Do Super-Herói ao Burnout: A queda silenciosa causada pelo estresse crônico (parte 1)
Burnout. Ah, o famoso burnout. De uns tempos pra cá, virou praticamente um “hit” da vida moderna. Se você não teve burnout ainda, será que está realmente se esforçando?
Ouvimos falar de burnout por todos os cantos: no trabalho, em conversas com amigos ou navegando pelo feed de notícias. Mas será que realmente sabemos o que ele significa?
Um detalhe importante é que burnout não é apenas aquele cansaço depois de um dia difícil ou o estresse pontual por causa de um chefe exigente. Burnout é o resultado de um estresse crônico e prolongado, que vai se acumulando até que a mente e o corpo simplesmente não conseguem mais lidar. Ele é mais profundo e devastador do que o estresse cotidiano.
Burnout = esgotamento extremo
Burnout é um termo que a psicologia clínica usa para descrever um esgotamento extremo, onde você se sente tão emocionalmente esgotado que um simples pedido de “bom dia” pode ser a gota d’água.
E quando digo esgotado, não estou falando de cansaço físico. É aquele tipo de exaustão que não passa com uma boa noite de sono ou com um fim de semana na praia. É um “estou no meu limite e não consigo lidar com mais nada”, mesmo que você tenha acabado de voltar de férias.
Você conhece alguém assim?
Isso me lembra o caso de um colega de trabalho. Era impossível não gostar dele. Sempre bem-humorado, era o tipo de pessoa que chegava na empresa espalhando bom dia para todos os cantos, conversando e brincando com colegas.
Além de ser excelente no que fazia, ele tinha uma energia contagiante. Estava sempre disposto a ajudar, e se fosse necessário ficar além do horário para resolver problemas de última hora, ele não hesitava.
Era o famoso “apaga-incêndios” da equipe. E mesmo com a rotina pesada do trabalho, ele parecia equilibrar tudo perfeitamente: se exercitava regularmente, cuidava da alimentação, suas redes sociais eram sempre cheias de fotos curtindo uma praia, um passeio, uma viagem.
Mas… ele mudou
Mas, com o tempo, as coisas começaram a mudar. Aos poucos, ele foi se afastando das conversas, chegava mais tarde e parecia ter perdido aquele brilho natural que todos admiravam.
Ele ainda fazia seu trabalho, mas já não tinha o mesmo entusiasmo. A simpatia e o bom humor deram lugar à irritação. Pequenas coisas começaram a incomodá-lo e, de alguém sempre disposto a ajudar, ele passou a se fechar.
Foi quando, em um dia qualquer, ele não apareceu no trabalho. Ninguém sabia o que tinha acontecido. Mais tarde, ele contou que estava a caminho da empresa, dirigindo pelo trajeto de sempre, quando tudo mudou.
Num instante, sua mente parecia ter apagado e, quando “religou”, ele se viu parado no meio de um túnel, em meio ao trânsito, sem saber onde estava ou para onde ia. O som das buzinas dos carros atrás dele ecoava como um pânico crescente.
Ele suava frio, as mãos tremiam e, por um momento, ele esqueceu como dirigir. O medo tomou conta. Ele mal conseguiu sair daquele estado e, em vez de ir para o trabalho, foi direto ao médico.
Então, bingo! Burnout
O diagnóstico veio rápido: era burnout. O esgotamento silencioso que havia se acumulado ao longo dos meses, até chegar ao ponto em que seu corpo e mente simplesmente não aguentavam mais.
Algo nessa história te soa familiar?
Se sim, talvez seja hora de encarar o problema de frente. E a pergunta que surge é essencial: como saber se o que você está enfrentando é, de fato, burnout e não apenas cansaço acumulado?
E, mais importante ainda, quais são os sinais que o seu corpo e mente podem estar te enviando, mas que você pode estar ignorando?
Esgotamento emocional: por que mesmo descansando você ainda está cansado?
Primeiro, vamos entender um sintoma clássico do burnout: a exaustão emocional. Não, não é o mesmo que estar apenas fisicamente cansado. A exaustão emocional é aquele estado em que você sente que não tem mais energia para lidar com absolutamente nada.
Imagina que sua vida é um castelo de cartas, e qualquer brisa, qualquer pequena mudança, pode derrubá-lo. É assim que se sente alguém emocionalmente esgotado.
Mesmo que você durma bem, coma bem, faça suas pausas – nada parece funcionar. Você volta ao trabalho na segunda-feira e, em vez de se sentir revigorado, se sente esmagado pelo peso de mais uma semana.
“Mas como assim? Eu acabei de descansar!“, você pensa.
E aí está o alerta em que você precisa estar atento: a exaustão emocional não desaparece com um simples descanso físico porque não é sobre cansaço do corpo. É como se sua mente e suas emoções estivessem em um estado constante de sobrecarga, e nada parece aliviar.
Christina Maslach, uma das principais especialistas no estudo do burnout, professora emérita de Psicologia na Universidade da Califórnia, Berkeley, foi pioneira em pesquisas sobre o tema nas décadas de 1980 e 1990. Em seus estudos ela explica que o esgotamento emocional acontece quando as demandas emocionais e cognitivas superam a sua capacidade de recuperação.
A mente dá game over
Ou seja, não é o seu corpo que está exausto, mas a sua mente que não consegue mais lidar com o estresse acumulado. No artigo “Burnout: A Multidimensional Perspective“, ela detalha como o esgotamento emocional é o primeiro estágio de um ciclo que afeta, em última instância, a produtividade e a saúde mental.
Ela ressalta que, enquanto o cansaço físico pode ser remediado com uma boa noite de sono, a exaustão emocional se aprofunda com o tempo, criando uma sensação de desamparo e desconexão.
Então, mesmo que você faça pausas físicas, esse estado mental sobrecarregado não desaparece tão facilmente porque é mais do que apenas cansaço – é uma desconexão entre o que você precisa emocionalmente e o que consegue oferecer no dia a dia.
Despersonalização: quando todos começam a te irritar (inclusive você mesmo)
Outro sintoma interessante – e um tanto preocupante – do burnout é algo chamado “despersonalização” ou, para os íntimos, o famoso cinismo. Se você já se pegou revirando os olhos mais vezes do que consegue contar, sentindo que cada comentário, cada pergunta, cada pedido é como um ataque pessoal… bem-vindo ao clube.
Nesse estágio, você sente que está à beira de explodir com as pessoas ao seu redor – sejam elas clientes, colegas ou até amigos. A paciência se torna uma mercadoria rara, e sua resposta padrão para qualquer interação humana é algo entre um suspiro profundo e um pensamento não tão positivo. Você começa a achar que todo mundo tem segundas intenções, e, de repente, o mundo inteiro parece estar conspirando para te tirar do sério.
Agora, por que isso acontece?
Quando estamos profundamente esgotados, algo muito importante acontece no nosso cérebro: nossa capacidade de empatia, de nos conectarmos de verdade com as pessoas ao nosso redor, começa a se desgastar.
Autodefesa mental
Isso ocorre porque a despersonalização é uma forma de autodefesa mental. Sua mente, sobrecarregada pelo estresse, busca se proteger, criando uma barreira emocional.
Você se distancia dos outros como forma de evitar qualquer envolvimento que possa ser emocionalmente drenante. Isso pode até funcionar temporariamente, mas a longo prazo, cria uma sensação de isolamento.
É por isso que, nesse estágio, qualquer interação social pode parecer um fardo. Pequenas perguntas ou simples conversas começam a parecer irritantes, como se fossem ataques pessoais. Você perde a paciência rapidamente, e sua resposta para qualquer interação humana acaba se tornando cínica ou desinteressada.
Isso é perigoso porque, à medida que essa irritabilidade cresce, você se afasta emocionalmente das pessoas e começa a sentir que ninguém está do seu lado, o que só intensifica a sensação de desconexão.
E aí, o efeito dominó começa: quanto mais você se isola emocionalmente, mais solitário você se sente. Esse distanciamento te impede de encontrar apoio nas pessoas ao seu redor, e o ciclo de esgotamento vai se agravando.
A sensação de que nada que você faz importa
Eu tenho certeza que, pelo menos uma vez na vida, você já se identificou com esse sentimento aqui, talvez o mais devastador de todos: a sensação de ineficácia pessoal. Esse é aquele sentimento de que, não importa o quanto você se esforce, nada parece fazer a menor diferença.
Você pode estar fazendo um bom trabalho, entregando suas tarefas ou cumprindo suas metas, mas a sensação é de que isso não tem valor algum. É como se existisse uma barreira invisível entre o seu esforço e o resultado que você esperava. E isso é profundamente frustrante, não é?
Essa sensação surge muitas vezes de uma desconexão entre o que você pensava que faria e o que realmente está fazendo. É o famoso “não era isso que eu queria quando entrei nessa”. É como aquele professor universitário que se torna diretor de faculdade pensando que vai transformar a vida dos alunos, mas acaba se vendo preso em um emaranhado de burocracia sem sentido.
A sensação é de que o trabalho que você valoriza e acha importante simplesmente não importa mais. E, quando isso acontece, o sentimento de desânimo é inevitável.
Isso é bastante comum quando há uma dissonância entre as expectativas que você tinha ao assumir uma função e a realidade do dia a dia.
O que isso significa?
Quando você começa em um novo trabalho ou projeto, você normalmente tem expectativas claras de como será, talvez algo que te motive profundamente, que esteja alinhado com seus valores e objetivos pessoais.
Pode ser a ideia de que você vai causar um impacto significativo – como o professor achou que seria -, aprender novas habilidades ou crescer na carreira.
No entanto, quando a realidade do trabalho não corresponde a essas expectativas — seja porque as tarefas diárias são repetitivas, burocráticas ou não têm o impacto que você esperava — seu cérebro começa a perceber essa desconexão.
Essa sensação de descompasso faz com que as tarefas, antes motivadoras, pareçam irrelevantes ou até mesmo inúteis. Nosso cérebro precisa de um sentido claro para se manter motivado, e quando não conseguimos enxergar esse sentido no que fazemos, a motivação naturalmente diminui.
É dissonância cognitiva
A psicologia chama essa percepção de “dissonância cognitiva”, que ocorre quando existe um conflito entre o que você acredita e o que realmente acontece. Esse conflito te faz sentir estresse e desconforto, porque sua mente está tentando conciliar duas realidades opostas.
Por exemplo, se você valoriza muito o impacto social do seu trabalho, mas seu dia a dia é preenchido por tarefas administrativas que não parecem mudar nada, esse choque cria uma sensação de que o que você faz não tem importância.
E aqui está o problema maior: essa sensação é auto alimentada. Quando você se sente irrelevante, a sua motivação para mudar a situação cai, porque parece que nenhum esforço adicional fará diferença.
Isso acaba em um ciclo negativo, onde quanto menos você vê sentido no trabalho, menos energia você coloca nele, e, por consequência, menos satisfação você tem. Esse ciclo é o que torna o burnout tão perigoso, porque vai minando aos poucos sua capacidade de reagir, até que o esgotamento completo toma conta.
E quando isso acontece, a recuperação não é apenas uma questão de descanso físico — é preciso se reconectar com os valores que motivaram você inicialmente.
Mas o que realmente causa burnout?
Vamos então às causas. Porque entender o problema é o primeiro passo para evitá-lo. E um dos principais culpados é o aumento da carga de trabalho. Não estamos falando apenas de horas extras, mas da sensação de que o trabalho nunca tem fim.
Parece que você está sempre correndo para resolver um problema, mas antes de conseguir respirar, já surge outro. Esse ciclo de “se sentir apagando incêndios” coloca seu cérebro em estado de alerta constante, o que é extremamente desgastante.
E não é só impressão sua! Um estudo publicado no Journal of Occupational Health Psychology, em 2016, mostrou que a falta de tempo para se desligar mentalmente do trabalho está diretamente ligada ao aumento do estresse e do burnout.
Em outras palavras, quando você não consegue dar uma pausa verdadeira e deixar o trabalho de lado, sua mente e seu corpo continuam “ligados”, como se ainda estivessem trabalhando, mesmo fora do expediente. Isso impede sua recuperação, fazendo com que a exaustão se acumule.
Sem relaxar de verdade = burnout
E, convenhamos, não adianta dormir ou tirar um fim de semana de folga se sua mente não consegue relaxar de verdade.
Outra grande causa de burnout é a sensação de injustiça no trabalho. Sabe quando você se dedica ao máximo, mas sente que seu esforço não está sendo reconhecido, seja em termos de salário, promoção, ou até mesmo um simples feedback positivo?
Pois é, isso tem um impacto direto. Christina Maslach também explica que essa falta de alinhamento entre o que você dá e o que recebe em troca é uma das principais fontes de esgotamento emocional. No livro “The Truth About Burnout“, ela fala que quando você percebe que seu trabalho não é valorizado, começa a se sentir frustrado, e isso mina sua motivação.
“Quando as pessoas percebem que seu esforço não está sendo recompensado ou reconhecido de maneira justa, o sentimento de frustração aumenta. Isso começa a minar sua energia, comprometendo tanto o desempenho quanto a satisfação com o trabalho”. – Christina Maslach
Não sou tratado de maneira justa
Ela também mencionou, em uma palestra para a Association for Psychological Science (APS), que essa desconexão entre esforço e recompensa não afeta apenas o seu humor, mas também como você se relaciona com os colegas e com o ambiente de trabalho.
Quando você sente que não está sendo tratado de maneira justa, a sensação de pertencimento desaparece, e isso acaba criando um ambiente tóxico que agrava ainda mais o burnout.
Tudo isso – o trabalho que parece nunca acabar e a falta de reconhecimento – cria um ciclo perigoso. E quanto mais preso você está nisso, mais difícil fica se sentir motivado e menos valorizado você se sente. Mas será que tem como sair desse ciclo? A resposta é sim. Mas, você vai descobrir na segunda parte deste artigo, é só clicar neste link aqui!
Por Charles Betito, Especialista em Saúde Mental Corporativa | Consultor de Treinamento e Desenvolvimento. Com mais de 20 anos de experiência em meditação e práticas de atenção plena, adquiriu habilidades em tecnologia e inovação por meio de treinamento avançado em instituições de renome como o MIT, Singularity University e o Institute for The Future.
🎧Ouça o Episódio 181 do Podcast RH Pra Você Cast: “A Saúde dos Trabalhadores Está em Risco?”
Introdução
A abordagem das empresas em relação à saúde dos colaboradores traz otimismo. Desde a pandemia, o bem-estar e a qualidade de vida passaram a ser assuntos obrigatórios nas organizações para que elas se mantenham competitivas.
A Prática é Tão Positiva Quanto o Debate?
Contudo, será que a prática é tão positiva quanto o debate? Segundo uma pesquisa recém-realizada pela Alice, ainda existem muitos gaps a serem corrigidos.
Pesquisa da Alice Revela Gaps na Saúde dos Trabalhadores
Para falar mais sobre o estudo e também a respeito do cenário da saúde do trabalhador para 2024, batemos um papo com Sarita Vollnhofer, CHRO da Alice. Confira abaixo:
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