O cringe e a necessidade de categorizar pra compreender.

“Será que eu sou cringe?” – É o que muita gente tem se perguntado depois que o assunto bombou nas últimas semanas na internet, sendo um dos principais trending topics do Twitter, quando a criadora de conteúdo e estudante de psicologia, Carol Rocha (@Tchulim), perguntou à Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) sobre o que achavam cringe na geração dos millennials (nascidos entre 1980 e 1994).

O termo cringe pode ser traduzido como algo “cafona”, um “mico” ou “vergonha alheia” e passou a ser associado a hábitos considerados antigos ou fora de moda. Coisas tão cotidianas como pagar boletos, usar emojis (de maneira não irônica), beber cerveja de litrão, gostar de Harry Potter, vestir calça skinny e até, pasmem, tomar café da manhã foram listados como cringe pela geração Z, que considera os millennials (geração Y) ultrapassados.

As peculiaridades de cada geração sempre existiram, porém, a necessidade de rotular e categorizar está cada vez mais forte: ou você é isso ou então aquilo (como se fosse proibido não se identificar com nenhuma das opções disponíveis ou transitar entre mais de uma delas). Mas por que temos a necessidade de colocar as pessoas em categorias? Será que restringir as características e tendências de comportamentos das pessoas aos respectivos anos de nascimento dá conta da realidade?

Para facilitar o entendimento do mundo à sua volta, a humanidade sempre buscou agrupar as coisas e os fenômenos em categorias semelhantes e, por sua natureza social, o ser humano tem a necessidade de pertencer a grupos específicos, como forma de expressar a sua própria individualidade e identidade. Quando não conseguimos nos identificar com nenhum grupo, por vezes, nos sentimos isolados, rejeitados, excluídos ou socialmente incapazes.

Classificar as pessoas em gerações surge como uma forma massificada de entender mudanças na consciência social, na relação com o trabalho e nos hábitos de consumo, atribuindo um conjunto de comportamentos a determinados grupos, porém, generalizações acabam sendo superficiais por não considerarem uma série de outros fatores que interferem na formação e na expressão das particularidades das pessoas.

Por exemplo, uma mulher de 33 anos, nascida em Tóquio, pode ser entendida como pertencente à mesma geração (Y/millennial) que um homem de 30 anos nascido no Senegal, mas será que eles realmente compartilham tantas características assim? E os demais fatores (ambientais, educacionais, culturais, sociais, econômicos, políticos etc.), que influenciam na construção da identidade, como são considerados?

Em geral, buscamos ser únicos, autênticos e, nesse caminho, nos misturamos e absorvemos diversas referências, adotando hábitos e comportamentos que, muitas vezes, nem sabemos explicar direito de onde vieram. O tempo todo nos bombardeiam com conteúdos sobre o que é certo ou errado, descolado, tendência, brega ou fora de moda. Assim, padrões sociais sobre o que é aceitável (e esperado) vão sendo criados e se tornam bem difíceis de desconstruir: ou você se adequa ou te expurgam e, se você não concordar com alguma coisa ou emitir opiniões diferentes da esperada pelo senso comum, ainda corre o risco de cancelamento. Quando foi que nos tornamos tão intolerantes e reduzimos tudo a visão tão simplista?

Por que em vez criar rótulos, sejam geracionais ou de qualquer outro tipo, não buscamos ampliar a nossa visão e tentar compreender as pessoas em sua essência, como elas realmente são, sem esperar que elas sejam de determinada maneira ou cumpram certas expectativas? Será que assim não conseguiríamos construir uma sociedade mais plural e respeitosa e menos polarizada?

O mundo está se tornando cada vez mais complexo e, numa tentativa de simplificação, reduzimos tudo a conceitos que não são capazes de explicar tudo.

Penso que as classificações por geração são muito limitadas e nem sempre dão conta de representar com profundidade os fenômenos sociais.

Em vez de apontar as diferenças entre as gerações e enfatizar os conflitos, talvez fizesse mais sentido tentarmos compreender como está a adaptação das pessoas aos novos contextos do século XXI, independentemente da idade delas.

As discussões dessas últimas semanas me fizeram refletir sobre a geração que, teoricamente, eu pertenço (Y/millennial). Quando criança, eu programava em linguagem Qbasic, gostava de futebol e de xadrez. O primeiro curso para o qual prestei vestibular foi o de Ciência da Computação. Meus hábitos, comportamento, linguagem, maneira de me vestir (que é também uma via de expressão) e interesses foram mudando bastante ao longo da vida: fui para as artes cênicas, depois me interessei pela psicologia e pela dança (Lindy Hop), leio graphic novels e ficção científica, e até hoje curto jogos de tabuleiro e videogame. Passei dez dos meus quatorze anos de experiência trabalhando na mesma empresa, o que seria considerado incomum pra uma millennial. Será que essa grande mistura de coisas tem algo a dizer sobre uma geração inteira ou são apenas alguns dos elementos que constroem a minha própria identidade?

Me pergunto se realmente preciso me limitar a um rótulo. Não consigo me identificar, unicamente, com um grupo geracional e acredito que as pessoas são bem mais complexas do que tentamos fazer parecer. Mesmo aquelas que se julgam mais “racionais” não são simplesmente binárias e é justamente aí que está toda a beleza da individualidade.

Quantas vezes não vimos modismos irem e voltarem? As coisas são tão fluidas que a pochete brega de ontem pode se tornar o acessório mais cobiçado dentro de algumas décadas e o cringe de hoje pode ser o descolado de amanhã, então talvez não devêssemos nos preocupar demais com isso.

Por Renata Meireles, Head de RH da Cyrela. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião da colunista. Foto: Divulgação.