algo enraizado e que deve ser sempre refletido”, acredita.

O executivo conta que é procurado por jovens e adultos que se identificam com sua história e se inspiram nela para crescerem profissionalmente. “No próprio time de RH da SKIC temos profissionais que passaram a acreditar e idealizar sonhos que antes, por todo contexto cultural, limitavam alcançar. Fico muito feliz em poder ajudar e servir de referência, sigo incentivando e orientando nossos colaboradores, dando oportunidade para que mostrem talentos ocultos que podem ser muito bem utilizados pela empresa”, salienta Bueno. Além dele, a SKIC Brasil também conta com um executivo afrodescendente como CEO, Robson Campos.

Por Bruno Piai