O Brasil, até 1988, tinha uma jornada semanal de 48 horas, com um máximo de 8 horas diárias, o que gerava um trabalho de 8 horas de 2ª a sábado, com o domingo livre.
O domingo era já trabalhado em algumas funções previstas na lei 605/1949, com suas regulamentações que definiam novas funções periodicamente, com necessidades técnicas de trabalhar aos domingos.
Com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), a jornada passou para 44 horas semanais, com um máximo de 8 horas diárias.
As empresas, no início mantendo as 44 horas semanais, então se adaptaram a diferentes turnos de trabalho, sendo os mais comuns, até algumas inovações atuais, sempre com uma hora de intervalo:
- 6 dias de trabalho, de 2ª a sábado, com 7h20 de trabalho diário
- 6 dias de trabalho, com 8 horas de 2ª a 6ª e 4 horas aos sábados.
- 5 dias de trabalho, com a compensação das 4 horas do sábado, acrescidas ou em 48 minutos de 2ª a 6ª feira, ou 1 hora de 2ª a 5ª feira;
Com o tempo, as horas de trabalho, em algumas atividades, especialmente escritórios, acabaram sendo reduzidas para 40 horas semanais.
No mundo, as experiências de redução demandaram décadas para redução gradual e planejada:
“En près de 60 ans, la durée du travail a baissé d’environ 25 % sur un panel de dix pays ayant un PIB par habitant parmi les plus élevés (graphique 1). Plusieurs facteurs ont contribué à cette baisse : la salarisation des économies tout d’abord, la diminution de la durée hebdomadaire collective et l’augmentation du nombre de jours de congés ensuite, le développement du travail à temps partiel enfin.”[1]
Em tradução livre:
“Em quase 60 anos, as horas de trabalho caíram cerca de 25% em um painel de dez países com um dos maiores PIBs per capita (Figura 1). Vários fatores contribuíram para esse declínio: em primeiro lugar, a natureza assalariada das economias; em segundo lugar, a redução da semana de trabalho coletivo e o aumento do número de dias de folga; e, em terceiro lugar, o desenvolvimento do trabalho em tempo parcial.”
No Brasil, fala-se muito da experiência francesa, mas a França levou 48 anos para reduzir a jornada de 45,1h em 1950, para 38,4 horas em 1998, e mais 8 anos para reduzir a 35 horas semanais.
Evolution de la législation sur le temps de travail en France
En France, la durée légale du travail a été réglementée par de nombreuses lois restéescélèbres, notamment :
– le décret du 9 septembre 1848 limitant la durée de travail à 12 heures par jour ;
– la loi du 30 mars 1900 réduisant la durée journalière de travail à 11h, puis à 10h30 ;
– la loi du 13 juillet 1906 instituant le repos dominical (semaine de 6 jours) ;
– la loi du 23 avril 1919 instituant la semaine de 48h et la journée de travail de 8h ;
– la loi du 21 juin 1936 instituant la semaine de 40h ;
– l’ordonnance du 16 janvier 1982 instituant la semaine de 39h ;
– les lois du 13 juin 1998 et du 19 janvier 2000 faisant passer la durée légale du travail à35h par semaine[3].
Em tradução livre:
“Evolução da legislação sobre a jornada de trabalho na França:
Na França, as horas de trabalho legais foram regulamentadas por várias leis conhecidas, incluindo:
– o decreto de 9 de setembro de 1848, que limita a jornada de trabalho a 12 horas por dia;
– a lei de 30 de março de 1900, que reduziu a jornada de trabalho para 11 horas e depois para 10h30;
– a lei de 13 de julho de 1906, que instituiu o descanso dominical (semana de 6 dias);
– a lei de 23 de abril de 1919, que introduziu uma semana de 48 horas e um dia de trabalho de 8 horas;
– a lei de 21 de junho de 1936, que instituiu a semana de 40 horas;
– a ordem de 16 de janeiro de 1982, que institui a semana de 39 horas;
– as leis de 13 de junho de 1998 e 19 de janeiro de 2000, que aumentam a semana de trabalho legal para 35 horas”.
A experiência na França visava, como em muitos países, gerar mais empregos, mas essa não foi a consequência direta:
Une étude de 2004 de la Direction de l’animation de la recherche, des études et desstatistiques (DARES) – l’une des évaluations les plus « favorables » à la mesure – a estiméque les lois Aubry avaient permis la création ou la préservation d’environ 350 000 emplois,ce qui correspond à près de 18 % des emplois nets créés entre 1998 et 2002. Cependant,selon cette étude, ces créations d’emplois résultaient davantage de la baisse descharges et de la plus grande fl exibilité dans l’organisation du travail, comprises dansles lois Aubry, que de la réduction du temps de travail . Les lois Aubry n’auront, enfi n, euqu’un impact limité sur le niveau du chômage en France.
Em tradução livre:
“Um estudo de 2004 realizado pela DARES (Direction de l’animation de la recherche, des études et desstatistiques) – uma das avaliações mais “favoráveis” da medida – estimou que as leis Aubry haviam levado à criação ou preservação de cerca de 350.000 empregos, correspondendo a quase 18% dos empregos líquidos criados entre 1998 e 2002. Entretanto, de acordo com esse estudo, essa criação de empregos se deveu mais à redução das cargas de trabalho e à maior flexibilidade na organização do trabalho incluídas nas leis Aubry do que à redução das horas de trabalho. No final, as leis Aubry tiveram apenas um impacto limitado sobre o nível de desemprego na França.”
Portanto, reduzir a jornada em 20% não gera 20% mais de emprego. A conta não é simples.
E pode haver impactos não estudados nas micro e pequenas empresas.
Há, também as experiências de 4 dias de trabalho na semana, estimuladas pelo movimento da “4dayweek”[4].
No entanto, nem todas deram certo – tanto em empresas grandes quanto pequenas -, o que mostra que um teste longo é necessário, e cada empresa deveria fazê-lo, exatamente como o movimento prega, ou seja, primeiro a empresa é treinada, analisa a situação, planeja e, então, implanta como teste. Pesquisas mostram que em 6 meses, os resultados são usualmente bons, mas em longos períodos, podem não dar certo.
Aqui, você encontra experiências ruins que podem servir de base para um estudo mais cuidadoso de como implantar tal mudança sem que haja um fracasso:
- Four-day workweek trial: The firms where it didn’t work[5]
- Five reasons why the four-day week won’t work[6]
- How our 4-day work week turned into a 2 year failed experiment[7]
Nesse último artigo, é muito interessante verificar as expectativas da empresa quando implantou esse regime de trabalho, que você encontra aqui: Why we work a 4 day week,[8] mostra que a experiência anterior da fundadora em uma empresa em que ela trabalha 40 horas semanais em 4 dias, não funcionou em uma startup.
Portanto, tudo deve ser planejado, como foi nos países que alteraram suas legislações, já que a lei atingirá todas as empresas – as que podem ou não ter esse tipo de trabalho.
Algumas atividades vão se utilizar de tecnologia para reduzir o tempo de trabalho, como mostra essa reportagem: “Escritórios de contabilidade utilizam IA e reduzem em 60% o tempo de trabalho”[9]
Muitas, por sua vez, atuarão em escalas para cobrir todos os dias de abertura necessária.
Portanto, a situação não é uniforme para diferentes empresas. No entanto, uma alteração constitucional baixará a regra da noite para o dia.
O Texto da PEC das “36” horas é:
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;” (NR)
Coloquei “36” entre aspas porque 8 horas em 4 dias gera uma jornada de 32 horas semanais e não 3. Portanto, os empregados trabalham 4 dias e meio ou mais de 8 horas por dia.
Na justificativa da nova proposta há: “…entende que, com a adoção da redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, como consequência teríamos o impulsionamento da economia brasileira e a redução de desigualdades, à medida que o aumento do consumo demandaria maior produção de serviços, resultando em mais contratações”
É uma conta simplista, que não é real.
Redução de hora de trabalho não gera aumento de qualidade de vida por si só, se trouxer estresse. Melhoria de condições de trabalho, investimento em tecnologia, em educação do trabalhador para que ele seja mais produtivo e consequentemente trabalhe menos horas, são alguns elementos para que essa qualidade seja alcançada.
Mais ainda, a depender da função, como os comissionistas, poderá haver redução de ganhos.
Se o intuito simples é gerar novos postos de trabalho, a ideia não é boa, como se viu acima na experiência francesa.
Nenhuma redução de jornada gera empregos por si só. Em 1986, a jornada no Brasil era de 48 horas semanais e a taxa de desemprego por volta de 3,0%, em 1988 a taxa de desemprego era de um pouco mais de 4% e em 1989, um pouco menos de 4%. Se a redução de jornada gerasse empregos, em novembro de 1988 a redução da taxa de desemprego deveria ser visível, pois mais 10% de trabalhadores seriam necessários, se você usasse esse raciocínio simplistas de “reduzir jornada = gerar novos postos de trabalho”[10].
No países em que a semana de quatro dias foi um sucesso, foi porque não houve perda de produtividade, ou seja, o trabalhador ficou mais focado e produtivo. Em quatro dias, fazia o mesmo que fazia em cinco. Portanto, nenhum posto de trabalho nasceu daí.[11]
A produtividade no Brasil caiu 4,5% apenas em 2022. Segundo pesquisa da FGV, “nos últimos 40 anos a taxa média de crescimento da produtividade do trabalhador brasileiro foi de 0,6% ao ano, uma das mais baixas do mundo.”[12]
No Jornal da USP, o Professor Paulo Feldman vê como uma das fontes dessa baixa produtividade, dentre outros fatores, a baixa qualidade da educação básica: “É uma questão cultural, sem dúvida nenhuma. À medida que o ensino fundamental é fragilizado, o comportamento ao longo da vida também será. Isso contribui para dispersão, baixo senso de responsabilidade”, diz[13].
O Brasil é um país com realidades muito diferentes. O instrumento coletivo deveria ser o que geraria esse tipo de alteração.
Sindicatos deveriam negociar a redução de jornada com empresas que podem fazê-lo. Mas não o fazem.
Muitas das grandes empresas já têm jornada de 40 horas semanais, e o fizeram por política interna. Ou seja, se para a realidade empresarial é possível reduzir, essa redução ocorre.
Investir em educação de base, em formação da mão de obra, e em tecnologia para as empresas são alguns dos caminhos possíveis.
Baixar uma norma com redução de jornada por si só não vai resolver e pode gerar mais problemas no índice de empregos no Brasil.
Além disso, vai prejudicar bastante as relações sindicais. Se entidades sindicais não olhavam para essa questão, não vão olhar agora, porque, havendo uma lei, a entidade sindical é desnecessária.
Já há uma PEC nos mesmos moldes, mas com uma redução gradual (148/2015[14]), que está tramitando. Essa PEC já passou pela Comissão de Constituição e Justiça, e está tramitando sem o alarde das redes sociais.
Se o que se quer é uma experiência de sucesso sem grandes riscos, a alteração gradual é mais viável, mas não vi ninguém discutindo a PEC nas mídias ou redes sociais. Pelo que vi, muitos políticos parecem nem saber dela.
Não vejo como uma redução de quase 20% na jornada com manutenção de salário será benéfica em um momento de alta de inflação e baixa atividade econômica. Quem gera emprego não é a lei, é economia andando bem, e a Reforma Trabalhista mostra isso. A alteração da lei não gerou novos postos de trabalho por si só.
Mas é um assunto, que, seja por iniciativa própria, por participação na experiência de 4 dias de trabalho, por necessidade de medir produtividade, as empresas vão olhar cada vez mais.
Ser pego de surpresa não é um bom negócio. Então, minha única dica ao RH, hoje, é: olhe para sua realidade:
- Como sua empresa trabalha?
- Você mede produtividade de empregados? Sabe que fatores a prejudicam ou desenvolvem?
- Investe em formação e tecnologia?
- Já fez simulações de redução de jornada?
- Analisou escalas possíveis se sua empresa trabalha 24×7?
- Verificou impacto de benefícios? Quais serão reduzidos? Quais seriam mantidos, como a assistência médica?
Enfim, a PEC não é boa, não é real, e pode não passar, mas é um bom motivo para você fazer uma lição de casa e olhar para os empregados da empresa.
Por Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.