A síndrome de burnout passou a ser considerada doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde em 2022. Quais são as principais mudanças no mercado de trabalho?

Na realidade, ela não foi reconhecida como doença, mas como uma síndrome, no código “QD85 Burnout”. Ou seja, é uma condição ligada ao trabalho, mas não como uma condição médica.

“Síndrome, em medicina, descreve um estado mórbido caracterizado por um conjunto determinado de sinais e sintomas clínicos que podem ter causas diversas, mas, em geral, não conhecida e não é, pois, uma doença”. [1]

A inclusão está no capítulo que trata de fatores que influenciam na saúde do trabalhador. Esse reconhecimento não é de agora, ou seja, não é em 2022 que houve essa inclusão, ao contrário, ela já existia no CID-10 e no CID-11 já antes de 2019. [2]

É importante verificar que, apesar de não ser uma doença reconhecida na OMS, nem desse “reconhecimento” estar saindo nas mídias agora, apesar de já estar lá há alguns anos, na prática, há o reconhecimento da OMS da síndrome de Burnout como uma condição relacionada ao ambiente de trabalho. O impacto desse fato é que o nexo causal existe com as condições do trabalho, e isso traz riscos de verificação de culpa do empregador.

No entanto, não é porque a condição do Burnout existe que há sempre culpa do empregador, pois pode decorrer de uma inadaptação do trabalhador a um determinado ambiente. A própria definição do CID-11 traz como sua característica um stress relacionado ao trabalho que não foi manejado com êxito. Mas justamente por isso, é muito importante que as empresas controlem sempre seu ambiente de maneira a o deixar o mais saudável possível, para evitar que casos assim surjam e que, se surgirem, sua causa seja investigada com seriedade, e mesmo que afastada alguma conduta inadequada da empresa, que o empregado receba tratamento adequado, para poder lidar melhor com as situações de stress.

Quais são os direitos dos funcionários que forem diagnosticados com a doença? Como
garanti-los?

Mais uma vez, não é uma doença mas uma condição relacionada ao trabalho. Qualquer doença dará direito a um afastamento previdenciários, se for o caso. As causas devem ser apuradas, se houver responsabilidade da empresa por atitudes dolosas, assédio ou outras que gerem tal condição, além dos direitos previdenciários, o empregador fará jus a uma indenização por danos.

O empregado que sentir tais sintomas deve buscar ajuda médica e se entender que há alguma relação com a conduta da empresa, ou seja, de algum outro empregado, deve buscar canais de
denúncia, o RH, ou se não tiver sucesso, meios externos como o MPT ou o seu sindicato. O importante e que ele colha provas dessa conduta, pois ela será necessária para provar se houve
mesmo culpa da empresa.

Podemos dizer que é um direito do empregador fornecer bem estar ao funcionário?
Acho que aqui seria dever não?

É um dever da empresa manter o ambiente de trabalho saudável. A saúde mental do empregado tem a mesma importância que a saúde física. Há muito preconceito ainda com as questões de saúde mental, e isso precisa ser combatido. É importante que a empresa tenha mios de detecção de problemas, canais de comunicação confiáveis, e inclusive sigilosos, que mapeie seu ambiente tenha regras de conduta claras e precisas, treine seus empregados e controle o cumprimento dessas regras.

Problemas de saúde mental podem ocorrer em qualquer ambiente e têm relação com a pessoa,
e com o ambiente. O que a empresa deve é evitar que ela seja a fonte geradora dessa condição
de prejuízo da saúde mental de seus empregados.

Caso o diagnóstico do funcionário seja confirmado, quais pontos serão avaliados pela Justiça
do Trabalho? (lauda médica, ambiente de trabalho, queixas etc.)

A Justiça do trabalho só vai avaliar a síndrome, se ela for discutida em uma ação, e nesse caso,
a bisca será não s de sua detecção, mas da detecção da sua causa, ou seja, se a empresa teve
ou não culpa no surgimento dessa condição, para determinar o direito ou não a uma
indenização. As provas são várias, um aludo psiquiátrico, com certeza, e provas orais,
documentais, sobre as condições de trabalho na empresa para detectar se houve sua culpa ou
não.

Qual é a importância do reconhecimento da síndrome de Burnout para o mundo trabalhista?

A síndrome já foi reconhecida há muitos anos. A relação com o trabalho é um elemento importante, porque reforça a importância de cuidado com o ambiente de trabalho nas empresas – privadas e públicas, e nos órgãos públicos de maneira geral, já que os problemas de saúde mental não estão só nas empresas privadas. O nexo com condições de trabalho facilita ao empregado ou ao funcionário que está sob tal condição, que caiba à empresa a prova de que não foi a responsável por tal condição, pois há a definição do nexo com o trabalho e a dificuldade em gerenciar o stress derivado dele.

No mundo trabalhista, de recursos humanos, segurança e medicina do trabalho, entendo que a
importância é de mais um elemento para reforçar a necessidade do cuidado global da suade
dos trabalhadores.

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.

1 Fonte: http://saude.culturamix.com/blog/wp-content/uploads/2010/03/sindrome-31.jpg
2 Fonte: https://www.who.int/news/item/28-05-2019-burn-out-an-occupational-phenomenon-international-classification-of-diseases