Apesar das denúncias de assédio sexual de funcionárias da Caixa Econômica Federal contra o ex-presidente da instituição, Pedro Guimarães, estarem em evidência na mídia e sob investigação do Ministério Público Federal, a polêmica em questão é apenas a ponta do iceberg referente ao assunto na administração federal.

De acordo com dados da Controladoria-Geral da União cedidos ao jornal Folha de S. Paulo, dos 905 processos abertos para apurar casos de assédio sexual em esfera pública, 65,7% dos concluídos terminaram sem qualquer tipo de punição ao agressor. Nos processos em que houve algum tipo de penalidade, 95 resultaram em demissão, 90 em suspensão e 41 em advertência. Somente no ano passado, ao menos um caso por dia foi registrado, segundo a CGU.

No caso da Caixa, as vítimas denunciaram, ainda, que o ex-vice presidente do banco, Celso Leonardo Barbosa, tinha ciência dos casos de assédio no local e os acobertavam. As vítimas não denunciaram o abuso diretamente pelo canal de denúncias da empresa por temor de retaliações. Já os acusados manifestaram inocência.

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Casos de assédio sexual crescem e mulheres são as maiores vítimas

Entre janeiro de 2015 e julho de 2021, mais de 27,3 mil casos de assédio sexual no trabalho foram registrados. O primeiro semestre do ano passado registrou a abertura de 1.477 processos, um aumento de 21% em relação aos seis meses iniciais de 2020.

Segundo um levantamento recente feito pela Mindsight com mais de 11 mil respondentes (envolvendo homens, mulheres e não-binários), o público feminino é quem mais enfrenta situações de assédio sexual no mundo corporativo. 15,4% das mulheres relataram terem sido vítimas e somente 3% denunciaram. Entre os homens, 5,3% disseram ter passado por algum tipo de abuso de cunho sexual e 1,2% denunciaram. Os dados mostram que as mulheres sofrem três vezes mais assédio sexual que os homens.

Em relação ao perfil dos assediadores, 76% dos respondentes alegaram terem sido assediados sexualmente por homens e 24% por mulheres. Assim como no caso da Caixa Econômica Federal, segundo o relatório, o medo de uma eventual punição é o maior desmotivador para que as denúncias sejam realizadas. O levantamento mostra que 65% das empresas não possuem um local ou mecanismo seguro para que as vítimas denunciem os agressores.

Outro registro importante a ser destacado e que reforça o quanto as mulheres são, em quantidade, quem mais sofrem com o assédio sexual no trabalho é o do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Informações do órgão mostram que o Brasil registra sete casos do gênero por dia, sendo que em 90% das situações a vítima é do sexo feminino. No recorte feito por um estudo do LinkedIn com a Think Eva, as mulheres negras (52%) e as que recebem até dois salários mínimos (49%) encabeçam a lista das principais vítimas dos assediadores em âmbito corporativo.

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O que configura o assédio sexual?

De acordo com Leonardo Pantaleão, advogado, professor e especialista em Direito Penal, é válido pontuar que um outro mal envolvido junto ao assédio sexual é a importunação sexual. Ele explica que apesar das diferenças entre os dois delitos, ambos devem ser prontamente denunciados pela vítima aos órgãos de execução penal.

Sobre a importunação sexual, o especialista pontua que “trata-se do ato libidinoso, atentatório ao pudor, lascivo, em desfavor de alguém. Neste crime, qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo: é um crime comum. A vítima, que é o sujeito passivo, também pode ser qualquer pessoa”.

Já no caso do assédio sexual, a hierarquia de funções está envolvida. “Já este crime só pode ser praticado pelo superior hierárquico da vítima, ou por quem tem ascendência a ela em uma relação de emprego, cargo ou função, com o intuito de obter uma vantagem sexual, mas sem emprego de violência ou grave ameaça. Em outras palavras: a vítima só pode ser alguém que está subordinado ao autor do crime. Outro detalhe: o assédio sexual tem de ser cometido no ambiente de trabalho ou em um local que tiver conexão com o esse ambiente”, salienta.

O advogado e especialista em Direito Administrativo e sócio do escritório Lara Martins Advogados, Rafael Arruda reitera que “no assédio sexual, há constrangimento a alguém — mediante palavras, gestos ou atos — com o fim de obter vantagem ou favorecimento sexual, com atos de perseguição e importunação, prevalecendo-se o assediador, na maioria das vezes, de sua condição de superior hierárquico”.

Pantaleão esclarece também que enquanto o crime de importunação sexual tem uma pena de reclusão de 1 a 5 anos, a detenção para os casos de assédio sexual é menor, sendo ela de 1 a 2 anos.

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Como as empresas podem lidar com o problema?

O empregador tem a obrigação de manter um ambiente de trabalho seguro aos colaboradores. Por lei, danos físicos ou mentais sofridos no espaço de trabalho podem levar o empregador a responder civilmente. Portanto, é fundamental que as empresas desenvolvam estratégias para prevenir e combater eventuais casos de assédio sexual em suas dependências.

Para Bruno Martins, CEO da Trilha Carreira, algumas iniciativas que podem ser adotadas são: “Implantação de políticas de comunicação que esclareçam o que é assédio sexual para que a equipe possa saber identificar o comportamento inadequado; implementação de ações rigorosas para apuração do ocorrido; garantia de penalidade para os envolvidos; garantia de manutenção do sigilo para evitar represálias; realização de treinamentos e cursos para sobre o assunto para todos os funcionários; e inclusão das normas sobre assédio sexual no código de ética e conduta das empresas”.

O executivo reforça que o departamento de Recursos Humanos deve ser capacitado para lidar com situações do gênero e que um canal de denúncias eficiente deve ser criado. Contudo, para que o canal não gere desconfiança como no caso da Caixa, Agnaldo de Souza, especialista em Gestão de Pessoas com mais de 20 anos de atuação em departamento pessoal e RH, destaca algumas regras a serem seguidas.

“O canal de denúncia precisa prezar pela confiabilidade e pelo sigilo absoluto. Ele não tem nenhum propósito se após uma denúncia ser feita o denunciante sofrer algum tipo de represália ou ser exposto. Considerando que o assédio parte de uma pessoa em posição hierárquica superior, é natural que haja o temor em utilizar um canal interno. Para quem vai a denúncia? Por isso, o compliance precisa construir um canal forte, ético e justo, que de fato incentive as pessoas a usá-lo quando necessário oferecendo a elas a devida segurança”, diz.

Advogado e especialista em Direito do Trabalho, Rafael Lara Martins, sócio do Lara Martins Advogados, é taxativo. “A gente tem de levar muito a sério as denúncias sobre assédio, um crime que tem estado cada vez mais presente em todas as instâncias e merece sempre investigação – tanto para identificar, quanto para punir.”

Ele observa, porém, que os gestores devem “ter sempre o cuidado de não condenar previamente aqueles que são acusados de assédio, nem duvidar da vítima”. “A presunção da inocência deve, sim, ser respeitada: é uma linha muito fina entre punir amplamente e não duvidar da vítima, mas investigar a veracidade dos fatos”, finaliza.

Por Bruno Piai