Por mais que diversas pesquisas realizadas ao longo da pandemia tenham mostrado que o home office é uma tendência que, no geral, agradou os colaboradores e despertou o desejo para que seja mantido após o período pandêmico, outras revelaram que os gestores não são unânimes quando o assunto é ser favorável ao trabalho a distância.
Os motivos para o modelo remoto não cair nas graças de muitos líderes são vários. Eles vão desde a segurança – segundo o Índice de Gerenciamento de Acesso de 2021, da Thales, 90% dos executivos estão preocupados com os riscos facilitados pelo home office – até a dificuldade de adaptação e o choque imposto à cultura organizacional – nos EUA, de acordo com pesquisa da Society for Human Resource Management, 72% dos líderes de equipes remotas gostariam que seu time estivesse no escritório.
O fato é que, em meio a gostos e desgostos, o trabalho remoto não só mostrou que fará parte do pós-pandemia, como também quebrou barreiras geográficas. A dinâmica profissional a distância abriu portas para empresas poderem investir na contratação de pessoas de outras cidades, estados e até mesmo países. Para isso, porém, gestores precisaram se adaptar, especialmente aqueles em posição global.
Quem se acostumou a realizar viagens de negócios, hoje, precisa mostrar domínio em plataformas de conversa e lidar com os diferentes fusos horários para conduzir uma liderança que se estende por diferentes países. É o caso, por exemplo, dos “in-patriados”, os executivos que assumiram posições regionais ou globais dentro das empresas, mas sem precisar mudar de país e passar por uma consequente transformação em seu estilo de vida e no de sua família. Mas será que este “novo normal” está funcionando?
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Processo de adaptação
Segundo o Diretor Global de Serviços de Processamento para Categorias Alimentícias da Tetra Pak, Edison Kubo, a pandemia foi um período de mudanças de organização e reestruturação para muitos negócios, o que inclui a Tetra Pak. O executivo, que desde 2006 faz parte da companhia, assumiu sua atual posição em janeiro deste ano e precisou moldar seu estilo de trabalho ao gerenciamento a distância, uma vez que desempenha do Brasil o seu escopo global. “Há pessoas que contratei durante a pandemia que, ainda hoje, não conheci presencialmente”.
Para ele, por mais que a pandemia tenha sido – e continua sendo – um período tão intenso e negativo à sociedade, ao mesmo tempo ela trouxe importantes aprendizados para organizações e gestores. Kubo destaca que, se não tivesse vivenciado a crise da Covid-19, “estaria pensando ainda na forma antiga de trabalho [para fazer a gestão de um time global]. Porém, recentemente, precisamos recrutar 11 gerentes ao redor do mundo e todo o processo foi feito virtualmente. Esse modelo [a distância] acabou sendo aplicado de forma mais acelerada do que nunca”.
Na opinião do Diretor de Processos, “não será mais possível voltar ao modelo de antes”. Ou seja, tanto a Tetra Pak quanto o mercado como um todo, dentro de sua realidade e possibilidade, não podem ignorar o impacto do trabalho remoto. Contudo, sendo um “in-patriado”, desafios batem à porta.
“Quando você está na região das Américas, a diferença de horário chegava a quatro horas, o que permite que seja feito um gerenciamento mais tranquilo. Hoje, em uma posição global, as diferenças chegam, como no caso da Nova Zelândia, a 16 horas. A questão do horário exige que eu faça uma gestão. Há gerentes em diferentes países e preciso me atentar ao horário de cada um deles. É preciso realizar ajustes para não impactar a qualidade de vida”, salienta.
De acordo com Kubo, para fazer a dinâmica funcionar, foi preciso mudar processos dentro da Tetra Pak. Ele explica que, ao assumir uma posição global, o “normal” seria uma realocação à Suécia ou outro país da Europa. Em algumas posições, a movimentação física ainda acontece, porém, para outras, a adaptação vem acontecendo.
“A prática é adotada em algumas posições, mas exige pessoas com alto nível de senioridade e com capacidade de fazer uma autogestão. A minha posição, um ano atrás, seria na Europa. Esse modelo que está sendo aplicado é experimental. Se funcionar bem, podemos estender para mais pessoas, pois traz uma série de benefícios para a empresa, já que a realocação tem uma série de custos envolvidos”, diz.
Em um contexto geral, o executivo revela satisfação com a experiência. “As vantagens deste novo modelo de trabalho são muitas, tanto para a vida profissional como para a pessoal. Me articulo melhor com clientes locais, me mantendo próximo da realidade do negócio e do que acontece no dia a dia destes clientes. Pessoalmente, entendo que continuar no meu próprio país contribui para a manutenção de uma rotina, minha e da minha família, o que nos ajuda a preservar o bem-estar e a saúde mental”.
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Novos desafios também para quem já tem o modelo a distância enraizado
Para Deborah Wanzo, trabalhar a distância não é uma novidade. Antes da pandemia, a executiva teve a oportunidade de atuar com – e em – outros países, o que trouxe a ela experiência no processo de gerenciamento de times remotos. Tal experiência a fez realizar, durante a pandemia, uma sociedade ao lado de um empresário israelense que ela ainda não havia conhecido presencialmente. A junção deu início ao processo de crescimento da Tuvis, startup que conecta o WhatsApp à Salesforce.
Deborah assumiu uma posição global na empresa em 2020, mas permanece no Brasil. Tal escolha, aliás, foi fundamental para que ela pudesse conquistar as metas globais da empresa. Nesse período de expansão da Tuvis, Deborah estava grávida e as vantagens de poder estar baseada no Brasil fizeram a diferença para o equilíbrio entre trabalho, família e, claro, o impacto pandêmico.
“Venho de muitos anos de trabalho remoto. Sempre gostei e valorizei muito [a cultura de home office]. Conheci o Yanir [Calisar, sócio na Tuvis] pelo LinkedIn, ele me escreveu falando sobre um produto que queria lançar no mercado, na América Latina. Começamos o projeto como parceiros, sem nos conhecermos, e conforme fomos vendendo nosso produto, aumentamos o time. As entrevistas com os candidatos e os processos com os clientes foram remotos, pois nascemos na pandemia. Só conheci meu time pessoalmente depois de meses”, compartilha. “Conheci meu sócio quase um ano e meio depois”, acrescenta.
A “in-patriada” deixa claro que o trabalho remoto é parte do DNA da empresa. Há profissionais alocados em diversos estados brasileiros e também ao redor do mundo. “Isso nos permite trazer talentos que não conseguiríamos se somente pensássemos na presença física”.
Além disso, a executiva não abre mão de dar autonomia ao time para que o modelo remoto possa funcionar de forma positiva. “Confiar nas pessoas que você contrata e dar autonomia a elas é o jeito de fazer com que as coisas funcionem. Dentro da cultura de startup, nós brincamos que ‘cada um é o dono de sua lojinha’, então se busca fazer as coisas com excelência e trazendo sempre novas ideias. É preciso ter gente qualificada no time e confiar em seu potencial, estabelecendo uma cultura de união e métricas consistentes entre os times”, elucida.
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Apesar de adaptada à liderança remota, assim como Kubo, Deborah também vivencia desafios ao gerenciar a distância. “A questão do fuso horário é um desafio, mas não acredito que você precise, necessariamente, viajar. Mas quando você faz [viagens] com menos frequência, em momentos mais pontuais, você valoriza mais esse contato pessoal. É desafiador lidar com times multiculturais, mas se aprende muito. Os israelenses, por exemplo, são mais diretos, o que é parte de sua cultura. É necessário saber aproveitar o melhor de cada cultura para determinadas posições”, finaliza.
Por Bruno Piai