O mês de janeiro começou sem surpresas para Rodrigo Alves, assistente administrativo de uma conhecida faculdade brasileira. Aos 28 anos, o paulistano “naturalizou” o convívio com a ansiedade, chegando ao ponto de considerar que “não tenho ansiedade, sou a própria”. Todavia, foi ao final do mês, após o aniversário da cidade de São Paulo, que o jovem teve uma sensação que ainda não havia enfrentado.

Pouco tempo após chegar ao trabalho, Rodrigo começou a respirar mais fundo à medida que sentia o seu coração bater mais forte. Um sentimento de medo se somou a uma seguinte dificuldade para puxar o ar. Aparado pelos colegas, o profissional se sentou no chão, em um canto, começou a suar e se entregou a um sentimento de culpa, tristeza e vergonha conforme, aos poucos, “voltava ao normal”. Rodrigo teve a sua primeira crise de ansiedade.

Descobrir o quão impactante a ansiedade pode ser é algo que muitos brasileiros já sentiram. E não é para menos, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ostenta a nada desejável liderança do ranking de países ansiosos. Ou seja, em nenhuma outra nação os índices de ansiedade são tão altos. Estima-se que, ao todo, quase 19 milhões de brasileiros foram diagnosticados com a enfermidade, que se intensificou durante a pandemia da Covid-19.

A percepção desse quadro entre os brasileiros está cada vez maior e a busca por esse tema no país lidera o ranking das pesquisas, representando 20,1%. É o que revela o “Report Anual da Saúde Mental dos Brasileiros”, relatório quantitativo detalhado com dados extraídos da plataforma Psicologia Viva, empresa de saúde mental da América Latina e integrante do Grupo Conexa, em parceria com a Eurofarma.

Entre junho de 2020 e junho de 2021, foram avaliados mais de 84 mil registros distintos de pacientes, associados a aproximadamente 925 mil agendamentos de teleconsultas psicológicas. Além da ansiedade, que lidera as buscas dos pacientes na plataforma com 20,1% de procura, depressão (6,5%), desenvolvimento pessoal (4,93%), psicologia clínica (3,27%) e saúde mental (2,59%) entram no ranking dos 5 temas mais buscados entre todas as faixas etárias. 

Para Fabiano Carrijo, CEO Brasil da Psicologia Viva, esta pesquisa ajuda a entender os principais desafios de cada fase da vida, desde a infância até a terceira idade, e se torna um ponto de partida para que os psicólogos também possam dar uma orientação com ainda mais qualidade e direcionamento aos seus pacientes.  

Assunto ansiedade tem crescimento nas buscas

De acordo com o relatório, as mulheres agendaram mais consultas na plataforma durante o período analisado. Entre os que optaram em informar o gênero (62,5%), 73,8% dos pacientes são do sexo feminino e 26,2% são do sexo masculino. Esses números refletem uma informação de conhecimento popular, de que a mulher, historicamente, busca se cuidar mais. “Ao notar que algo não está bem, seja relacionado à sua saúde física ou mesmo emocional, elas já procuram ajuda, ao contrário dos homens, que acabam relutando mais em buscar um apoio profissional”, comenta Luciene Bandeira, psicóloga e cofundadora da Psicologia Viva.  

Os jovens adultos são os que mais procuram por assistência psicológica on-line. Os da faixa etária entre 21 e 40 anos representam cerca de 40% dos agendamentos de teleconsultas no período, entre os que reportaram a idade. Sobre os temas mais buscados na plataforma por essa faixa de idade, a ansiedade ocupa o primeiro lugar, com 21,3% das pesquisas. Tanto homens quanto mulheres de 15 a 30 anos têm como segundo principal tema de busca o desenvolvimento pessoal, com 6,2% das buscas. Já dos 31 aos 45 anos, o segundo lugar é ocupado pelo tema depressão (6,0%). 

“Uma possível explicação para o desenvolvimento pessoal ser foco das buscas dos jovens talvez seja o ingresso no mercado de trabalho e as questões psicológicas que isso envolve. Já dos 31 ao 45, é preocupante avaliar que a depressão ocupa este lugar, o que pode sugerir uma relação com a Síndrome de Burnout (relacionada ao estresse gerado pelo trabalho excessivo), problemas financeiros ou de relacionamento”, explica Luciene. 

Pais de crianças e adolescentes também se mostram preocupados com a saúde mental de seus filhos, buscando aconselhamento para esse público. Os meninos de 0 a 16 anos agendaram mais atendimentos psicológicos, equivalendo a 5,5% do total de agendamentos por pessoas do sexo masculino no período, em comparação com as meninas na mesma faixa etária (2,7% dos agendamentos por pessoas do sexo feminino). “A literatura especializada sugere algumas possíveis explicações para o caso. A prevalência de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) em meninos é de 14%, por exemplo, contra apenas 6,3% nas meninas. O autismo também é mais prevalente nos garotos, cerca de 4,3 vezes mais”, conta a psicóloga. 

É importante destacar que pessoas acima dos 80 anos, que geralmente não têm familiaridade com as novas tecnologias, representam 0,35% do total, aproximadamente dois mil agendamentos de consultas psicológicas on-line, o que não deixa de ser um número expressivo. Entre os temas mais buscados por homens e mulheres acima dos 60 anos está “acompanhamento psicológico de idosos” (22% mulheres e 18% homens), seguido de ansiedade e depressão. “É interessante notar que este público está em busca de ajuda através da tecnologia, pois é uma fase da vida em que muitos já perderam membros importantes da família, sentem os impactos da idade, ou podem se sentir sozinhos”, pontua Luciene. 

Veja mais: Impacto da pandemia aumenta a ansiedade de líderes e liderados

Quando a ansiedade chega ao trabalho

Segundo um relatório da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), 52% dos trabalhadores brasileiros alegam se sentirem ansiosos no local de trabalho. Além disso, em ambiente empresarial 47% se sentem frequentemente cansados, 22% desanimados e 21% alegam sentir frustração. Para o psicólogo clínico Gustavo Sousa, é preocupante notar como, em muitas circunstâncias, a ansiedade não é encarada como um problema que precisa ser combatido.

“Não pode, em nenhuma hipótese, ser naturalizado um estudo que revela que mais da metade dos profissionais se sentem ansiosos durante o trabalho. Há um estigma de que a ansiedade é normal, é uma enfermidade leve e que pouco faz mal, enquanto a depressão é com o que devemos nos preocupar. Mas não é bem assim. A ansiedade, quando frequente, pode prejudicar o desenvolvimento social do indivíduo, afetar sua autoestima, fazê-lo tomar decisões erradas, atrapalhar sua rotina no trabalho e, a curto, médio ou longo prazo pode catalisar crises e ser o pontapé inicial para uma depressão, um Burnout e outras doenças e transtornos. Muitas pessoas não têm a dimensão do quanto a ansiedade pode ser perigosa”, destaca.

De acordo com David Braga (foto abaixo), CEO da Prime Talent Executive Search, é um bom sinal o fato das pessoas estarem perdendo a vergonha de reconhecer que estão com algum transtorno mental, como a ansiedade. Deste modo, elas se sentem estimuladas a mudar de hábitos e entendem que ser workaholic ou viver uma vida sem equilíbrio entre trabalho e rotina pessoal pode agravar o seu quadro.

“Se o trabalho é sinônimo de estresse, talvez seja a hora de rever a rotina. Afinal, além das adaptações que fizemos nos últimos dois anos devido à pandemia – atuando nos modelos híbrido, presencial ou home office -, novas competências e habilidades necessitaram ser aprimoradas. Não foram apenas os líderes que precisaram aperfeiçoar a gestão à distância, mas também colaboradores, com mais autonomia, menos controle e mais autogerenciamento”, diz.

David Braga fala sobre como ansiedade e estresse prejudicam os profissionais

Para o executivo, que é conselheiro de administração e professor convidado pela Fundação Dom Cabral (FDC), além de conselheiro de administração da Associação Brasileira de Recursos Humanos de Minas Gerais (ABRH-MG), é fundamental estar atento a não criar ou manter a cultura do “tudo para ontem”, do emergencial o tempo inteiro, uma vez que esse tipo de ambiente gera estresse, fica tóxico, adoece as pessoas, e acaba criando o sentimento de incompetência ou de incapacidade.

“Vários são os motivos para você ter um burnout: lideranças abusivas, longas horas de trabalho, metas intangíveis, falta de clareza sobre os objetivos de sua posição e do plano estratégico, e até mesmo isolamento e falta de integração entre os membros da equipe. O que temos vivenciado devido à Covid-19 coloca ainda mais luz sobre os reflexos da estafa mental”, alerta Braga, lembrando que perda de entusiasmo e brilho nos olhos, apatia, baixo sentimento de realização, sonolência, irritabilidade, dificuldades de concentração e até dores musculares são alguns dos inúmeros reflexos ocasionados pelo burnout. Ou seja, um adoecimento completo.

Diante desse cenário, para ajudar a lidar com a ansiedade, o burnout e outras enfermidades que podem se fortalecer no trabalho, o especialista sugere uma reflexão aos líderes e gestores: “Até que ponto as cobranças excessivas são saudáveis ou, de fato, promovem resultados? Recebemos a todo momento, uma enxurrada de informações, de inúmeras fontes, e estamos sempre conectados, por meio de smartphones, computadores ou tablets, nos sendo cobradas respostas ágeis a todo momento. É essencial e prudente pararmos e analisarmos em que ritmo estamos, para não adoecermos mental e fisicamente e, com isso, impactar nossa produtividade”.

Gustavo Sousa acrescenta que os gestores devem estar prontos para ouvir o que os seus colaboradores têm a dizer, criando, assim, um canal seguro de comunicação para que doenças mentais sejam um assunto a ser tratado com responsabilidade e com a devida atenção, e não como um assunto tabu. O psicólogo recomenda que haja diálogo e transparência nas relações e também que a empresa seja flexível para tratar do problema.

“O ideal em casos de ansiedade, de crise de ansiedade e afins é que a pessoa diagnosticada busque ajuda de um psicólogo ou de um psiquiatra. As empresas podem ajudar nesse sentido, oferecendo um convênio, ajudando a arcar com custos de tratamento e até mesmo auxiliando na procura por bons profissionais. Além disso, os gestores podem buscar treinamentos que apoiem os seus colaboradores no fortalecimento de sua inteligência emocional. É extremamente fundamental que o profissional se sinta acolhido”, salienta.


Desde o dia 1º de janeiro deste ano, a síndrome de Burnout passou a ser reconhecida pela OMS como uma doença ocupacional. Portanto, as empresas devem se atentar ainda mais à prevenção e aos cuidados. Mas, será que elas estão prontas para isso? Confira o que a Head de People na Pipo Saúde, Marcela Ziliotto, e o Diretor de RH da Ticket, José Ricardo Amaro, têm a dizer sobre no podcast Vem Pra Luz. Acesse o player abaixo ou, se preferir, clique aqui.


Outras dicas para amenizar os sintomas e impactos da ansiedade

Um dos maiores desafios dos departamentos de recursos humanos e das lideranças das empresas é saber identificar quando um colaborador está com algum sintoma. Para isso, é muito importante prestar atenção à recorrência de sensações como: dificuldade de concentração, medo constante das coisas darem errado, fadiga, irritabilidade, tonturas, náuseas, palpitações cardíacas, sudorese, tensão muscular, falta de ar, dores de cabeça e boca seca.

“A ansiedade tem como característica principal um estado de preocupação constante, que se manifesta por meio de sintomas físicos e psíquicos, podendo comprometer a qualidade do sono e o bem estar da pessoa de uma forma geral. Níveis elevados de ansiedade podem trazer prejuízos funcionais a todas as áreas da vida do indivíduo, afetando desde seus relacionamentos até o trabalho”, afirma Luciene Bandeira.

Veja mais: Os direitos trabalhistas de quem tem depressão, burnout ou ansiedade

Pensando nisso, o Gympass, plataforma de bem-estar corporativo, listou algumas práticas que podem ajudar a controlar melhor a ansiedade no dia a dia de trabalho. São elas:

1. Mova seu corpo

Estar atento a como o movimento o faz sentir e aos efeitos positivos dos hormônios liberados pode fazer muita diferença na maneira como você trabalha. Por isso, faça pausas: levante, respire, beba uma água, vá ao banheiro. Quando você faz uma pausa, seja porque está na hora ou porque você simplesmente sente necessidade, passe alguns minutos prestando atenção ao que está se passando pela sua mente e o que você sente.

2. Seja autoconsciente

Entenda quais são os gatilhos que geram ansiedade: mesmo que eles não possam ser eliminados de uma hora pra outra, conhecer e compreender essas razões ajuda a descobrir como agir e seguir em frente.

Autoconsciência é importante para lidar melhor com a ansiedade

3. Tire folgas

Pesquisas mostram como pausas regulares são vitais para sua saúde mental, por isso, é muito valioso tirar um tempo para se distrair e reiniciar. Além de ajudar na sua saúde mental, essas pausas proporcionam mais tempo para refletir e ter autoconsciência.

4. Meditação Mindfulness (Atenção Plena)

Como uma característica marcante da ansiedade é a preocupação excessiva com o futuro, a meditação Mindfulness, ou de Atenção Plena, é uma das formas mais eficazes para controlar este quadro. 

“Isto porque são técnicas com foco em vivenciar o momento presente, seja no trabalho ou na vida pessoal, trazendo a mente para o aqui e agora. Apesar de ser originada de filosofias orientais, inúmeros estudos médicos e científicos já foram publicados comprovando seus benefícios não apenas para redução de ansiedade, mas também para melhoria de foco e produtividade no trabalho”, finaliza Rodrigo Roncaglio, CEO do Guia da Alma, plataforma de terapias holísticas parceira do Gympass.

Por Bruno Piai