Com as discussões que estão ocorrendo no Brasil e no mundo sobre a eficiência do teletrabalho e suas implicações nas relações de trabalho, recebi do “RH Pra Você” o desafio de falar um pouco sobre o tema.
A questão que veio foi: Desdobramento do caso Itaú: o home office será cada vez mais vilanizado? Há futuro para o trabalho a distância (mesmo que híbrido) ou o modelo fará parte, cada vez mais, de bolhas?
O teletrabalho, no Brasil, tem pouco tempo de regulamentação. Mas já existia o trabalho em domicílio. De forma bem resumida, podemos dizer que o trabalho em domicílio é regulado pela CLT, em seu artigo 6º e existe há muito tempo, enquanto o teletrabalho surge na reforma, com a característica de poder ser feito em qualquer local fora da empresa, usando meios digitais, previsto nos artigos 75-A até 75-F da CLT. Ele foi regulamentado em 2017, com a reforma trabalhista.
Assim, a reforma trabalhista trouxe novas regras para o teletrabalho, que devem estar previstas no contrato ou em um aditamento, incluindo ferramentas de trabalho e reembolsos de despesas.
O contrato de teletrabalho deve especificar as atividades do empregado e possibilitar a mudança entre trabalho presencial e teletrabalho com consentimento mútuo. Também deve definir a responsabilidade pela aquisição e manutenção dos equipamentos necessários e o reembolso de despesas, que deve ser documentado. O reembolso deve ser baseado nos gastos reais e a empresa pode estabelecer um limite. Despesas podem incluir custos na casa do empregado ou uso de coworking e devem ser acordadas pelas partes, inclusive quanto a serem devidas ou não.
Atenção: despesas devem ser comprovadas, sob pena de descaracterização, especialmente pela Receita Federal - veja SC Cosit nº 87, de 14 de março de 2023.
A mudança de regime presencial para teletrabalho deve ser acordada entre as partes. O retorno pode ser imposto pelo empregado, com aviso de 15 dias de antecedência.
Além disso as empresas devem se preocupar cada vez mais com as questões de segurança e saúde dos empregados em teletrabalho, o que traz mais insegurança jurídica sobre o que é o que não é acidente, como saber a origem de uma doença de possível ligação ergonômica e a empresa não pode monitorar nem como o empregado senta e que tipo de equipamento usa, mesmo que fornecidos por ela.
Ou seja, há muita insegurança e o modelo de teletrabalho, a princípio, não se adequaria uma lei restritiva como a brasileira. Isso sem falar no aspecto de risco fiscal e outras obrigações se o empregado sai do país e não avisa a empresa. Isso daria outra coluna!
Mas vamos ao caso do monitoramento dos empregados em teletrabalho, origem da celeuma da reportagem citada.
Essa questão não é nova, e muitas empresas estão mesmo acabando com o teletrabalho:
- "O teletrabalho já não é aceitável" e "é fingir que trabalham", diz Elon Musk (2022);
- Funcionários da Meta dizem adeus ao home office (2023);
- Dell endurece tom sobre home office e avisa: só será promovido quem for ao escritório (2024);
- Amazon do Brasil segue matriz norte-americana e acaba com o home office (2025);
- Fim do trabalho remoto: Dell exige retorno ao escritório cinco dias por semana (2025).
Nessas reportagens vemos justificativa como perda de controle de produtividade, questões de segurança, enfraquecimento da cultura e outros motivos para o retorno ao presencial. Por isso, em alguns casos, empresas passaram a monitorar os trabalhadores mais de perto.
Não existem regras específicas na Lei sobre o monitoramento de empregados, mas a jurisprudência ajuda a compreender o tema.
No trabalho presencial, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) aceita o monitoramento de empregados, incluindo o uso de câmeras, nas instalações da empresa, exceto em banheiros e vestiários. Sempre com publicidade e ciência dos empregados.
Além disso, o monitoramento de e-mails corporativos é considerado legal, pois os e-mails são vistos como ferramentas de trabalho. Caso haja mau uso, isso pode levar a justa causa para a demissão. O TST tem estabelecido que monitorar e-mails corporativos ou outros aplicativos não é uma violação dos direitos de privacidade, desde que os empregados saibam das políticas da empresa.
Para os teletrabalhadores, a empresa pode monitorar a atividade do empregado. No entanto, deve evitar qualquer invasão na sua privacidade. O melhor é não usar webcams, pois pode haver uso indevido de imagens, bem como de imagens de terceiros que apareceram no local.
A jurisprudência atual também aceita o monitoramento de outras ferramentas de trabalho, como computadores e celulares fornecidos pela empresa, para assegurar que o uso está de acordo com as normas internas.
No entanto, o monitoramento, independentemente da ferramenta, deve ser feito com o conhecimento prévio do empregado, já que as provas coletadas a partir desse monitoramento podem ser usadas para justificar demissões por justa causa por desídia, por exemplo.
Portanto, no Brasil, do ponto de vista do poder discricionário, o empregador pode monitorar o trabalho dos empregados, desde que dentro de limites de preservação da vida privada.
No caos do Itaú houve um acordo e o Banco aceitou pagar uma indenização suplementar aos empregados demitidos.
Mas se você quer controlar mais o teletrabalho na sua empresa tenha alguns cuidados:
1. Primero: de quem é o computador utilizado – da empresa ou do empregado?
Se for da empresa, o monitoramento é livre e a empregadora deve, inclusive, proibir o uso particular da máquina, por questões de segurança, mesmo em navegação fora do horário de trabalho. Além disso, a LGPD não se aplica a dados corporativos, como e-mails, que não devem nunca ser usados para fins particulares. O cuidado com a LGPD é quanto a dados pessoais como a biometria, que deve ser usada somente para identificação e monitoramento no trabalho.
Se a máquina é do empregado, deve ser acordado se haverá alguma ajuda de custo e indenização pelo uso ou não, além disso, muitas vezes o monitoramento não será viável sem ferir a LGPD, o que exige um estudo cuidadoso de como ele é feito, e o que visualiza na máquina.
2. As regras de monitoramento e o que se espera são claras, ou seja, como, por que e o que será monitorado
Elas devem ser escritas e o empregado deve tomar ciência inequívoca delas, com assinatura mesmo eletrônica, em intranet.
3. O objetivo é controlar jornada de trabalho? Lembre-se que isso não exclui a marcação de ponto, que continua obrigatória
Mesmo que o objetivo seja verificar tempo de trabalho, o monitoramento não deve exigir atividade contínua, pois todo empregado deve ser livre para uso de banheiro e para a refeição, por exemplo. Ou seja, deve ser respeitada a produtividade que existe no presencial. Por isso, sugiro que primeiro você meça a produtividade presencial, e tire uma média dela como base para o teletrabalho.
Além disso, não use produtividade de IA, ela deve ser adequada à função. Não adianta medir clique em função que têm leitura lenta por longo tempo, ou chamadas via telefone ou videoconferência.
4. A ciência e treinamento do empregado nessas regras são claros e comprovados?
Depois de elaborar as regras com cuidado, todos os empregados devem ser treinados e conhecer exatamente como é a regra do jogo, isso porque se assim não for, a sua punição será anulada, especialmente se for uma justa causa. Você não pode exigir algo que o empregado não sabe que existe.
5. Há sistema de advertências prévias?
Esse tipo de falta está relacionado à desídia, ou seja, negligência no cumprimento de seus deveres, e, portanto, exige advertências prévias, assim, não adianta ver e nada fazer. Se você implantou com cuidado, treinou corretamente, tem que controlar e punir com punições menores até uma eventual demissão por justa causa.
Então, o teletrabalho não é um “anywhere work” sem regras legais e contratuais, é um trabalho afastado da empresa, mas sob suas regras e as da lei. Mas as regras devem ser claras. Assim, todos terão maior segurança.
Todas essas questões são as que estão acabando um pouco com o “glamour” do teletrabalho, mas são necessárias para dar segurança jurídica - sempre ela, a todos.
Estudar a forma de implantar e respeitar e manter a cultura da empresa podem dar uma sobrevida e, quem sabe, uma nova formatação, já que é uma forma nova de trabalho.
E respondendo à questão inicial...
Desdobramento do caso Itaú: o home office será cada vez mais vilanizado? Há futuro para o trabalho a distância (mesmo que híbrido) ou o modelo fará parte, cada vez mais, de bolhas?
Não será mais vilanizado, mas as regras devem ser muito claras: não é um “trabalho livre”, até porque a lei brasileira nem permite isso, mas realmente em algumas atividades ele nunca será possível.
Lembrando que o teletrabalho já é uma bolha na realidade do trabalho.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada divulgou um estudo sobre o trabalho remoto no Brasil. Segundo a análise, aproximadamente 20,4 milhões de pessoas têm empregos que podem ser feitos de casa. Isso corresponde a 24,1% de todas as pessoas que trabalham no país: “O estudo mostrou que há um predomínio nas ocupações potenciais de trabalho remoto entre mulheres (58,3%), pessoas brancas (60%), com nível superior completo (62,6%) e na faixa etária entre 20 e 49 anos (71,8%). Mais da metade desses trabalhadores em teletrabalho potencial encontra-se na região Sudeste (que tem o maior percentual, 27,7%), seguida pela região Sul, com 25,7%, e Centro-Oeste, com 23,5%. Nas regiões Norte e Nordeste, o patamar é inferior, respectivamente de 17,4% e 18,5%.”
Portanto, uma bolha é, a questão é ela ficará menor ou maior.
Por Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.