A sigla CID significa Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID).

Uma tabela publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que fornece uma linguagem comum para registro e monitoramento de doenças. Isso permite que profissionais de todo o mundo comparem e compartilhem dados de forma consistente e padronizada entre hospitais, regiões e países.

A nova classificação conta com 55 mil códigos únicos para lesões, doenças e causas de morte versus 14.400 da CID-10 e entrou em vigor em 1º de janeiro de 2022.

A Síndrome de Burnout foi uma das doenças redefinida na CID 11 e tem forte relação com o estilo de vida. Essa enfermidade está propositalmente fora do capítulo que trata dos transtornos mentais e comportamentais, uma vez que a OMS a reconhece como resultante do estresse crônico no local de trabalho, que não foi gerenciado de forma adequada.

Ou seja, um problema da gestão e da empresa, e não do empregado. Assim, o diagnóstico de Burnout se refere apenas aos fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado em outras áreas da vida.

As principais marcas do Burnout são o sentimento de exaustão ou esgotamento, o aumento do distanciamento mental ou cinismo relacionado ao próprio trabalho e a redução progressiva de sua capacidade profissional. O que muda para as empresas com a vigência da inclusão do Burnout na CID?

Sendo uma doença ocupacional, ela aponta para a responsabilidade direta e indireta que a empresa tem sobre a saúde integral dos seus colaboradores.

O Burnout acontece quando a empresa pede mais do que o indivíduo pode dar e oferecer menos do que ele precisa para superar seus desafios. Empresas reduziram mais de 10, 20% do seu efetivo e redistribuíam a carga com os que ficaram, sem avaliar os efeitos sobre a saúde mental dos seus colaboradores, tanto pelo excesso de demanda, quanto pelo medo de estar na próxima lista de demissões.

Na classificação anterior, o CID-10 de 1990, não havia a palavra Burnout, mas uma versão atenuada, definida como Síndrome do Esgotamento Profissional (Z.73) classificada como problemas relacionados com a organização do seu modo de vida, ou seja, um problema do indivíduo que o levaria a adoecer.

Isso muda com a nova classificação na CID-11, onde o Burnout é categorizado como doença ocupacional, ou seja, o adoecimento é de uma condição do trabalho e não do trabalhador.

Vale considerar que a Reforma Trabalhista fixou alguns quesitos para que o aplicador do direito possa se nortear na hora de aplicar os princípios garantistas, tanto na mensuração e aplicação da Responsabilidade Civil, bem como, do dano moral e seus critérios subjetivos. Como o Burnout é uma doença crônica e não há certeza sobre a possibilidade de cura, há o reconhecimento passível da reparação por danos morais.

A lei reconhece que a exigência excessiva por resultados não gera apenas desconforto no colaborador, ela é o potencial desencadeador de psicopatologias, como o Burnout, a ansiedade e a depressão por esgotamento, o que representa prejuízo moral de difícil reversão ou até mesmo irreversível. Uma vez verificado o nexo causal, a reparação deve abranger todas as esferas que foram abaladas na vida do empregado, não somente os danos patrimoniais, bem como, os extrapatrimoniais.

Os Tribunais também entendem que, em se tratando de doença ocupacional ou de acidente do trabalho, a culpa é presumida, em virtude de o empregador ter o controle sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício.

Entretanto, será muito difícil o diagnóstico diferencial entre Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), Depressão por Esgotamento (DE) da Síndrome de Burnout (SB), uma vez que, todos tem forte relação com o contexto do trabalho e da vida. O TEPT mais ligado ao contexto COVID, decorrentes das perdas e traumas fortemente relacionadas com internações e risco de morte, perda de parentes e amigos, incertezas ligadas ao desemprego etc.

A DE ligada ao esforço excessivo para gerenciar a vida em home office, alterações do sono e da rotina, ansiedade relacionada ao risco de contágio e a SB está mais ligada aos elementos da gestão, como as demandas excessivas do trabalho (considerando o novo contexto), excesso de reuniões, ameaças de demissão, assédio moral entre outros fatores.

Todos os quadros acima são incapacitantes e com forte impacto na segurança do trabalho (redução da atenção focada, aumento de distrações e acidentes); queda significativa na produtividade (mais esforços com menos resultados, gerando uma cobrança ainda maior) e importante queda da qualidade de vida e dos mecanismos de recuperação da energia, desequilibrando a frágil balança trabalho/vida pessoal.

Diante disso, as empresas precisam aprender a atuar preventivamente e proativamente para enfrentar esses problemas. O primeiro passo é entender “como não devem atuar”, como por exemplo, não tratar apenas os sintomas, sem entender o contexto e a cultura que adoece as pessoas.

O entendimento das causas, mesmo que isso seja um caminho desconfortável, traz luz sobre uma importante mudança na nossa forma de viver e trabalhar. Oferecer ações paliativas como meditação, suporte psicológico online e academia de ginástica, sem considerar os fatores da gestão/organização que estão adoecendo as pessoas me parece, no mínimo, ingenuidade.

É preciso analisar o grau de adoecimento das diferentes gerências, entender o contexto de um setor e ver se há, no ambiente e na gestão, pressões que afetem a saúde mental do colaborador. Nas pesquisas que realizamos (mestrado e doutorado) foi identificado o papel do chefe imediato na percepção da pressão ou do suporte para lidar com ela. O chefe imediato é o principal elemento que, isoladamente, mais pode influenciar o resultado final.

As respostas para desafios complexos não podem ser encontradas em uma “mente brilhante”. Essa nova categoria de respostas emerge quando você ouve a operação, buscando mapear toda forma de pressão desnecessária. Chamamos isso de Inteligência Coletiva, porque as respostas vêm do grupo. Ouvir (de verdade) as equipes operacionais pode ser uma importante estratégia para aumentar a efetividade dos resultados e da segurança.

Vivemos um tempo em que, no futuro, os historiadores olharão nossos dias e falarão que o Contexto COVID foi um ponto de inflexão nas organizações e que a reclassificação do Burnout como doença ocupacional foi um marco nas relações trabalhistas. Nós vimos isso no passado com outros temas como a qualidade, a segurança do trabalho e depois com o meio ambiente.

Embora tardio, agora chegou a vez da saúde mental do trabalhador como indicador da qualidade da gestão. Recentemente, li num artigo da Harvard Law School que os fundos de investimento estão olhando para a gestão da saúde integral (eles evitam falar de saúde mental) como um dos elementos do S, dentro da sigla ESG (meio ambiente/sustentabilidade/governança) na análise de seus investimentos.

Os historiadores dirão ainda que, nesses tempos complexos, o RH alcançou um outro patamar de relevância na estratégia organizacional, trazendo diretrizes para o um novo Design Cultural onde a inteligência coletiva, resultante de uma relação de confiança, abriu uma nova perspectiva para o trabalho e para a vida.

Os dias têm sido difíceis sem dúvida, mas tanto no trabalho quanto na vida, as pessoas mudam quando elas precisam e não quando elas querem. Precisamos aproveitar esse “pit stop” para redefinir qual a corrida que realmente vale a pena correr.

Síndrome de Burnout como doença de trabalhoPor Roberto Aylmer, Médico, Ph.D. pela Rennes School of Business, França. Professor, Consultor da Aylmer Desenvolvimento Humano e especialista em gestão estratégica de pessoas.

 

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