No início do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou como válido um acordo coletivo de trabalho que diminui direitos trabalhistas. No caso em questão, segundo informações do portal de notícias G1, a Justiça deu procedência à ação da Mineração Serra Grande S.A., de Goiás, que questionava decisão anterior favorável ao pagamento de horas de trajeto (in itinere) em veículo oferecido pela própria empresa.
Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes foi favorável ao recurso da empresa. Acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques, ele ressaltou que a jurisprudência do STF reconhece a validade de acordo ou norma coletiva que reduza direitos trabalhistas. Mendes pontuou, todavia, a necessidade de ser respeitada de forma civilizatória o mínimo de direitos fundamentais trabalhistas.
Em artigo, o presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/PE, André Barreto, explicou que, em resumo, a decisão justifica que “as normas de acordos e convenções coletivas de trabalho podem limitar, restringir ou afastar direitos trabalhistas, à exceção de direitos assegurados pela Constituição Federal, tidos como indisponíveis”.
Porém, segundo o especialista, a decisão enfraquece a operação sindical, que já foi impactada pela Reforma Trabalhista de 2017 – que, no caso, abriu brechas para negociações diretas entre empregados e empregadores. Barreto alerta que as atuais legislações praticamente “apagam os sindicatos do mapa” e que na negociação entre o empregador e o colaborador não há igualdade de poderes, argumentos também destacados pela ministra Rosa Weber, que presidiu a sessão e se manifestou contrária à ação da mineradora.
Quem também divergiu da maioria dos ministros foi Luiz Edson Fachin, que afirmou que acordos ou convenções que reduzem direitos estão ferindo artigos da Constituição Federal, segundo informações do Conjur. “Entendo que o imperativo de efetividade desses direitos sucede um dever de não regressividade, a demandar que medidas de restrição a seu exercício se dê sob justificação concernente a totalidade de direitos sociais, econômicos e culturais em atenção a um patamar civilizatório mínimo que está na própria Constituição”, salientou.
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Negociações representam risco para o empregado?
Para o advogado especializado em Direito do Trabalho, Jonas de Souza, em muitos casos, sim. Referente à decisão judicial que envolve o caso da mineradora de Goiás, ele pontua que pode ter sido aberto um precedente para que haja um retrocesso na garantia dos direitos trabalhistas.
“Não é inconstitucional que uma norma ou convenção coletiva tenha prevalência do que é negociado em relação ao que está em lei, porém, em um cenário no qual o desemprego é alto e a informalidade cresce cada vez mais, julgar como válido um acordo que diminui direitos trabalhistas é um retrocesso, especialmente porque não estamos falando de um caso único, mas de milhares que serão embasados pela decisão do TST”, explica.
Em relação a acordos individuais, Souza elucida que, por mais que na teoria a possibilidade de negociar com o patrão possa fazer parecer que o colaborador está, de algum modo, no controle, “o que ocorre na prática pode ser um regresso em relação ao trabalho dos sindicatos, principalmente quando os empregados não conhecem seus direitos trabalhistas e podem acabar se submetendo a contratos que firam seus direitos”.
Em maio, a Reforma Trabalhista completou quatro anos e meio. Aprovada pelo ex-presidente Michel Temer, até hoje ela divide opiniões e causa polêmica. Com o assunto em pauta para as eleições de 2022, fica o questionamento: o legado da reforma é ou não positivo? É sobre isso que a sócia do escritório Mauro Menezes 7 Advogados, Cíntia Fernandes, falou ao RH Pra Você Cast. Confira o papo no player abaixo ou clicando aqui.
O artigo 444 da CLT expressa que “as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. De acordo com o artigo 611-A da CLT, os contratos individuais de trabalho permitem que sejam negociados:
- Jornada de trabalho, desde que não extrapole os limites constitucionais;
- Banco de horas anual;
- Intervalo intrajornada, desde que seja respeitado um mínimo de 30 minutos em jornadas diárias superiores a seis horas de trabalho;
- Plano de cargos, salários e funções;
- Adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), que auxilia os empregados na manutenção do emprego em momentos de retração econômica;
- Teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente;
- Remuneração por produtividade e gorjetas;
- Troca do dia de feriado;
- Modalidade de registro de jornada de trabalho;
- Regulamento empresarial;
- Representante dos trabalhadores no local de trabalho;
- Enquadramento do grau de insalubridade;
- Prorrogação de jornada em ambientes insalubres;
- Prêmios de incentivo em bens ou serviços;
- Participação nos lucros ou resultados da empresa.
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“Em contrapartida, há direitos que não podem ser negociados, como o salário mínimo, o 13º salário, o depósito e a multa do FGTS, o seguro-desemprego, o adicional de 50% das horas extras, o repouso semanal remunerado, o adicional pago pelo trabalho noturno, o período mínimo de férias e sua remuneração de ⅓, a proteção do salário na forma de lei e o salário-família”, explica Souza.
Além dos itens citados pelo advogado, direitos previstos no artigo 611-B da CLT, o que se não negocia nem mesmo por meio de convenção coletiva com sindicatos envolve:
- Anotações na carteira de trabalho;
- Licença-maternidade e paternidade;
- Aviso prévio proporcional;
- Adicionais de insalubridade e periculosidade;
- Normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
“O Brasil vive um cenário de crise econômica e, segundo projeções, até o final do ano o desemprego deve aumentar. São fatores que tiram o poder de barganha do empregado, principalmente aquele que não conhece seus direitos. E quando a Justiça permite que tais direitos tenham um regresso, o profissional é ainda mais impactado. É complexo falar em respeito a condições humanitárias de trabalho mostrando ao trabalhador que ele pode perder seus direitos e ‘está tudo bem’, quando na verdade não está nada bem. Os acordos precisam ser respeitosos e favoráveis a ambas as partes”, finaliza o advogado.
Por Bruno Piai