Após mais de 15 anos atuando na área de gestão de pessoas, é comum associar os assuntos do nosso dia a dia às mais diversas situações, inclusive em momentos de lazer e ao consumir séries, filmes e livros. Não foi diferente com “The Bear”. A terceira temporada do drama saiu recentemente, causando um frenesi na internet que se somou ao recorde de indicações ao Emmy: a série está com 23 indicações ao prêmio.

A trama traz a história do chef Carmen “Carmy” Berzatto (Jeremy Allen White), com trajetória admirada em restaurantes estrelados, que, após a morte de seu irmão, herda a lanchonete da família em Chicago. Ele assume, então, o The Original Beaf e acompanhamos a jornada de empreendedorismo ao transformar o estabelecimento no restaurante The Bear, com o grande objetivo de ganhar uma estrela Michelin.

Personagens complexos, enredo profundo muito bem amarrado, diálogos primorosos e uma fotografia arrebatadora poderiam facilmente ser temas de análises. Mas, o que quero falar aqui hoje, que me chamou a atenção e mudou completamente a narrativa, são os aspectos de liderança e requalificação.

Em primeiro lugar, parece loucura querer transformar uma lanchonete que vende sanduíches em um restaurante renomado que muda o menu diariamente, mantendo a mesma equipe. Para quem vê o caos do The Original Beaf na primeira temporada, é difícil imaginar que os mesmos profissionais estariam atuando no The Bear.

Mas, isso foi possível exatamente porque Carmy apostou em reskiling e upskilling dos funcionários. Vale lembrar que upskilling é quando ensinamos por meio de cursos e treinamentos novas competências para otimizar seu desempenho na área em que já atua, enquanto reskilling, ou requalificação, treinamos para que o profissional assuma uma nova função. O que acontece na série é um reflexo da necessidade do mercado. A pesquisa Future of Jobs (O Futuro dos Empregos) realizada pelo Fórum Econômico Mundial identificou que metade da força de trabalho precisará passar por um processo de requalificação nos próximos cinco anos. Já o estudo do Fórum de Davos com a PwC revela que o investimento na requalificação da mão de obra poderia trazer um ganho no PIB global de 6,5 trilhões de dólares.

Na história, o padeiro Marcus (Lionel Boyce) faz uma imersão em um restaurante em Copenhague, onde aprende novas técnicas de confeitaria e se inspira para criar sobremesas; já a cozinheira Tina (Liza Colón-Zayas), antes tão resistente, vai para escola aprender tudo que precisa para ser uma sous chef, e acaba se apaixonando por todo o processo e os novos métodos; enquanto Richie (Ebon Moss-Bachrach) faz um estágio em um conceituado espaço da cidade para comandar o salão do The Bear e entende não só o poder da dedicação e da organização como também o quanto Carmy enxerga seu potencial e responsabilidade.

O resultado é surpreendente, além de profissionais mais motivados já que a empresa investe em suas carreiras, eles passam a ter as habilidades necessárias para os desafios que virão.

Além disso, The Bear deixa uma importante lição sobre liderança. Se por um lado, Carmy teve líderes que o inspiraram, ensinaram, apontaram os erros para evitar que eles se repetisse e o guiasse nos mais diversos processos para ganhar excelência, por outro ele também viveu abusos, humilhações e assédio moral. Não à toa, ele tem frequentes crises de pânico e estresse e vive em constante conflito onde não quer repetir os erros que viveu. Se há noites em que tudo funciona com maestria, outras são carregadas de atraso e pratos refeitos.

Embora o chef comande o menu e a cozinha, ele ainda não aprendeu a ser um líder. E de fato esse é um desafio muito comum. De acordo com a pesquisa PTGP 2024, o desenvolvimento de lideranças é um problema para 61% das empresas e segundo o estudo realizado pela consultoria Gartner, a prioridade da área de RH este ano é o desenvolvimento de lideranças e gestão.

Veja bem, a visão de negócio de Carmy é muito clara, com processos bem definidos rumo ao reconhecimento mundial, e ele sabe como inspirar as pessoas. Mas, a forma como conduz, ainda falta inteligência emocional, empatia e comunicação, habilidades que fazem a diferença em uma liderança de sucesso. Em contraponto, a chef Syd é uma líder nata, mesmo evitando assumir a posição. Entre um “Sim, Chef” e outro, ela ensina, incentiva, encontra novas soluções, adapta às mudanças e cria um senso de união entre a equipe. Ela está em constante aprendizado e sempre disposta a compartilhar o que sabe para o crescimento da empresa.

Ainda não sabemos se o restaurante The Bear ganhará a tão almejada estrela Michelin. Mas, a série desenha de uma maneira muito clara que formar líderes, capacitar funcionários, cuidar das pessoas e organizar processos com foco em seus objetivos é o caminho para negócios estrelados.

Daniel Spolaor, sócio e CEO da Korú. Cofundador e CEO da Universidade Corporativa Korú. Se dedica a gerar empregabilidade combinando ferramentas de HRTechs e Edtechs. um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.