O profissional brasileiro não deixa dúvidas em relação a qual é o modelo de trabalho de sua preferência. Assim como em diversas pesquisas realizadas durante e após o período de pandemia, um estudo recente do Google Workspace com a consultoria IDC Brasil só reforça que a jornada híbrida já é a queridinha do país. Enquanto 56% dos 1.258 respondentes já trabalham com a mescla entre o presencial e o home – ou anywhereoffice, 73% daqueles que vivem tal realidade acreditam que não há opção melhor de dinâmica para o seu dia a dia.

O modelo híbrido caiu tanto nas graças a ponto de ser um diferencial para atrair talentos, O levantamento revela que para 36% dos entrevistados a modalidade é fundamental para tornar uma vaga de emprego atrativa. Somente um bom pacote de remuneração e benefícios foi mais citado – 38%.

Diante dos dados, é inegável que o hibridismo na rotina corporativa chegou para ficar. Antes experimental, hoje assume um espaço definitivo em organizações de todos os portes. Todavia, por ser um modelo cuja força se estabeleceu no período final da pandemia – o que o torna recente na cultura profissional brasileira -, ainda há adaptações a serem realizadas para que o seu potencial seja, de fato, agregador e não um novo problema para gestores e empregados enfrentarem.

“Os resultados de pesquisa sempre contribuem, mas não podem ser lidos sob uma única perspectiva. Estudos mais orientados, que tratam sobre questões como o trânsito ou como a modelagem do nosso dia a dia, sempre terão respostas favoráveis aos trabalhos remoto e híbrido. Se você analisar, porém, pesquisas que entram no mérito do quanto uma pessoa sente falta do contato diário com seus pares de trabalho, por exemplo, a tendência é de que as pessoas também votem ‘sim’. A primeira conclusão a qual chegamos é que as pessoas querem ficar em casa, mas também precisam de contato. E pode ser muito difícil ter esse equilíbrio”, salienta Hélio Sá, CEO da Studio 365, startup premiada como Microsoft Partner of the Year Latam.

Na visão do executivo, é necessário colocar na balança não apenas as questões pessoais – e profissionais – do trabalhador, mas também as perspectivas do negócio no momento em que o trabalho híbrido é planejado dentro de uma organização. Para ele, o RH tem o desafio de, ao lado da liderança e da gestão, identificar que o hibridismo não possui apenas pontos fortes e de total adesão, como também gaps que precisam ser trabalhados para que a dinâmica seja funcional e não apenas uma moda.

Há, inclusive, a questão da inclusão envolvida. Você não pode tomar decisões sem levar em consideração o lado pessoal de cada um. De novo, para o sim e para o não, sou contrário a políticas impositivas. Políticas de liberdade permitem que cada indivíduo se adapte. Há planejamentos que definem em quais dias o colaborador estará ou não presencial, o que por um lado é uma tentativa de padronizar, mas por outro estamos deixando de fora aquele profissional que não tem a possibilidade de atuar de casa ou que não consegue mais ir para o escritório, pois a vida nos últimos anos mudou muito. As respostas para isso são muito mais complexas do que simplesmente definir como deve ser a divisão do trabalho híbrido”, destaca o CEO.

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Paradoxo da produtividade

De acordo com a consultora corporativa Lia Chagas, apesar do trabalho híbrido ganhar cada vez mais força, ele ainda esbarra em um ponto que precisa se transformar para que sua efetividade seja crescente: a cultura da empresa. Ela afirma que não basta aplicar o modelo, sendo necessário reavaliar políticas internas e práticas que eram comuns no molde unicamente presencial.

“É muito ousado a gente acreditar que qualquer modelo de trabalho será perfeito. O presencial nunca foi, o home office também não é e não será o híbrido que adquirirá tal status. O grande porém é que alguns vícios começam a ser construídos e precisam ser combatidos desde já, para que assim não se tornem uma característica natural do hibridismo quando ele se estabilizar para valer nas empresas brasileiras. Líderes pecam pelo excesso de reuniões, pois ainda não aprenderam a liderar a distância. Colaboradores se sentem mais produtivos, mas aumentaram sua carga horária. Comando e controle tendem a ser mais incômodos, afinal ninguém quer ser vigiado pela câmera do computador. Há, ainda, um cenário de aprendizagem com mudanças que precisam ser realizadas”, diz ela.

Alguns dados que corroboram a fala da consultora expõem tais dificuldades. Um levantamento da consultoria Betania Tanure Associados – BTA –  revela que o maior desafio atual das lideranças é conseguir gerir o seu tempo. Somente 39% do expediente dos chefes é, de fato, destinado a ações que, segundo os próprios, agregam valor. Os outros 61% do tempo da rotina dos líderes são destinados a responder e-mails e mensagens, participar de reuniões e lidar com burocracias que, eles afirmam que poderiam ser conduzidas de forma bem mais prática.

Já em relação à produtividade, um dos maiores dilemas do colaborador nos dias de home office é o de provar que está trabalhando. Mesmo que se sintam mais produtivos, estão sob a pressão de ter que mostrar isso ao gestor durante todo o tempo.

Ingressos Top of Mind

Segundo levantamento realizado pela Fhinck, a partir de uma base que reúne 8 mil profissionais de grandes empresas que atuam no Brasil – entrevistados  entre junho de 2020 e maio de 2022 -, aumentou em 85% o tempo que os funcionários têm passado em frente à tela trabalhando, e, a jornada de trabalho, por sua vez, passou para cerca de 60 horas semanais, um acréscimo de 6,7% em relação ao período anterior à pandemia.

Enquanto a maioria dos funcionários relata mais tempo de dedicação ao trabalho e bom desempenho nas entregas – com provas disso – gestores ainda têm dúvidas sobre a produtividade da equipe, quando estão fora da empresa. Prova disso são os dados da pesquisa “Hybrid work is just work“, divulgada recentemente pela Microsoft, que revela que 85% dos líderes dizem que a mudança para o trabalho híbrido tornou desafiador no que se refere à confiança, pois ainda há um tabu sobre rendimento a distância, sem supervisão.

“Considerando o fator histórico, se falamos sobre a Revolução Industrial, que gerou a forma como trabalhamos, estamos considerando décadas de adaptação, não meses. O trabalho híbrido não tem três anos, ele ainda vai completar o seu primeiro. Na pandemia não houve trabalho híbrido, foi um período de sobrevivência e não de adaptação. Agora começamos a compreender tal trabalho. Por esse pequeno tempo, ainda é difícil entender todas as perspectivas do modelo híbrido. A função que tem o maior gap e que precisa se entender nessa nova etapa corporativa é a liderança”, pontua Sá.

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O executivo levanta que, uma vez que tem o papel de facilitar a adaptação para os colaboradores, a liderança precisa se engajar para melhor se adaptar ao hibridismo. “Como eu vou ensinar alguém a andar de bicicleta se eu mesmo não sei andar?”, questiona. Para o CEO da Studio 365, a média gerência é um perfil que precisa de atenção, pois ao mesmo tempo que necessita ter velocidade para se reciclar – pessoal e profissionalmente -, ela tem a missão de ajudar a equipe, com sensibilidade e empatia, para desenvolver a estratégia por trás do trabalho híbrido.

“Líderes, em geral, precisam de ajuda. Invariavelmente, também tem a questão da transformação cultural, o que varia a cada empresa. Em alguns casos a liderança é a faixa profissional mais resistente a mudanças. Nem sempre é simples mudar a rotina de um gerente que há décadas faz a mesma coisa. Tivemos mais de dois anos de pandemia, o que gerou medo e deixou muitas pessoas duplamente resistentes a mudar, e mesmo com tudo isso o líder precisa acelerar esse processo de transformação para apoiar sua equipe. O RH tem que ter um foco especial na transformação da liderança”, elucida.

Hélio Sá deixa claro que a liderança sem apoio da alta gestão ou de um trabalho efetivo de recursos humanos não pode ser ‘vilanizada’ ao ter dificuldades em acelerar mudanças corporativas. Isso vale não apenas para novas dinâmicas trabalhistas, como também para outros assuntos em pauta, como a transformação digital.

Hélio Sá, CEO da Studio 365

Hélio Sá, CEO da Studio 365

“O líder tem como perspectiva a organização da equipe. Quando isso era no modelo presencial, as coisas aconteciam com certa fluidez. No trabalho a distância, é o inverso, pois a organização de rituais e o balanceamento disso, até para que as reuniões não tomem conta da semana inteira, são mais desafiadores. É preciso aprender a se organizar no trabalho híbrido. A falta disso e um fluxo problemático de comunicação levam as pessoas a trabalharem muito mais. E nisso, há dois extremos: ou me comunico em excesso ou falta comunicação. Não adianta eu ir para o escritório para passar o dia nele fazendo reuniões a distância”, traz.

Na opinião do empresário, ferramentas como o Microsoft Teams facilitam a rotina, sendo um hub que empodera o colaborador e permite o contato direto e o compartilhamento de informações entre gestores e equipes, além de ajudar nas orientações diárias do escopo do trabalho. Mesmo assim, as ferramentas precisam estar alinhadas ao fator humano. “A tecnologia não fará milagre. Mas como meio, ela é essencial nessa nova organização de formato de trabalho”, finaliza.

Por Bruno Piai