O que se dizer bem no “maio Lilás” da liberdade sindical?

No Brasil, usualmente as negociações coletivas cabem ao RH, e muitas vezes sem nenhum apoio jurídico, não na redação dos acordos, mas na negociação em si.

A negociação implica em estratégia, e para ter estratégia você precisa saber onde está pisando. Mais do que isso, o profissional que aconselha o acordo negocial na empresa, assume responsabilidades por sua opinião e ação.

Mas se muitos não querem saber do jurídico na negociação, já pensaram no “Compliance”?

Todo profissional, com certeza, já ouviu a palavra Compliance.

Muitas empresas têm departamentos de Compliance estruturados, especialmente depois da lei de combate a corrupção ter sido publicada no Brasil (aliás, mais um spoiler, há um caso de corrupção sindical envolvendo o FCPA, mas depois conversamos).

Mas e o Compliance nas relações sindicais?

Há muitas, mas muitas, formas de “adoçar” a legislação quando se fala de contribuição sindical. Algumas vezes até com benesses judiciais, que ao analisar um caso não olham todo arcabouço jurídico (se isso fosse uma petição haveria um “data venia” aqui!), sem que as partes se deem conta, muitas vezes, do que está ocorrendo .

O “volume 1” no título surgiu porque há alguns temas que interessaram ao Compliance sindical, e que o “Compliance” nem sabe. Muitas formas de “adoçar” a lei estão nas cláusulas de contribuição, hoje, após a reforma cada vez mais “criativas”.

Então, neste artigo, vamos falar da obrigação de contratação de outra empresa, ou de pagamento de “benefícios” por empresa indicada fixada na própria Convenção Coletiva.

Ora, que mal tem? É um benefício ao empregado. Será mesmo?

Uma cláusula muito comum é a que fixa um “benefício social familiar” pela qual as empregadoras são obrigadas a contratar um benefício, que muitas vezes já têm com outras empresas securitárias e de benefícios regulares. E se não discutem o tema acabam vendo-se “obrigadas” a contratar algo que nem sabem o que é, mas que outras podem saber.

Essas cláusulas são ilegais, já que tal imposição desrespeita o princípio constitucional da livre concorrência por meio da reserva de mercado.

A cláusula impondo que as empresas o custeiem de “benefício social familiar”, a ser oferecido pela entidade sindical a seus representados, configura crime contra a liberdade econômica, na forma da Lei 12.529/2011 que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

Ora, toda cláusula de contribuição cruzada (spoiler, esse será mais um tema) que visa “patrocinar” atividades do sindicato dos empregados em prol desses, envolve, na realidade, a essência da função da entidade profissional, que se obriga, por lei,  com a contribuição que recebe dos seus representados, fornecer assistência aos seus representados, como se verifica do artigo 592 da CLT:

Art. 592 – A contribuição sindical, além das despesas vinculadas à sua arrecadação, recolhimento e controle, será aplicada pelos sindicatos, na conformidade dos respectivos estatutos, usando aos seguintes objetivos:

II – Sindicatos de empregados:

  1. a) assistência jurídica;
  2. b) assistência médica, dentária, hospitalar e farmacêutica
  3. c) assistência à maternidade
  4. d) agências de colocação;
  5. e) cooperativas;
  6. f) bibliotecas;
  7. g) creches;
  8. h) congressos e conferências;
  9. i) auxilio-funeral;
  10. j) colônias de férias e centros de recreação
  11. l) prevenção de acidentes do trabalho
  12. m) finalidades deportivas e sociais
  13. n) educação e formação profissional
  14. o) bolsas de estudo.

Por sua vez, a instituição desse tipo de cláusula, em benefício de uma empresa específica, fere a liberdade da atividade e econômica, a livre iniciativa, e gera crime contra a organização econômico.

Ora, a CF em seu artigo 170, preserva a liberdade da iniciativa privada, dizendo em seu parágrafo único, que “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Para proteção da livre iniciativa e da liberdade econômica, há as leis   8.137/1990 e 12.529/2011, que dizem:

LEI Nº 8.137, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1990.

Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:

I – abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas;   (…)

  1. c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

LEI Nº 12.529, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2011.

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

  • 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;

Veja-se que a citada cláusula configura ambas as infrações, ao criarem contribuição destinada a “operadora aprovada pelas entidades convenentes” , e sequer definem quase são os benefícios concedidos.

Muitas vezes, ao se investigar a fundo, vamos ver que a entidade citada nas Convenções Coletivas (CCT)  não é empresa seguradora nem fornecedores direta de benefício, mas, sim, uma “gestora”, sem indicação de quem seriam as empresas a conceder tais benefícios

Mais ainda, a fixação dessas cláusulas fere outro aspecto das relações sindicais, que deveria ser verdadeiramente cara a todos os que defendem a lei, especialmente  neste mês de maio “Lilás” pela liberdade sindical[1], que é a liberdade de filiação.

Ora, a norma coletiva instituída com a finalidade de custear a atividade do sindicato profissional, sob a justificativa de instituição de benefício social, a ser bancado pelos empregadores viola o direito de livre sindicalização, além de revelar-se uma forma camuflada e impositiva de contribuição assistencial, malferindo o disposto no art. 8º da Constituição Federal, pois implica ingerência indevida dos integrantes da categoria econômica nas entidades sindicais profissionais.

Embora possa haver alguma divergência de entendimento, conforme se observa do artigo publicado no site do TRT da 18ª Região, a maioria dos Tribunais entende que referida contribuição não pode ser compulsória, vejamos:

Ainda não há consenso na Justiça do Trabalho goiana sobre a validade ou não da cláusula de convenção coletiva de trabalho (CCT) que institui benefício social e seu custeio pelas empresas. Decisões recentes do segundo grau apresentam entendimentos divergentes. Para a Primeira Turma, a cobrança do benefício social familiar é lícita e não fere a autonomia sindical. Já a Segunda Turma entende que o benefício trata de uma contribuição assistencial como previsto no art. 513, “e”, da CLT, e, nesse caso, a sua cobrança compulsória ofende o direito de livre associação e sindicalização, cuja nulidade já foi reconhecida pelo TST. Fonte. 

No corpo do Voto

Como constou do julgado, “a contribuição social tem como finalidade prover recursos para o pagamento do denominado ‘benefício social familiar’ que, antes da entrada em vigor da lei 13.467/2017 era aplicada e cobrada dos trabalhadores da categoria profissional dos sindicatos” (fl. 1061).

Entretanto, a referida contribuição também deve ser autorizada pela vontade dos filiados ao sindicato. “Ao contrário do sugerido pelo recorrente, a natureza jurídica desta contribuição é não-tributária e o seu âmbito subjetivo de incidência é composto pelos membros filiados ao sindicato instituidor. Como decidido na origem, antes mesmo das alterações trazidas pela nova Lei 13.467/2017, todas as contribuições instituídas por meio de negociação coletiva, com exceção da contribuição sindical, possuíam caráter facultativo ao trabalhador e empregador (fl. 1062).

Não obstante, e de acordo com a r. sentença, “é necessária a autorização expressa e prévia da empresa atingida pela medida para se reivindicar dela o pagamento do “benefício social familiar”, não podendo o instrumento coletivo olvidar tal condição, uma vez que legalmente imposta” (fl. 962).

Dessa forma, não havendo nos autos prova da filiação da empresa, tampouco comprovação expressa e prévia de autorização para pagamento do “benefício social familiar”, indevida sua cobrança de forma compulsória (fl. 963).

Ao contrário do sugerido pelo embargante “todas as contribuições instituídas por meio de negociação coletiva, com exceção da contribuição sindical, possuíam caráter facultativo ao trabalhador e empregador. Nessa linha entendimento jurisprudencial do E. STF e do C. TST, consubstanciada, respectivamente, na Súmula Vinculante 40, no Precedente Normativo 119 e na Orientação Jurisprudencial 17 da SDC” (fl. 1062). (TRT-2 – EDCiv: 10006809620195020332 SP, Relator: MANOEL ANTONIO ARIANO, 14ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 01/12/2020)

A jurisprudência dos Tribunais em geral indica a ilegalidade da cobrança.

RECURSO DOS RÉUS. CONTRIBUIÇÃO COMPULSÓRIA. CUSTEIO DO BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR. OFENSA À LIBERDADE E À AUTONOMIA DO SINDICATO. COBRANÇA INDEVIDA. A norma coletiva instituída com a finalidade de custear a atividade do sindicato profissional, sob a justificativa de instituição de benefício social, a ser bancado pelos empregadores independentemente de filiação ao sindicato patronal, viola o direito de livre sindicalização, além de representar menoscabo à autonomia sindical. RECURSO DO AUTOR(…)(TRT-13 – RO: 00001215520205130029 0000121-55.2020.5.13.0029, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 02/12/2020)

BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR E TAXA DE APRIMORAMENTO. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL CAMUFLADA. DECLARAÇÃO DE INOPONIBILIDADE DE CLÁUSULAS CONVENCIONAIS. A instituição, por norma coletiva, de benefícios aos empregados, vinculados ao pagamento pelo empregador ao sindicato profissional, revela-se uma forma camuflada e impositiva de contribuição assistencial, malferindo o disposto no art. 8º da Constituição Federal, pois implica ingerência indevida dos integrantes da categoria econômica nas entidades sindicais profissionais. As dificuldades enfrentadas pelos sindicatos não os autorizam a contornar o ordenamento jurídico para instituir, de maneira transversa, caráter compulsório à contribuição assistencial. Recurso a que se dá provimento para declarar a inoponibilidade das cláusulas convencionais à empresa autora. (TRT18, RORSum – 0010585-31.2020.5.18.0052, Rel. GENTIL PIO DE OLIVEIRA, 1ª TURMA, 26/03/2021)

(TRT-18 – RORSUM: 00105853120205180052 GO 0010585-31.2020.5.18.0052, Relator: GENTIL PIO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 26/03/2021, 1ª TURMA)

Logo, a cobrança compulsória de valores a título de “benefício social familiar” é indevida, ferindo a legislação concorrencial, e  trabalhista.

Para o “Compliance” #ficaadica

Se quiser conhecer a verdade, somente pergunte algo como: Esse acordo sairia sem tal cláusula? O reajuste seria esse mesmo?

Nem precisa perguntar um monte de coisa, ou olhar um monte de documentos, como cálculo atuarial, contratos sociais, contratos com as empresas “geridas” , contratos das entidades sindicais com essas empresas….e outros…

Basta olhar o tema e orientar os que negociam pelas empresas e podem estar assumindo obrigações irregulares.

Ao RH #ficaadica, cuidado com o que você assina ou orienta assinar….

[1] https://www.prt6.mpt.mp.br/informe-se/noticias-do-mpt-go/2395-maio-lilas-2022-campanha-do-mpt-chama-atencao-para-a-importancia-dos-sindicatos

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.