Muitos relatos sobre experiências vividas pelas organizações, no período da pandemia, mostram uma mudança positiva de comportamento entre seus colaboradores.

A incerteza do momento e a consciência do poder da natureza sobre as pessoas fizeram com os seres humanos se sentissem vulneráveis, buscando vínculos de solidariedade com seus semelhantes. Um movimento natural em se tratando de
sobrevivência da espécie.

A busca de soluções para se enfrentar um inimigo comum criou dentro das organizações novas perspectivas de se realizar um novo modelo de trabalho, começando pelas restrições ao contato físico entre as pessoas e continuando pelas adaptações dos processos produtivos, bem como da utilização de meios diferentes de comunicação.

O sentimento de fragilidade e vulnerabilidade que se abateu sobre todos e em particular na liderança propiciou, paradoxalmente, uma forma mais empática de  relacionamento humano que incentivou a construção de vínculos de confiança entre equipes e seus líderes, ultrapassando em diversos casos as fronteiras do próprio empreendimento.

Muitas organizações mencionaram que suas culturas foram afetadas positivamente por essa vontade de colaborar, fazer o melhor pelo próximo, pela empresa e pelo cliente. Perceberam que, apesar de todos os obstáculos físicos que afastaram as pessoas, o engajamento aumentou! E a produtividade também! Como explicar esse fenômeno?

Uma possível explicação pode ser a importância da continuidade das operações para que os empregos fossem mantidos. Outra possibilidade pode estar no sentimento de gratidão que as pessoas tiveram ao perceber que suas organizações se preocuparam genuinamente com o seu bem-estar e dos seus familiares. Outra, ainda, a das pessoas se sentiram mais livres para a execução dos seus trabalhos sem ficarem presas nos emaranhados de regras e subordinação e, finalmente, outra, onde as pessoas sentiram mais liberdade!

Apesar de todos esses efeitos positivos não poderem ser traduzidos em números e apresentados na demonstração anual de resultados da empresa, é certo que  influenciaram a cultura até um ponto de fusão, que permite consolidar estas novas conquistas, isso se as organizações olharem com vontade para o seu potencial de transformação.

Como não perder esse aprendizado?

Esta é uma pergunta capital! As empresas já iniciaram o retorno aos escritórios adotando um modelo híbrido entre presencial e remoto. São várias possibilidades envolvendo muitas variáveis, não existindo um modelo padrão. Mas, um sentimento único que prevalece nas organizações é a preocupação de que as experiências positivas vividas voltem para a estaca zero! Seria um desastre, igual a um dique que se rompe inundando o ambiente de trabalho com um mar de frustrações! Demoraria anos para a cultura empresarial se regenerar!

Quando se fala em conquistas da cultura da empresa, fala-se de comportamentos não largamente vivenciados nas organizações e, portanto, pouco valorizados, não por causa do seu valor em si, mas porque não pertencem à linguagem empresarial. No entanto, quando a fragilidade provocada pelos acontecimentos preenche os ânimos, esses mesmos comportamentos surgem como uma fonte de força e energia, que se retroalimentam nas relações humanas em busca de soluções, é o caso da empatia, colaboração, escuta ativa, resiliência, perseverança, autogestão, confiança e outros tantos mais.

As empresas que conseguiram virar a chave e reverter os resultados que se mostravam negativos se tornaram mais leves, ágeis e dinâmicas e constataram que esta reversão se deu muito mais pelo uso livre dos comportamentos dos seus  profissionais do que propriamente pelo uso de conhecimentos específicos, o que comprova a necessidade das empresas, de investirem mais no desenvolvimento de capacidades humanas duradouras, hoje em evidência, mas que continuam sendo a parte mais anêmica dentro das organizações.

Estamos voltando para a casa, mas ainda é cedo para se dizer que existe uma tendência irreversível de mudança cultural, que seja benfazeja e que envolva toda a organização. As conquistas alcançadas nas relações humanas só se consolidarão se as empresas trabalharem diligentemente em dois imensos temas complementares e não excludentes: a vitória da equanimidade nas relações humanas e o fim dos privilégios!

Por Vicente Picarelli, sócio-diretor da Picarelli Human Consulting. É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.