Na linha de frente no combate à pandemia do novo coronavírus estão os profissionais de saúde. A contaminação é uma das tantas preocupações trazidas aos hospitais e instituições neste cenário. Todos os desafios e demandas surgem ao mesmo tempo: cuidados com pacientes e colaboradores; prevenção; necessidade por equipamentos de proteção individual; infraestrutura e uma lista que segue extensa.

Como fica e o que mudou na gestão de pessoas de uma instituição de saúde? Para Karen Ramirez, diretora de Pessoas e Cultura Organizacional do Hospital Sírio-Libanês, “é num momento como esse que você coloca à prova toda a gestão que vem desempenhando ao longo do tempo”.

De acordo com a profissional, tudo isso exige uma velocidade na tomada de decisão, visão sistêmica, criatividade e muita resiliência. “Estamos sendo desafiados a tomar decisões rápidas com informações ambíguas, mas se avaliarmos sob uma perspectiva mais otimista a área de gestão de pessoas há anos vem sendo desafiada a compreender melhor a complexidade do cenário VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo) que vivemos”, destaca.

Em entrevista ao RH Pra Você, a executiva do Hospital Sírio-Libanês falou sobre os principais desafios de um complexo de saúde nesta pandemia; quais foram as ações e estratégias criadas; como dar continuidade aos processos de recrutamento, treinamento e desenvolvimento; avanço da telemedicina e qual legado a crise deixará para o sistema de saúde e, mais especificamente, para a área de gestão de pessoas. Teremos um “novo normal”?

RH Pra Você: Quais têm sido os principais desafios de um complexo de saúde neste momento?

A pandemia está exigindo muito de todos nós. Somos uma instituição de saúde muito preocupada com a entrega de valor. Ou seja, para nós, mais do que atender com excelência, precisamos ter a garantia de que os procedimentos realizados sejam pertinentes, que a experiência de nossos pacientes seja a melhor possível, que o desfecho dos tratamento atenda às expectativas esperadas e evidenciadas pela literatura, e que tudo isso seja feito com o uso consciente dos recursos. Durante a pandemia, para que possamos atender nossos pacientes dentro de nossas premissas, precisamos ter uma gestão ainda mais cuidadosa, tanto com relação aos nossos colaboradores quantos aos insumos e infraestrutura. E tem sido bastante desafiador, pois o mundo todo está demandando profissionais qualificados, equipamentos de proteção individual, infraestrutura de equipamentos e instalações; todos ao mesmo tempo. É num momento como esse que você coloca à prova toda a gestão que vem desempenhando ao longo do tempo. Felizmente, temos tido sucesso.

Quais ações e estratégias foram adaptadas e/ou criadas pensando na gestão de pessoas?

Temos um comitê de crise, composto por profissionais de todas as áreas críticas da instituição, que se reúne duas vezes ao dia para avaliar todos os itens essenciais para o atendimento de nossos pacientes. Esse comitê avalia e acompanha também todos os aspectos relativos à gestão de pessoas. Antes de serem profissionais de saúde, nossos colaboradores são cidadãos e também são impactados pela pandemia em seus lares e comunidade. Pensando de forma holística, estruturamos uma série de ações que têm o objetivo de tentar garantir o maior conforto possível neste momento tão sensível que estamos enfrentando. Olhando aspectos mais básicos, oferecemos transporte e vagas de estacionamento para aqueles que estavam enfrentando problemas de deslocamento. Firmamos parceria com hotéis nas proximidades do Complexo da Bela Vista para hospedar colaboradores que enfrentaram problemas em suas casas ou com seus familiares. Do ponto de vista da própria doença, optamos por testar todos os colaboradores com sintomas respiratórios, mesmo que leves, a fim de garantir uma força de trabalho saudável para atender aos pacientes com total segurança. Afastamos da linha de frente as gestantes e os profissionais dos grupos de risco. Reforçamos nossas ações de comunicação interna e de treinamentos para que todos os nossos colaboradores tivessem acesso a conteúdo de qualidade e pertinência para a realização de suas atividades. Colocamos em home office todos os colaboradores cujas atribuições permitem o trabalho à distância. O processo de comunicação se intensificou durante este período, temos lives semanais para garantirmos o alinhamento e o desdobramento das principais informações a todos. Uma das grandes vantagens que temos é podermos realizar o diagnóstico e tratamento dos colaboradores dentro da própria instituição, pelo programa Cuidando de Quem Cuida.

Quais foram os principais cuidados com os colaboradores pensando em diferentes vertentes, a exemplo dos cuidados para evitar o contágio, assim como o olhar para a saúde mental dos profissionais? Houve reformulação de protocolos de segurança frente ao contágio do vírus?

Somos uma instituição de saúde acreditada pela Joint Commission International, desde 2017, e que sempre adotou os mais altos padrões de qualidade e segurança. Até o momento, não enfrentamos nenhum problema relativo ao fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), que sabemos que tem sido um desafio especial para muitas instituições em todo o mundo. Nossa Comissão de Controle de Infecção Hospitalar treinou todas as equipes assistenciais e de apoio na paramentação e desparamentação de EPIs, processos muito críticos, principalmente durante a pandemia. Também concentramos nossas atenções à saúde mental de nossos colaboradores. Possuímos um programa chamado Cuidado Integral, que reúne ações em três grandes frentes: cuidar-se, cuidar e ser cuidado. Por meio desses programas, reforçamos o apoio psicológico às equipes, a disseminação de conteúdos de autocuidado e encontros virtuais para a discussão da própria COVID-19 e dos desafios do isolamento e distanciamento. Os encontros virtuais são realizados em nossas plataformas internas de comunicação e realizados semanalmente. Procuramos também oferecer momentos de descontração, como músicas nos andares e entrega de chocolates. Além disso a maior parte dos colaboradores das áreas administrativas estão em home office, assim garantimos menor circulação de pessoas, dentro e fora do hospital. Uma outra estratégia adotada foi isolar os andares com pacientes COVID positivo, com restrição de visitas e consequentemente diminuição da circulação. Em todo o complexo estão disponíveis máscaras e álcool em gel para pacientes, acompanhantes e colaboradores, além de contar com uma equipe na linha de frente medindo a temperatura de todos e orientando com relação ao uso adequado da máscara e higienização das mãos antes da entrada ao complexo.  

Provavelmente houve também um aumento de jornada dos profissionais de saúde, correto? Houve algum planejamento pensando nisso?

Algumas equipes foram mais acionadas que outras neste momento. Temos escalas bem estruturadas para que todos possam cumprir seus turnos de trabalho e tenham tempo suficiente de descanso até iniciar a nova jornada.

Houve necessidade de contratação de novos profissionais de saúde? Se sim, poderiam dizer quantos novos profissionais foram contratados?

Reforçamos a nossa equipe com aproximadamente 100 novas contratações. Os principais cargos foram: Técnicos de Enfermagem, Enfermeiros, Fisioterapeutas e Auxiliar de hospedagem.

Como seguir com recrutamento, treinamento e desenvolvimento dos profissionais?

O alto rigor em nosso processo de recrutamento foi mantido e adaptado. As etapas presenciais que envolviam a aplicação de prova, entrevistas técnicas e comportamentais estão sendo realizadas on line por vídeo conferência. Com relação ao treinamento e desenvolvimento, grande parte das capacitações presenciais estão suspensas. Apenas as capacitações assistenciais essenciais estão sendo priorizadas. Adaptamos nosso programa de integração institucional, antes realizado em dois dias presenciais, para um modelo a distância. Desta forma, o novo colaborador tem acesso as informações relevantes antecipadamente, e realiza a etapa presencial de forma mais rápida, em pequenos grupos. Neste momento de acolhimento ele recebe o kit de boas-vindas e esclarece suas dúvidas com nossa equipe. Durante este período intensificamos a divulgação de treinamentos a distância com a ofertas de novos títulos na nossa plataforma de educação.

Karen Ramirez, diretora de Pessoas e Cultura Organizacional do Hospital Sírio-Libanês

Ao longo dessas últimas semanas vimos diferentes iniciativas pensando na humanização, por exemplo: equipes de profissionais da saúde que adaptaram crachás com suas fotos na roupa para que os pacientes pudessem ver seus rostos durante os atendimentos. Além disso, ligações em vídeo têm sido frequentemente utilizadas para aproximar os pacientes de seus familiares. Qual a importância e relevância de atitudes como essa e a importância do RH frente a tudo isso?

Um dos diferenciais de nossa instituição sempre foi o calor humano. Acreditamos muito que a troca de afeto é fundamental para a manutenção e recuperação da saúde. Por isso, principalmente neste momento de alto nível de estresse, procuramos oferecer em nossos canais de comunicação vídeos e mensagens de apoio e reconhecimento. Também estimulamos a troca de mensagens entre todos os colaboradores, criando um ambiente de acolhimento, respeito e preocupação genuína entre todos. Nossos executivos estão próximos, com mensagens de agradecimento e carinho aos colaboradores. Em adição, nossos consultores de gestão de pessoas estão ainda mais próximos das lideranças a fim de identificar áreas e pessoas que estejam necessitando de mais atenção e apoio neste momento. Adicionalmente a equipe de psicólogos oferece atendimento por telefone e WhatsApp.

O cenário de pandemia impulsionou o trabalho a distância.  Essa realidade chegou também à medicina, com a telemedicina. Em sua opinião, essa será uma realidade pós-pandemia?

Os projetos de telemedicina já eram uma realidade dentro do Sírio-Libanês antes da pandemia. Seguindo em nossa missão de contribuir com uma sociedade mais justa e fraterna desenvolvemos e mantemos projetos de telessaúde que levam a experiência e o conhecimento da nossa instituição a várias localidades do país. Num país de dimensões continentais e com tantas diferenças sociais, a telemedicina tem que ser encarada como uma alternativa real tanto de atendimento da população, quando da de conhecimento com profissionais de saúde. Além disso, a telemedicina pode impactar as questões de produtividade, pois evita a perda de tempo em deslocamentos para discussões simples, e também pode ajudar na adesão ao tratamento, com contatos periódicos e de checagem entre profissionais e seus pacientes.

Pensando em uma realidade pós-Coronavírus, qual o legado que essa crise deixará para o sistema de saúde? E, mais especificamente, para a área de gestão de pessoas?

Sem dúvida, estamos vivendo momentos extraordinários, que exigem velocidade na tomada de decisão, visão sistêmica, criatividade e muita resiliência. Estamos sendo desafiados a tomar decisões rápidas com informações ambíguas, mas se avaliarmos sob uma perspectiva mais otimista a área de gestão de pessoas há anos vem sendo desafiada a compreender melhor a complexidade do cenário VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo) que vivemos. Nossa instituição tem em seu DNA a busca incessante pelo conhecimento e pela excelência. Sentimos que este período intensificou nossa essência. A transformação do nosso modelo de trabalho, de gestão e atualização do parque tecnológico já começou. Pesquisas cientificas continuam sendo conduzidas pela nossa instituição, reforçamos nosso apoio ao SUS pelos projetos de responsabilidade social e estamos fortalecendo nossa comunicação cada vez mais com nossas lideranças e colaboradores, para ouvir necessidades e criar alternativas e soluções que possam melhorar a qualidade de vida não somente neste período, mas para sempre! Nosso propósito “Conviver e compartilhar” tem sido vivido cada dia com muita intensidade e tudo o que estamos vivendo neste momento potencializa a necessidade de estarmos juntos e fortes.