“Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas este ano não morro”. Sujeito de sorte, Belchior.

As desigualdades em nosso País têm cor e sexo; elas estão estagnadas na maioria da população brasileira, maioria minorizada, representada pelas pessoas negras (pretas e pardas) e do sexo feminino.

As desigualdades vêm ao longo dos séculos se enraizando, cada vez mais profundamente, na proporção em que racismo, machismo, sexismo, negacionismo e supremacismo branco avançam.

Racistas não se identificam como tal e sempre têm frases prontas, que usam para eliminar qualquer relação com comportamento racista: “eu até tenho um amigo negro”; “meu avô, ou meu pai era negro”; “já admiti muitos negros aqui na empresa”.

O racista não nasce racista; ele é ensinado a ser racista, como disse Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.

A construção do Racista

Quando criança, o que ensinaram à pessoa que hoje se comporta como racista?

Certamente ensinaram que havia o certo ou o errado, princípio básico da exclusão de uma das partes, mas qual parte era a certa?

Ensinaram que para ser um vencedor, ou uma “boa menina”, deveria se afastar de todas aquelas outras pessoas que não representavam o “modelo” de sucesso, felicidade, consumidores de margarina em uma mesa farta e com pessoas felizes?

Essa pessoa, em construção racista, se ingressou na escola, anteriormente à existência da “Lei 10.639, 2003 (que alterou a Lei de Diretrizes e Bases, incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da história  e cultura afro-brasileira), não foi lá, na escola, que teve uma educação antirracista.

Hoje, a Lei 10.639 de 2003, é ignorada em mais de 70% das escolas brasileiras: apenas 29% das secretarias municipais de educação têm ações consistentes e continuadas, conforme pesquisa do Geledés Instituto da Mulher Negra com o Instituto Alana.

Fonte: Boletim CEERT nº 8. Dr. Daniel Bento Teixeira, diretor executivo CEERT.

Tal pessoa se aproximará de coleguinhas negros? Irá respeitá-los considerando as suas características externas e o seu potencial referente às suas habilidades? Ou o diferente lhe causará estranhamento e repulsa? O que será de uma criança que em pleno século XXI, nunca conviveu com pessoas negras?

Não estamos formando uma infância, juventude antirracista. Infância e juventude, atualmente, adotam a heutagogia (aprendizagem autônoma, independentemente de faixa etária) como a metodologia que as levará a encontrar seus posicionamentos sobre essa questão. Daí a importância da Inteligência Artificial com seus algoritmos, criados por pessoas – ainda - predominantemente pertencentes ao grupo hegemônico eurocêntrico, que pode mudar essa trajetória para a inclusão ou não.

Aquela tal pessoa, racista, chega ao mundo do trabalho e ouve depoimentos como este: “Eu queria muito; precisamos falar com mais pessoas, mas o pessoal branco do marketing não libera verba para a gente”, disse um supervisor de uma grande empresa brasileira, pessoa negra, deslocado para a área de diversidade e inclusão”

“Não há como diversidade e inclusão prosperarem dentro das organizações sem o poder das áreas de marketing e comunicação, sejam para ações internas entre os colaboradores, sejam na relação com a sociedade e imprensa. Falta aos líderes esse olhar mais interseccional das ações e o entendimento que orçamento para comunicação e mídia, não é 'propaganda', é prestação de contas, é  promoção de ações que podem inspirar outros negócios é mostrar que funcionários diversos são ouvidos.” Fonte:  Silvia Nascimento. 13.10.2023.

O racista pode ser um excluído por causa de seu local de origem, classe social, mas não sentirá a dor da exclusão por causa da cor da sua pele.

Desigualdades

Mas, de quais desigualdades estamos falando? Das mais básicas.

Redução de desigualdades - IMG I

1. Desigualdade no Trabalho

Em fevereiro 2023, 203 trabalhadores foram resgatados do trabalho análogo ao escravo na cidade de Bento Gonçalves (RS), durante a safra. Os trabalhadores tiveram promessa de um salário de R$ 3 mil, mas relataram enfrentar atrasos nos pagamentos dos salários, violência física, longas jornadas de trabalho e recebimento de alimentos estragados. A maioria dos trabalhadores levados do estado da Bahia.

Principais impactos nas relações de trabalho são desigualdades: 

Ocupacional: com o questionamento da capacidade do negro para executar tarefas mais complexas e impedimento de acesso a essas tarefas, mesmo estando capacitado.

Salarial: desvalorização do trabalho por meio de remuneração inferior para as mesmas tarefas mais bem pagas a não negros.

Imagem: a partir da criação de um ideal estético, há a exclusão e opressão aos diferentes.

2. Desigualdade no trato dado à Saúde das pessoas negras:

Em 2022, segundo o Ministério da Saúde, a taxa de suicídio entre adolescentes e jovens negros no país era 45% maior do que o mesmo grupo etário de brancos. Negros entre 10 e 29 anos são os mais afetados, especialmente os homens, que têm 50% mais chances de tirar a própria vida do que os homens brancos da mesma idade.

 3. Desigualdade e Violência

Em 2022, 27,6 milhões de mulheres sofreram violência de gênero, como o assédio sexual. A violência doméstica aumentou mais de 10% em dois anos e segundo relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Ser mulher no Brasil tornou-se ainda mais perigoso, especialmente para mulheres negras, separadas economicamente ativas e com baixa escolaridade.

Redução de Desigualdades – O papel das Empresas

Considerando que a organização é um sistema social complexo (Edgard Schein) e que o homem é um ser social (Aristóteles), preferimos indagar:

  • Qual o papel dos seres humanos em posição de decisão nas empresas? Esses seres humanos estão cumprindo a sua missão? 

Lembrando Pierre Weil, 1991, que anteviu o que deveria ser uma prática normal a todas as organizações, mas que, ainda hoje, é um desafio para a maioria. Disse ele:

Redução de desigualdades - IMG II

De quais empresas estamos falando? Comecemos pelo aspecto positivo, falando sobre as organizações metanóicas (mudança de mente). Estas sim estão desempenhando o papel de verdadeiras universidades e catedrais. São empresas alinhadas aos 17 ODS e aos princípios ESG, naturalmente.

Na década de 90 a “Cultura Organizacional Quântica” revelou as organizações metanóicas, reconhecendo que os empresários são, de fato, os lideres do mundo contemporâneo e que as empresas são agentes de intercâmbio, transpondo as suas fronteiras e incentivando as comunicações. Por isso mesmo, o futuro do planeta estaria, em grande parte, influenciado pelas atitudes e ações da comunidade mundial de negócios.

Quantas empresas estão hoje, engajadas a essa filosofia? Não é a maioria. Por isso 1990 está tão próximo de nós.

Além do 1º, 2º e 3º setores, surgia o setor “Dois e Meio”, caracterizado pelo lucro com ação Social; o capitalismo humanista. Fonte: Homem CapitalistaCapitalismo Humanista - Dr. Roberto Sayeg

Setor dois e meio, duramente criticado na época pelos mais conservadores que não abriam mão do lucro predatório.

Os princípios dessas organizações do setor Dois e Meio em muito se assemelhavam aos do atual ESG (Environmental, Social and Governance ), focando em:

  • Negócio de Impacto: ação em áreas carentes; educação, baixa renda, ambiente;
  • Empregados: ao conceder benefícios, ir além da lei; reduzir a diferença abismal entre salários;
  • Ação na comunidade: foco no desenvolvimento como retorno;
  • Pagar preços justos aos fornecedores;
  • Incentivo ao voluntariado empresarial;
  • Meio ambiente: eficiência no uso da energia. Reduzir o possível impacto sobre a  natureza;
  • Governança: transparência nos indicadores socioambientais.

Mas, por que o ESG não evolui na velocidade necessária?

Citamos esse breve histórico do comportamento organizacional, ideal e possível, mas as ameaças (ambiente externo) e fraquezas (ambiente interno) continuam a frear a trajetória do ESG.

ESG entrou nas empresas pela porta da frente, pelas mãos da área financeira e quando a área financeira se levanta reconhecendo que as desigualdades sociais são impedimentos para a sustentabilidade dos negócios, a Diversidade e Inclusão ou a Inclusão da Diversidade, passam a ser reconhecidas como vitais, estratégicas. Passam a compor o dashboard das empresas.

Eu digo: o tempo é agora, para dizer basta ao preconceito, discriminação e a todos os “ismos”: racismo, etarismo, capacitismo, sexismo, machismo, negacionismo… Basta, porque o que temos como consequências até hoje?

É a hora de priorizar a Sustentabilidade Social com a redução das desigualdades e ampliação das oportunidades. E a diversidade é um dos pilares da Dimensão Social ESG e da sustentabilidade de negócios. 

Nesse contexto, perguntamos: Se ESG é impulsor da Diversidade & Inclusão e a Diversidade Racial? Esta terá sua impulsão pelo Pacto de Promoção da Equidade Racial, 09.08.2021, uma iniciativa que propõe desenvolver um “Protocolo ESG Racial” para o Brasil, trazendo a questão racial para o centro do debate econômico brasileiro e atraindo a atenção de grandes empresas nacionais, multinacionais e da sociedade  para o tema.

Os critérios ESG são, hoje, os parâmetros internacionais mais importantes que orientam investidores institucionais quanto a questões ambientais, sociais e de governança e o Protocolo ESG Racial, também terá a mesma credibilidade, pois possui metas e métricas, tangíveis para a demonstração de resultados.

A meta para 2024/2026, segundo Jair Ribeiro (concepção do projeto), é ter de 500 a 600 empresas brasileiras aderentes ao Pacto e investindo em equidade racial.

Sim, Pierre Weil, “Serão as empresas novas universidade e catedrais para o terceiro milênio. As organizações estão aos poucos se tornando novas universidade no que tange à educação...”

Resumindo, o papel das empresas: Ensinar a amar.

Ensinar as pessoas durante o tempo de vínculo de trabalho e ensinar a sociedade, em tempo integral, desconstruindo o que lhes foi ensinado.

Por Jorgete Lemos, sócia fundadora da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços – Consultoria. É uma das Colunistas do RH Pra Você. O conteúdo desta coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.