Depois de promover a demissão de praticamente 50% da força de trabalho do Twitter – cerca de 3,7 mil desligamentos -, o bilionário Elon Musk, novo dono da plataforma, pode ter se arrependido de alguns cortes. Informações da Bloomberg e do fundador do Platformer, Casey Newton, revelaram que a empresa chegou a pedir o retorno de alguns dos ex-colaboradores, sob a alegação de que foram “demitidos por engano”.

Segundo o jornal Insider, não somente os convites para a volta foram feitos – a princípio para cinco profissionais considerados chave para auxiliar Musk nas mudanças que ele deseja implantar -, como já houve a primeira recusa, com uma das vítimas do “passaralho” manifestando que se sentiu “usado” e que acredita “que será demitido novamente em breve”.

Nos Estados Unidos, não é incomum que empresas recontratem ex-colaboradores. Algumas delas dão preferência a preencher suas vagas com pessoas que já conhecem o negócio e, consequentemente, não precisam passar por treinamentos ou um período de adaptação. Outras, inclusive, realizam “demissões temporárias” para equilibrar as contas. As organizações aparentam ter flexibilidade para voltar atrás após uma decisão de desligamento, como no caso do Twitter.

Todavia, caso se aventurasse em empresas pelo Brasil, será que Musk teria a brecha para simplesmente tentar contratar funcionários recém-demitidos? Para tirar dúvidas sobre o processo de recontratação nas companhias locais, conversamos com a advogada Juliana Torres, especialista em Direito do Trabalho.

1) A recontratação de um colaborador é permitida no Brasil?

Não é um problema um gestor readmitir um profissional que já fez parte do quadro de seu negócio. No entanto, no Brasil não é tão simples quanto no caso do Twitter, no qual poucos dias após se arrepender de algumas decisões, Elon Musk já solicitou que sua equipe tente trazer de volta alguns dos recém-desligados. Consta na CLT que em casos de demissão sem justa causa, o colaborador só pode ser recontratado após 90 dias a partir da data do término do vínculo anterior.

2) Por que é necessário esperar 90 dias?

Uma recontratação feita com intervalo inferior a 90 dias pode ser interpretada pela Justiça do Trabalho como fraude. E uma vez que há a recontratação, é necessário um novo cadastro sistêmico, um novo exame admissional – que conste resultado apto – e a entrega de toda a documentação pessoal atualizada, mesmo que não tenha havido, de fato, alterações nas informações. Um novo registro na Carteira de Trabalho também precisa ser realizado.

3) Os mesmos 90 dias valem para pedidos de demissão?

É recomendável que sim. Por que há 90 dias de prazo também para pedidos de demissão? Basicamente porque a Reforma Trabalhista passou a permitir que o funcionário que tomar a iniciativa do desligamento possa sacar até 80% do seu FGTS. Portanto, uma recontratação antes dos 90 dias pode ser considerada fraudulenta. Os três meses de prazo existem exatamente para desestimular demissões.

Mas há casos e casos. Imagine que seu colaborador pediu demissão para trabalhar em uma outra empresa, mas depois de alguns poucos dias de trabalho viu que o novo ambiente não é para ele e, por isso, ele deseja voltar. Se for do interesse do negócio tê-lo de volta, não há razão para esperar pelos 90 dias.

4) É possível recontratar com um novo vínculo, como demitir um CLT e trazê-lo de volta como PJ?

Tal prática se tornou até comum em algumas empresas, mas na maioria dos casos ela é realizada ilegalmente. A Lei 13.467/2017, conhecida como Lei da Terceirização, permite que um ex-CLT seja recontratado como prestador de serviços – MEI, por exemplo -, mas desde que seu vínculo CLT com a organização tenha sido encerrado há pelo menos 18 meses.

5) Por mais que não seja comum, em casos de justa causa também pode haver a recontratação?

De fato está longe de ser o cenário mais habitual um colaborador demitido por justa causa ser recontratado, mas pode acontecer. Por ser tão raro, também é mais flexível. Ou seja, uma readmissão por justa causa não decorre de um tempo mínimo de espera. Não é necessário esperar os 90 dias, portanto, e a recontratação pode ser feita a qualquer momento.

6) Há uma crença de que a recontratação só poderia ser feita após 180 dias, De onde ela surgiu?

Há uma circunstância no qual o prazo mínimo para recontratar são 180 dias: a recontratação após o término de um contrato com prazo determinado, ou seja, aquele no qual há não só a data de início do colaborador, mas também a data do término. Nesse caso, o art. 452 da CLT implica que a readmissão deve ser feita após seis meses.

7) Recontratados passam de novo pela experiência?

Se ela já foi cumprida durante o vínculo anterior, não. Só será necessário que o empregado passe novamente pela experiência se sua contratação for para uma vaga de trabalho diferente à anterior. É válido tomar cuidado, também, com a questão salarial. Não há uma proibição que determine que um funcionário readmitido não possa ganhar um salário inferior ao do vínculo anterior, mas por mais que os tribunais costumem ter tal entendimento, a depender da situação, a empresa pode ser investigada. O aconselhado é que tal diminuição não aconteça.

8) Durante a pandemia da Covid-19, existiram casos de readmissão antes do período de 90 dias. Isso é legal?

Em circunstâncias normais, somente as situações tratadas acima, como a justa causa ou o pedido de demissão. O que ocorre é que há brechas durante um período de calamidade. A portaria 16.655 instituída pelo governo permitiu a recontratação mesmo antes do prazo de 90 dias ser cumprido para os casos sem justa causa.

Por Bruno Piai