A inteligência artificial é mais uma tecnologia que veio para elevar nossa produtividade e simplificar tarefas rotineiras, da mesma forma que o Office fez há três décadas. Sobre isso, já há um consenso, e são numerosos os artigos que orientam sobre o uso dessa ferramenta, especialmente pelo RH. Acredito que essa utilização se tornará cada vez mais comum, exigindo capacitação de funcionários e candidatos, assim como o “nível avançado em Excel” foi um diferencial — ou até um requisito — para determinadas funções no passado. 

Mas gostaria de propor uma reflexão que antecede a aplicação massiva dessa tecnologia em todas as áreas da empresa e com diferentes níveis de complexidade. Meu convite é para que direcionemos nosso olhar à cultura organizacional, onde o RH desempenha um papel crucial. 

Quando as primeiras discussões sobre transformação digital ganharam espaço, o tema também foi inicialmente delegado às áreas técnicas, especialmente TI. Aos poucos, passou a ser entendido como uma necessidade estratégica e abrangente, algo que se evidenciou na pandemia da Covid-19, quando a adoção de tecnologias digitais se tornou essencial para governança e negócios, em todos os setores. 

Com a IA, o debate também permeia o uso prático — como deve ser. Afinal, as empresas que não oferecem experiências conectadas às tecnologias digitais correm o risco de ficar para trás e perder participação no mercado. A integração digital foi possível para aquelas empresas que transformaram essa mentalidade em parte essencial de sua cultura. Com a IA, o processo será semelhante. Estamos, na verdade, vivenciando a continuidade e evolução da transformação digital, e isso precisa estar claro para qualquer organização que busca se manter relevante. 

Nesse cenário, qual é o papel do RH? Conduzir a mudança e assegurar que a cultura da empresa se adapte para integrar a IA ao negócio de forma eficaz. Se o digital acelerou processos lentos, a IA elevará ainda mais essa velocidade, aprimorando a experiência do cliente e do usuário, tanto interno quanto externo. O grau de personalização aumentará, tornando-se uma exigência básica de qualquer interação com a tecnologia. 

Com a digitalização, as estruturas hierárquicas rígidas começaram a se dissolver, e isso tende a se intensificar. Recentemente, a Singularity Brazil realizou o primeiro AI Bootcamp, evento que explorou o impacto da IA nas organizações. Ao ouvir Nell Watson, futurista e especialista da Singularity University, algo me chamou a atenção: a ideia de que as máquinas se tornarão embaixadoras dos humanos. 

A IA generativa fará muitas tarefas, atuando como “embaixadores” humanos. Isso nos direciona para um futuro de “corporations virtuais” ou “machine corporations,” em que agentes inteligentes operam de maneira autônoma nos ambientes corporativos, criam suas próprias estruturas de governança e executam funções e transações sem supervisão humana contínua. Essas máquinas, guiadas por sistemas de IA, tomariam decisões com base em dados e metas predefinidas, o que pode levar a uma nova economia descentralizada, na qual corporações de máquinas respondem rapidamente às mudanças do mercado e às demandas dos clientes. 

Diante desse nível de autonomia, como nos prepararmos? Mais do que habilidades técnicas, será essencial que as pessoas estejam capacitadas para colaborar com a IA em decisões estratégicas. Essa adaptação cultural, que agora envolve a mediação de comportamentos desencadeados por máquinas, será fundamental para o progresso. Uma cultura organizacional é formada pela interação de seu grupo — e como será essa cultura quando interações forem iniciadas ou impulsionadas pela IA? 

O caminho apontado por Nell Watson sugere que a IA criará seus próprios sucessores, promovendo uma automação que treinará novas gerações de IA sem intervenção humana. Embora esse processo possa acelerar a inovação, ele também levanta preocupações éticas e de segurança, já que essas IAs podem adquirir complexidades e capacidades imprevistas. Por isso, Watson defende que a autonomia deve ser balanceada com mecanismos de controle que garantam alinhamento com valores humanos, segurança e previsibilidade. 

Estamos entrando em uma nova era que impactará profundamente o RH, tornando a formação e, principalmente, a manutenção da cultura organizacional mais complexas. Os autores clássicos da área não previram essa mistura de interações entre humanos e máquinas com um aprendizado autônomo e cada vez mais sofisticado. Como mencionei em outro artigo, não há especialista em algo inédito. O que podemos fazer agora é nos aproximar dessas tecnologias para que possamos aprender e nos adaptar em tempo real. 

Reynaldo Gama, CEO da HSM, tem mais de 15 anos de experiência no mercado financeiro. Esteve à frente de uma das primeiras iniciativas de fomento ao empreendedorismo no Brasil: o Cubo Itaú. É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.