A turbulenta saída da atriz Camila Queiroz da Rede Globo chamou a atenção. O assunto não só foi repercutido nos sites de entretenimento, como também levantou polêmica e curiosidade por expor que celebridades, contratualmente falando, também são “gente como a gente”.

Portanto, é sempre importante entender quais são os direitos e deveres envolvidos em um vínculo que não é CLT. Será que situações semelhantes à condução do desligamento da atriz podem ocorrer com outros trabalhadores?

Entenda o caso

O anúncio bombástico de que a atriz Camila Queiroz não faz mais parte do elenco de “Verdades Secretas 2” foi feito pelo GShow, pegando todos de surpresa, principalmente porque a série ainda estava sendo gravada e o lançamento dos episódios no streaming estão com altos números de visualizações.

Em nota publicada no Instagram, a equipe da artista manifestou que “a atriz foi surpreendida quando recebeu as últimas cenas para gravação, momento em que percebeu que os rumos da novela seriam de fato alterados. A atriz entende que esses últimos acontecimentos deixam claro que a empresa tentou puni-la exclusivamente pelo fato de ter tomado a decisão unilateral de readequar o formato de seu contrato com TV Globo no passado, decisão essa que não partiu da empresa, como foi divulgado à época”.

O texto ressalta, ainda, que Camila não deixou de cumprir nenhum combinado realizado com a Rede Globo ou se recusou a gravar em algum momento, “e tentou de forma persistente contornar as adversidades junto a empresa de comum acordo, o que infelizmente não foi possível”.

De acordo com comunicado emitido pela Globo, em sua defesa, “para assinar a extensão de contrato necessária à gravação das cenas finais da novela, Camila Queiroz quis determinar o desfecho da personagem Angel e exigiu um compromisso formal de que faria parte de uma eventual terceira temporada da obra, além de outras demandas contratuais inaceitáveis”.

A emissora carioca pontuou que não houve demissão, “mas o encerramento de um contrato que foi cumprido até o final do prazo ajustado”, uma vez que o que não ocorreu foi a extensão contratual necessária para o término das gravações – atrasado por conta do protocolos de saúde contra a Covid-19. A empresa alegou que, ao contrário do que foi divulgado em portais de notícia, não teve e não tem a intenção de processar a atriz.

A quebra do contrato é legal?

Diante do anúncio da saída da atriz, surgiram muitas dúvidas sobre quais são os direitos e deveres das partes contratantes, sobretudo em uma hipótese de quebra ou encerramento de contratos. Segundo o advogado do VC Advogados, Paulo Cruz, é imprescindível analisar as cláusulas do contrato que está sendo rescindido, pois, ao que parece, no caso em questão, não há um contrato de trabalho regido pelas Leis Trabalhistas, mas, sim, um contrato de prestação de serviços e, como tal, regido pelas regras de direito civil. Neste caso, o mais importante seria analisar o que está previsto nas cláusulas do contrato firmado entre as partes, acerca da possibilidade de rescisão contratual ou os períodos de vigência e de encerramento.

O advogado explica que, diante do encerramento do contrato anterior – que não culminou com todas as datas de gravação –, não havendo nele previsão específica, prevalecerão as regras do Código Civil e, nelas diante do encerramento do contrato anterior por término do prazo nele estabelecido, necessária a renovação por nova manifestação de vontades das partes em acordo, através de um aditivo ou da assinatura de um novo contrato

“Sob o ponto de vista legal, ninguém pode ser obrigado a firmar um contrato ou um acordo se não estiver de acordo com os seus termos, o que explica o fato da Globo não poder obrigar a atriz a gravar as cenas finais de sua personagem”, assegura Paulo. Ele explica ainda que o contrato de prestação de serviços proporciona uma relação transparente, e serve justamente para definir e registrar quais são as obrigações, deveres e acordos sobre as tarefas que serão desempenhadas, a forma, a remuneração e outros direitos.

“É uma garantia do que foi combinado entre as partes com a existência de sanções para a parte que resolver não cumprir as obrigações que assumiu. Contudo, com o encerramento do contrato, torna-se necessária a assinatura de um novo e as partes podem iniciar novamente a etapa de negociação de seus termos. No caso de encerramento sem possibilidade de prorrogação, não havendo acordo entre as partes sobre as cláusulas da nova contratação, a relação estará definitivamente encerrada. Por outro lado, prevendo o contrato a possibilidade de renovação ou de prorrogação – o que, aparentemente não era o caso do contrato da artista –, todo este embaraço poderia ter sido evitado”, afirma Paulo.

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Cuidados com a pejotização

Segundo o portal Na Telinha, do UOL, a pejotização de contratos não é uma novidade no Grupo Globo. O jornalista Daniel Cezar explicou em matéria que a companhia passou a atuar com dois tipos de regime contratual para seus artistas. Cerca de 70% do pagamento total do salário é realizado por meio de notas fiscais para Pessoas Jurídicas (o famoso ‘PJ’), enquanto os 30% restantes envolvem CLT e carteira assinada. Em matéria recente do jornal O Globo, a colunista Patrícia Kogut ressaltou que, para parte do time de artistas e diretores, a emissora voltou a apostar em contratos fixos para não perder seus talentos à concorrência.

Segundo o advogado Marco Chagas, especializado em Direito Trabalhista, é preciso ter muita cautela antes de realizar contratos PJ. De acordo com reportagem realizada pela Isto É em junho de 2019, a emissora líder de audiência no Brasil foi alvo de uma ação civil pública em sigilo na Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro. O processo foi motivado por suposto “drible” nas leis trabalhistas por ausência de custos empregatícios com PJs.

“A contratação de um PJ é um acordo de CNPJs que envolve contratante e contratado e emissão de notas fiscais por serviços realizados. A ‘vantagem’ a favor da empresa é não se preocupar com direitos trabalhistas como 13º salário, férias, INSS, horas extras e outros. Para o empregado, muitas vezes o acordo também é vantajoso, uma vez que, em teoria, oferece flexibilidade e não propõe descontos salariais. Além disso, o Imposto de Renda acaba impactando menos. Contudo, o empregado precisa ter maior controle, uma vez que, ao fim do contrato ou após um eventual término do vínculo antes do planejado, não há verbas rescisórias a serem recebidas caso uma multa por quebra não seja estabelecida no contrato. É o próprio, inclusive, que deve se atentar a todos os recolhimentos e manter o seu CNPJ em dia”, alerta.

O especialista esclarece que a contratação PJ não é necessariamente ilegal e pode envolver prestadores de serviços registrados como empresas. MEI (Microempreendedor Individual), EIRELI ou Sociedade Unipessoal se encaixam na prestação não CLT. O vínculo, portanto, tem como base um contrato e não as regras trabalhistas que envolvem profissionais com carteira assinada.

“A lei ampara esse tipo de contratação, mas não exime as empresas de eventuais processos trabalhistas. O vínculo pode ser facilmente considerado fraude a depender das exigências impostas pelo empregador ao seu funcionário. Horário fixo e obrigatório de trabalho, subordinação e remuneração que não é alterada – embora as responsabilidades do colaborador, sim – podem levar a Justiça do Trabalho a caracterizar a relação trabalhista como irregular. Em outras palavras, a contratação de uma pessoa jurídica não pode preencher os requisitos de um CLT”, pontua Chagas.

Embora ainda haja dúvidas a respeito do modelo de contratação, o fato é que ele está se popularizando cada vez mais, uma vez que facilita a recolocação de profissionais autônomos e dá brecha para que o trabalhador possa realizar diferentes atividades para diferentes empresas, assim tendo mais alternativas para compor sua renda.

“É necessário destacar, porém, que processos trabalhistas comuns em vínculos CLT também podem ocorrer com contratações PJ. Embora a Reforma Trabalhista tenha facilitado este modelo de contratação, há regulamentações a serem rigidamente seguidas. Não dá para fugir do fato que no Brasil muitos PJs são contratados para desempenhar toda a rotina de um CLT. Nesses casos, a relação de emprego é mascarada por um contrato entre empresas. A pejotização é, de certa forma, mal vista, exatamente por tal conduta, que só tende a oferecer prejuízo ao funcionário, que cumpre o papel de um ‘CLT sem direitos’”, diz.

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Responsabilidade de conduta

Outro enfoque é que a Rede Globo resolveu expor os motivos do rompimento, acusando-a de buscar benefícios pessoais em detrimento da obra escrita pelos autores da novela. De acordo com Cruz, ao agir dessa maneira, a emissora de televisão atraiu para si a responsabilidade de comprovar o ocorrido, o que poderá ensejar uma ação judicial de reparação de danos movida pela atriz, caso os fatos alegados não se confirmem.

Qualquer erro ou omissão na elaboração de um contrato de prestação de serviços, sobretudo ao não impor e não determinar a possibilidade, o modo e a forma de sua renovação ou prorrogação ou até, como poderia se esperar num caso desses, uma renovação automática por um certo período em possíveis situações de atraso nas gravações, teria evitado todos esses problemas. “Não pensar de uma maneira mais ampla, prevendo vários cenários e possibilidades, pode acarretar sérios prejuízos legais para as partes envolvidas”, garante Paulo Cruz.

Por isso, é fundamental consultar um especialista em Contratos desde o momento em que se iniciam as negociações, para se proteger e garantir que todas as informações necessárias serão devidamente registradas, com a finalidade de evitar futuros problemas.

Foto de capa: Camila Queiroz / Instagram

Por Bruno Piai