O combate ao racismo tem uma ferramenta fundamental e sem a qual não conseguiremos alcançar nosso propósito antirracista: EDUCAÇÃO. Acesso ao ensino de qualidade a todos, todas, todes.
É com o desmantelamento da educação e da cultura que o racismo se alimenta e se fortalece. Trago nesta conversa três fatos atuais que ratificam a força da educação na construção e na destruição de nossos ideais.
1º – O poder do negro no Poder
Francia Márquez, mulher, preta, nasceu no distrito de La Toma, no oeste da Colômbia. Advogada formada pela Universidade Santiago de Cali, trabalhou em serviços de casa e foi garimpeira de ouro para custear seus estudos.
Ativista, ela foi reconhecida em 2018 com o prêmio Goldman, considerado o “Nobel do Meio Ambiente”, por lutar contra o garimpo e a mineração na região em que morava.
Francia, que é mãe solo de dois filhos, tem uma história de vida muito ligada ao ativismo social.
Durante a sua campanha, teve como bandeira a criação e manutenção de direitos para mulheres, negros, indígenas, camponeses e para a população LGBTQIA+: “Para mim, ocupar um cargo no Estado não é o fim da trajetória. O fim pra mim é dignificar a vida, é cuidar da vida, é viver em um lugar mais justo e digno para todos. O fim é diminuir a mortalidade negra. Chegar à presidência da Colômbia é um meio, ocupar o Estado é um meio para seguir movendo essa luta que queremos como povo e como humanidade”.
Francia Márquez tem um histórico de vida muito parecido com milhões de mulheres negras (pretas e pardas) com as quais convivemos neste País, mas contou com o diferencial da EDUCAÇÃO.
Em depoimento gravado, disse ela que ouvia: “Política não é para gente como você; O momento não é agora…”
Foram frases como estas que a impulsionaram a não desanimar. Quanto ensinamento ela nos traz! Aos 40 anos de idade, é a primeira mulher negra a ocupar a vice-presidência da Colômbia, eleita em 19 de junho de 2022.
2º – A Mídia Faz e Desfaz a Nossa cabeça?
Trata-se de uma polêmica envolvendo Talitha Morete e a vendedora de cocadas, Dona Silene (incrivelmente sempre mencionada sem o sobrenome), no programa ‘É de Casa’.
O fato aconteceu depois que Talitha, comandante da atração, pediu para que Silene, uma vendedora de cocadas da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, convidada do programa, servisse as cocadas que trouxera às pessoas que estavam presentes no programa.
Silene estava no palco para contar como começou a fazer sucesso ao vender os doces. Ela reproduziu a receita e a apresentadora se levantou, pegou a bandeja com as cocadas e, ao invés dela própria distribuir, pediu para Silene servir.
O que impediu Talitha, dela mesma, servir as pessoas?
Manoel Soares, único negro apresentador do programa, sentiu a necessidade de intervir depois da situação provocada por Talitha, e se ofereceu para distribuir a cocada de Silene, dizendo: “Eu vou ser o seu garçom e você vai me orientar para quem eu vou servir, porque você não vai servir ninguém“.
“Você não vai servir ninguém” soou, para mim, como um grito libertador, uma chamada de atenção, mas Dona Silene não se sentiu ofendida, segundo suas declarações. Talvez não tenha tido tempo suficiente para analisar o fato de maneira mais abrangente, tanto que disse: “Não escrevo para diminuir ou banalizar as dores de ninguém, pois sei que muitos se sentiram machucados com a cena, mas naquele momento eu não tive esse sentimento”.
Talitha recorreu às redes sociais, se desculpou e afirmou que pretende transformar o episódio “em aprendizado e num compromisso de Vigília Antirracista Constante.” Em um dia e meio foram 7.000 comentários em sua rede social, a maioria criticando-a.
Organizações Empresariais – Impactos
Fatos como este podem ser evitados? Sim. As empresas precisam e algumas já estão se antecipando, promovendo imersões em letramento racial. E chamo a atenção que abordagens rápidas não são a melhor solução. Adultos precisam vivenciar as situações para praticar a empatia.
Empresas redigem políticas, códigos, declarações, mas os valores de seus colaboradores foram identificados? Realizar Censo Demográfico, saber quantas e como são as pessoas e não identificar o que pensam e sentem sobre o caleidoscópio da diversidade pouco adianta e, por vezes, embasa a contradição entre discurso e prática.
3º – A Lei de Cotas – Pode acabar?
E se o assunto é educação e antirracismo, não podemos deixar de falar sobre a Lei nº 12.711/2012, a chamada Lei de Cotas, que prevê a reserva de 50% das vagas das universidades e instituições federais de ensino superior a estudantes de escolas públicas.
Essa reserva estipula regras para destinar vagas a alunos de baixa renda, negros (que correspondem à parcela de pretos e pardos), indígenas e com deficiência.
Tal abrangência é pouco citada, pois há verdadeira fixação em focar o privilégio para os negros. Como previsto em seu 7º artigo, a Lei de Cotas tem previsão de ser revisada em agosto de 2022, quando se completam dez anos de sua implementação.
A redação da lei não estabelece como esse processo deve ocorrer, quais critérios obedecer ou qual órgão seria responsável por esta análise! O texto, ainda bem, veda a extinção do programa. Mas, a depender da revisão, a reserva de vagas nas instituições de ensino superior pode sofrer alterações.
Alguns parlamentares e pesquisadores favoráveis às cotas defendem o adiamento do debate para 2023, devido às eleições do segundo semestre de 2022. Após um estudo realizado pela Universidade Zumbi dos Palmares, alguns ativistas e parlamentares reivindicam que a revisão seja adiada em 40 anos, ficando para 2062. O relatório foi criado para dar suporte ao PL nº 3.422/2021.
As discussões para reforma da legislação podem ser iniciadas por qualquer membro do Congresso Nacional, pelo presidente da República, pelo Supremo Tribunal Federal, por tribunais superiores, pelo procurador-geral da República ou pela sociedade civil.
Segundo o levantamento da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), há 67 projetos de lei no Congresso que propõem alteração da Lei de Cotas. Destes, 31 tentam restringir os efeitos da legislação, diminuindo a oferta de vagas.
O ponto que gera maior controvérsia é o teor racial da política pública, ou seja, o direcionamento de vagas para alunos negros ou indígenas. De acordo com alguns desses PLs, retirar a menção às cotas raciais tornaria a lei mais coerente.
Na minha opinião, retirar a menção à raça e a etnia é declarar apoio a manutenção do status quo racista.
Por outro lado, defensores das cotas raciais apontam que há um avanço na educação pública superior, uma vez que as cotas proporcionaram um aumento na diversidade étnico-racial nos cursos de graduação. Em 2018, a proporção de pessoas negras (pretas e pardas) chegou a 50,3%, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Lei de Cotas – Pode acabar?
Não, mas pode sofrer alterações quanto à destinação, baseando-se no discurso negacionista que reduz a existência de desvantagens e privilégios históricos e a redução dos percentuais já firmados desde 2012.
Assim sendo, “é preciso ficar atento e forte” e responder: O que queremos para as futuras gerações?
Por Jorgete Lemos, sócia fundadora da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços – Consultoria. É uma das Colunistas do RH Pra Você. O conteúdo desta coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.