Todo ano a mesma coisa… queima de fogos vistos de longe por uma varanda envidraçada. Tristeza, solidão, sentimentos de uma certa injustiça e talvez de inveja pairavam na nossa personagem principal, energeticamente, vibrando uma certa dúvida em relação ao próximo ano, mas, ao mesmo tempo, um grande desejo de tudo ser diferente.

Como ser diferente se sempre o ano termina igual? Por trás de uma varanda envidraçada?

Desejo ou vontade de ser tudo diferente?

Com licença do leitor, vou deixar a história em suspense, por alguns instantes.

Para quem não sabe a diferença entre desejo e vontade, aqui vai uma breve explicação: DESEJOS são as necessidades do corpo, do instinto.  A VONTADE é uma decisão deliberada, é a ação vitoriosa da mente sobre o corpo.

Parece, então, que no caso da nossa história, até aqui, as repetições configuram mais desejos do que vontade. Pode-se imaginar que, tal qual a nossa personagem principal, muitos dos nossos quereres também não são realizados. Por que?

Eu tenho um palpite!!!!! Tudo que queremos não passa de Desejos, desprovidos da Vontade, que é a grande propulsora da ação, do movimento, ignição para que tudo aconteça.

Freud já dizia que somos seres desejantes, que sempre nos movimentamos em direção ao que queremos. O mais interessante disso é que nem sempre esse movimento é realmente direcionado ao que realmente queremos, apenas transvestido por necessidades advindas do externo.

Um grande amigo, uma vez me falou que, na tentativa de conseguirmos o que queremos, alcançamos outras tantas coisas, mas não necessariamente o que desejamos. É como se fizéssemos um caminho para chegar a um determinado lugar, mas vamos passando por outras tantas distrações, que até alcançamos outros objetivos, mas não o principal.

Nesse momento volta à minha mente uma fala comum da minha mãe…. falta de vontade… então, juntando as pontas, talvez a vontade, ou a falta de, seja a grande causa de todo ano ser a mesma coisa… queima de fogos vistos de longe, de uma varanda envidraçada.

Mas, então, o desejo pode ficar soterrado, gritando, esbravejando na forma de lamúrias e reclamações, mas a vontade, senhora do movimento e das ações, se interpõe e mantem as coisas exatamente no mesmo lugar, sem ação, sem direção, talvez com focos perdidos, indeterminados ou apenas determinados por valores e necessidades sociais.

Necessidades e valores sociais normalmente gritam mais alto, torcem e distorcem a vontade… que passa a ser o que os outros querem ou o que é considerado certo pelos padrões sociais, morais e/ou econômicos.

E isso talvez seja mais cômodo, fácil e mais comum, menos arriscado, menos perigoso, passível de menor julgamento e críticas.

Ótima combinação para manter o já conhecido e sucumbir ao desejo abafado, amordaçado, não reconhecido e não valorizado como algo possível.

Mas vamos voltar à história… a pausa foi grande demais…

Assim, a personagem da nossa história, sentada na mesma varanda, dias antes da virada do ano, lembrou das lágrimas recorrentes dos inúmeros finais de ano.  Definitivamente não queria sofrer mais uma vez, vendo a vida acontecer por detrás de uma vidraça. Conseguiu entender, através de uma dimensão talvez pouco conhecida que, se quisesse um diferente final de ano, teria que fazer algo diverso, interromper o ciclo já conhecido com uma nova ação.

E, assim, armou-se de grande coragem e, sem dar muito tempo para sua vontade matar o desejo, arriscou-se para um novo começo, deixou a velha conhecida varanda, embarcou em um avião e foi para longe, muito longe, talvez permitindo-se tentar, acreditar mais uma vez, viver um pouco mais, aproveitar a vida um pouco mais.

Sem certeza nenhuma se atirou em um imenso desconhecido.

Nesse momento, claro que vozes antigas apareceram na sua mente tentando dissuadi-la… não faça isso, sozinha, para que?

Reconheceu as vozes da sua mãe, protetoras com certeza, mas também limitadoras, ouviu as vozes do presente que lhe falavam para ter um começo diferente, que merecia ser feliz. Ouviu também a voz do medo, da rejeição, do desconhecido, mas, dessa vez, a vontade se uniu ao desejo e, efetivamente voou para longe.

Mais uma paradinha na nossa história, se o leitor me permite…..

Talvez cada um de nós também tenha essas vidraças que nos limitam a visão, mas ao mesmo tempo nos protegem do desconhecido. Por outro lado, também geram frustração ao identificarmos o não alcance dos tais desejos de final de ano.

Mas e, além disso, podemos não atingir alguns objetivos importantes…. profissionais ou pessoais, materiais ou imateriais, emocionais ou mentais, espirituais ou científicos

Voltemos à nossa história. Nossa personagem principal, ao participar para sua viagem, sentia um misto de felicidade, expectativa positiva e certo medo, que a colocava com os pés no chão. Foi repassando durante a viagem todos os conhecimentos obtidos durante seus vários anos de busca pessoal e, entre eles, reconhecia a importância para a resposta às perguntas: por que e para que? E foi reconhecendo a importância e o significado da realização do desejo de simplesmente começar o ano de uma forma diferente, sem vidraças e solidão.

Reconheceu sua força pessoal, sua capacidade de vencer obstáculos, sua flexibilidade e necessidade de contato e de conexão. Pode também entender o que é a capacidade de aprender a aprender, olhando e absorvendo cada novidade vinda do seu interno e do externo.

E assim, a noite do final do ano foi diferente, modesta, simples, profunda, conectada com pessoas diferentes e de bom coração, onde o luar e o frio da noite, brindavam as estrelas com as luzes e os barulhos longínquos dos fogos. No lugar de lágrimas, doces sorrisos, abraços e beijos.

Mas nossa personagem principal sabe que a vida não é um conto de fadas, que os desafios fazem parte de todo caminho e que um novo começo não garante a ausência de dificuldades, nem muito menos riscos de quedas e dores, mas será um novo caminho que permite agradecer a cada noite vivida atrás da vidraça, mas que dá as boas-vindas ao novo dia, com tudo que possa trazer, sempre a partir do significado trazido pelas perguntas: Por que? Para que?

Esse novo começo permitiu à nossa personagem questionar as outras tantas vidraças que possui na vida e agora sabe que pode fazer diferente, porque sabe como encontrar a força.. a força da vontade.

E aprendeu o que já tinha visto e ouvido tantas e tantas vezes…. “se você quer um outro final, faça um começo diferente”.

Profa. Dra. Fátima Motta, Sócia-Diretora da FM Consultores. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.