Os padrões de comportamento podem ser analisados a partir de diferentes perspectivas, que podem contemplar desde um indivíduo fazendo escolhas, dentro da sua rotina, uma empresa estruturando seus processos e práticas até uma perspectiva mais macrossocial, que diz respeito a entender como grupos sociais estabelecem padrões que durarão por gerações futuras. 

Embora o imaginário e o senso comum falem muito de agência individual e mudanças, é possível pensar que, a despeito das narrativas que valorizam o poder de escolha dos indivíduos, vivemos inercialmente dentro de padrões e estruturas sociais.

RH TopTalks 2023

Impulsionados por valores como eficiência e rapidez, com o suporte dos recursos da tecnologia, estamos cada vez mais ausentes de escolhas fundamentais sobre nossas vidas e, talvez, alimentando padrões de que colocam em risco a saúde mental dos indivíduos, a viabilidade das organizações e a sustentabilidade do nosso planeta.  

É possível propor um novo olhar sobre esse tema, articulando a dimensão da experiência pessoal e dos padrões sistêmicos, a partir do conceito de emaranhamentos. 

Emaranhamentos são os entrelaçamentos entre pessoas e coisas, que possibilitam e canalizam as práticas cotidianas. Podemos exemplificar de forma simples o conceito de emaranhamento a partir da disseminação do uso do whatsapp. Em menos de uma década, essa mídia social se tornou uma ferramenta nas atividades cotidianas como trabalhar, se divertir, fazer compras, cuidar da família, dentre tantas outras atividades fundamentais que compõem a vida cotidiana.

No contexto das organizações, para a maioria das pessoas e equipes de trabalho, parece difícil pensar alternativas de comunicação mais rápidas e abrangentes. O poder dessa ferramenta se evidencia numa pergunta simples: o que aconteceria se um indivíduo optasse por descontinuar o uso do whatsapp?

Provavelmente essa pessoa perderia informações importantes dos vizinhos de mesa no escritório, as confraternizações, notícias, piadas e fofocas que todos estão participando. Quanto tempo e esforço adicional seria preciso para marcar uma simples reunião ou obter uma informação rápida, mas fundamental?

Ao mesmo tempo em que tornou as atividades mais convenientes e rápidas, o whatsapp também traz desafios a serem observados e cuidados coletivamente. São comuns as reclamações de profissionais que são acionados a qualquer hora do dia ou da noite, com perguntas e tarefas do trabalho. Ou demandas inesperadas, que interrompem a rotina e tiram o foco de projetos em andamento que são prioridades.

Há ainda o empobrecimento da comunicação, onde conteúdos são transmitidos sem a devida possibilidade de feedbacks não verbais. Através do whatsapp é reduzida a capacidade de perceber como uma dada interação afetou negativamente quem recebe a mensagem. Assim, dívidas emocionais dentro das equipes vão sendo criadas sem que os participantes tomem conhecimento do que está acontecendo. Há ainda repercussões importantes em aspectos relacionadas a confidencialidade e segurança de informações.

No contexto dos emaranhamentos, quando certas pessoas ou coisas se tornam tão poderosas e pervasivas, elas têm a capacidade de moldar tanto os meios como fazemos, quanto a própria natureza das práticas e os seus resultados. No caso do whatsapp podemos pensar como ele impacta a comunicação cotidiana, cada vez mais habitual, funcional e pouco empática, mesmo quando ela acontece de forma presencial.

Emaranhamentos se cristalizam nos contextos de luta cotidiana contra ineficiências diárias, incompatibilidades, inadequações enfrentadas pelos indivíduos em determinadas situações e dificuldades de seguir suas rotinas. Os emaranhamentos surgem porque junto com os benefícios associados aos consumos, também vivenciamos limites, restrições e consequências, que nem sempre estamos dispostos ou podemos enfrentar isoladamente.

De maneira geral, as práticas mais difíceis de mudar são aquelas que estruturam a vida social, que servem de pano de fundo e engrenagem para as relações entre pessoas e coisas.

Nos emaranhamentos, o maior risco está em ser guiado por esses processos habituais e inconscientes sem se dar conta dos efeitos negativos que eles têem na vida dos indivíduos e organizações. Por fim, os emaranhamentos exigem reflexões e escolhas que não são individuais, pois exigem reflexões coletivas.

Voltando ao exemplo do whatsapp, qual o efeito dessa tecnologia na forma como tomamos decisões, planejamos nossas atividades, interagimos e nos comunicamos uns com os outros?

Quais as suas consequências e como a organização pode intervir para evitar a escalada de conflitos e atropelos?

Como podemos disciplinar e tornar seu uso mais ponderado e saudável para todos? 

E na sua empresa?

Como as ferramentas estão moldando as formas como todos interagem e trabalham, em detrimento da escolha e inteligência?

E quais emaranhamentos podem estar trazendo efeitos muito nocivos para o futuro da organização?

Sua organização administra os emaranhamentosPor Maribel Carvalho Suarez, professora associada do COPPEAD onde ministra cursos no mestrado, doutorado e MBA. Fez pós-doutorado na Schulich School of Business (York University/Canadá) e doutorado em Administração de Empresas pela PUC-RJ. Seu principal tema de pesquisa se relaciona com as mudanças nos padrões de comportamento.

 

Ouça o episódio 144 do RH Pra Você Cast “Essa reunião poderia ter sido um e-mail”: como aumentar a produtividade?“. “Não sei se estou vivendo ou apenas participando de reuniões”. O universo de “memes” sobre a quantidade de reuniões nas empresas é vasto, mas isso porque a realidade, muitas vezes, pode ser exatamente essa. Um estudo realizado pela Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, revelou que reuniões desnecessárias custam mais de R$ 500 milhões por ano às empresas. Além disso, 70% dos entrevistados declararam fazer outras atividades durantes as reuniões (online). Em um cenário de modelos diversos de trabalho, há, de fato, uma maneira de tornar as reuniões mais estratégicas e produtivas? Quando uma reunião é realmente necessária? Qual foi a “herança” da pandemia nesse universo? Conversamos sobre tudo isso com David Braga, CEO, board advisor e headhunter da Prime Talent e professor convidado pela Fundação Dom Cabral. Confira o papo clicando no app abaixo:

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Capa: Depositphotos