Para nós que respiramos Estratégia, Gestão de Talentos e Cultura, o que está acontecendo nas corporações, o que um artigo recente da The Economist chamou de “Fogueira dos Gerentes Intermediários”, não é apenas um corte de custos. É um sintoma preocupante de que o modelo organizacional do Século XX, aquele castelo hierárquico, ruiu sob o peso da Inteligência Artificial e da demanda por velocidade.
O ajuste é profundo. Empresas listadas nos EUA já eliminaram, em média, cerca de 3% de suas posições de gerência intermediária desde 2022. O Google, em um movimento que serve de termômetro, cortou 35% dos gerentes que supervisionavam equipes minúsculas. Essa não é uma medida trivial; é a prova de que a nossa estrutura, desenhada historicamente para filtrar a informação, hoje penaliza a agilidade.
O modelo tradicional colocou o gerente intermediário como um tradutor de informações e um supervisor de tarefas. Ele garante que a ordem do C-Level seja traduzida e que o feedback suba. Essa camada, que inchou no pós-pandemia, criando gerentes para supervisionar um ou dois colaboradores, representa uma ineficiência que o novo tempo não tolera mais.
A revolução está naquilo que a IA pode fazer. Ferramentas avançadas assumem a coordenação, o relatório de status, a análise de dados preliminar e a alocação de tarefas repetitivas. Se mais de 50% das empresas já estão aproveitando a IA para automatizar processos-chave, como mostram pesquisas recentes, o papel do supervisor se esvazia. Como diz Julie Zhuo, ex-Chefe de Design do Facebook App e Fundadora da Sundial, a gestão na era da IA não é mais sobre gerenciar pessoas, mas sobre "montar as aventuras" utilizando modelos e sistemas, transformando o gestor em um orquestrador de recursos digitais.
Estamos falando aqui dessa camada de liderança, mas ela representa uma mudança em todo modelo de estruturação de times. Precisamos parar de ficar redesenhando organogramas com bases do passado e começar a desenhar os novos fluxos do trabalho produtivo. As bases são outras.
Aprofundando um pouco mais do que isso significa: a primeira grande transformação é tornar os Gerentes em Construtores Estratégicos. O líder de sucesso é aquele que consegue ampliar drasticamente seu span of control (o número de pessoas que supervisiona), pois a IA absorveu o trabalho burocrático. Seu tempo, liberado de planilhas e status reports, deve ser dedicado a remover barreiras, garantir o bem-estar e treinar o time nas habilidades mais estratégicas e humanas. A área de gente e gestão entra com um papel chave de treinar líderes para serem "robustos e, ao mesmo tempo, flexíveis" (como diz Zhuo), mantendo a clareza da visão enquanto o time se adapta constantemente à mudança.
A segunda transformação é a Arquitetura Baseada em Autonomia. Substituímos a hierarquia de manda e obedece pela arquitetura de dono e decide. Isso significa reorganizar times em torno de um produto, projeto ou cliente, dando-lhes a posse total e as ferramentas de IA necessárias para serem 100% responsáveis por aquele resultado. Essa autonomia elimina a dependência de múltiplas camadas de aprovação, acelerando a decisão a níveis inéditos. Além disso, como a IA é burra se a instrução for vaga, o líder deve se tornar o garantidor da clareza do objetivo final.
Com essa nova célula de trabalho autônoma, o organograma natural é uma Estrutura de Rede. Eliminamos os "gerentes de um ou dois" para garantir que cada camada de gestão adicione valor exponencial, priorizando conexões laterais rápidas (redes de influência e projetos) sobre as conexões verticais (hierarquia).
A IA não é apenas a causa dos cortes, ela é a solução para redesenhar o trabalho de forma mais inteligente. Precisamos ver a IA como um mapa que define o valor humano.
Onde a IA generativa foi aplicada, ganhos de produtividade de 15% a 30% em tarefas de escritório já foram documentados. Se cada colaborador se torna 20% mais rápido, a necessidade de camadas de supervisão cai dramaticamente, forçando o organograma a encolher. Portanto, comece a mapear quais tarefas são melhor feitas por máquinas (repetição, coordenação) e quais são exclusivas dos humanos (criatividade, empatia, julgamento complexo), redirecionando talentos para o último.
Olhe não apenas para o custo do corte, mas para o retorno do tempo liberado. Se um gerente passava 60% do tempo em planilhas e relatórios, agora, com a IA fazendo esse trabalho, ele está usando esse tempo para treinar o time, inovar em um novo mercado ou resolver um conflito complexo com o cliente? Se a resposta não for claramente “sim” para atividades de alto valor, a transformação falhou.
A mudança é, portanto, estrutural: estamos deixando a cultura da informação retida (onde o poder estava na camada que filtrava os dados) e abraçando a cultura da transparência radical (a IA democratiza os dados). O desafio da liderança e dos times de gestão de talentos é garantir que essa transparência se traduza em velocidade e, principalmente, em um propósito claro, para que a empresa não seja apenas mais enxuta, mas incrivelmente mais inteligente e humana.
O castelo da burocracia caiu, agora, o temos a missão de construir a plataforma fluida do futuro.
Andréa Dietrich, empreendedora e consultora de design estratégico de negócios para organizações e líderes à prova do futuro. Especialista em posicionamento de marcas, cultura e transformação digital e fundadora das consultorias Didietrich e Ambidestra. Co-autora dos livros Mulheres do Varejo e Ensemble (coletivo de mulheres global). É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.01