Setembro Amarelo: gestão e responsabilidade jurídica no trabalho

Em recente pesquisa realizada pelo Ministério da Previdência Social, no ano de 2023, foram concedidos 288.865 benefícios por incapacidade decorrente de transtornos mentais e comportamentais. 

Mesmo que ainda se tenham reflexos da pandemia, atribuir exclusivamente a ela esses números é uma tentativa de maquiar a realidade de adoecimento ocupacional que vem ganhando ainda mais presença no meio corporativo.

Reconhecendo a responsabilidade corporativa

A doença ocupacional é aquela que decorre de situações que acontecem no ambiente de trabalho e/ou na atividade propriamente dita, e pode ter reflexos tanto físicos, como emocionais e psicológicos, como é o caso do adoecimento mental.

É importante, contudo, que haja um nexo, ou seja, uma relação efetiva entre o meio ambiente de trabalho e/ou a atividade propriamente dita, e o adoecimento do indivíduo, para ser classificado como doença ocupacional. 

A dificuldade reside em reconhecer um ambiente tóxico, uma liderança perniciosa, um time excessivamente competitivo, causando adoecimento mental. Indivíduo esse, não raro, identificado como fraco e sem aptidão para o “mercado”.

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Esse processo parte da necessidade de assumir que a forma de fazer negócios e o ambiente de trabalho estão adoecidos; é preciso, ainda, reconhecer outros pontos, como abusividade de metas, horas extras excessivas, falta de treinamento de gestores e colaboradores, entre outros. Há uma longa lista de má governança corporativa, sendo perpetuada como um método de “fazer dar certo” e “mentalidade empreendedora”.

Olhar para o espelho e assumir todas as responsabilidades por uma deficiência na gestão de pessoas, e as consequências organizacionais e jurídicas que dela decorrem, é assumir publicamente uma responsabilidade em fazer alguma coisa a respeito, que, muitas empresas, não querem assumir.

O setembro amarelo, é o mês de conscientização e prevenção ao suicídio, e por isso é conhecido por suas diversas ações centradas na saúde mental, que, em grande maioria, não passam de piada para os colaboradores que se sentem cegos e invizibilizados em suas demandas diárias. Não é sobre um único mês, é sobre estabelecer uma cultura corporativa centrada no cliente interno – o funcionário.

No contexto das boas práticas de ESG e compliance, é preciso pensar em maneiras de incorporar a cultura organizacional a preocupação com a saúde mental, tornando essas ações como parte da rotina empresarial, buscando um indicador claro: a saúde do colaborador, independente do seu nível hierárquico.

O ambiente corporativo é naturalmente sob pressão. Não adianta romantizar uma realidade que não existe, não se navega em águas tranquilas, e muitos, nem querem isso. Porém, isso não significa que aqueles que trabalham nesse ambiente passem pela mesma situação. 

Responsabilidade do empreendedor: equilibrando riscos e compromissos humanos

Lembre-se, quem assume o risco do negócio é o empreendedor, portanto, é ele também quem recebe os louros desse risco, também é ele que pode tirar férias “fora de época” (ou que nunca tira), optar por não trabalhar naquele dia específico, decidir mudar os rumos do negócio.

Não é razoável pedir ao colaborador que tenha o pensamento de dono, que assuma os mesmos riscos e empenhe-se com o mesmo vigor, se a sua contrapartida não se parece em nada com a de um.

Empreender é uma escolha, sim. Mas, que vem com uma série de compromissos anexos, dentre eles, o de responsabilidade com a vida das pessoas que fazem parte do seu ecossistema. A responsabilidade de gerir o seu negócio, levando em consideração que seus recursos são, em grande parte, humanos, e como humanos devem ser tratados.

Não se trata apenas de criar um ambiente saudável e de apoiar a saúde mental dos colaboradores, mas também de implementar práticas que garantam que a saúde e o bem-estar dos funcionários sejam prioridades reais e não meramente superficiais.

Uma gestão responsável deve investir em treinamentos contínuos sobre saúde mental e bem-estar no ambiente de trabalho, além de criar políticas de suporte que não apenas reconheçam, mas também tratem problemas de saúde mental de forma proativa e sensível.

Isso pode incluir a criação de canais de comunicação onde os colaboradores se sintam seguros para expressar suas preocupações e buscar ajuda, a oferta de serviços de apoio psicológico e programas de orientação e desenvolvimento pessoal que ajudem a lidar com o estresse e outros desafios.

Além disso, é fundamental que as empresas adotem uma abordagem preventiva, implementando estratégias para identificar sinais de estresse e burnout antes que eles se agravem. Essas medidas podem envolver a realização de avaliações regulares do ambiente de trabalho, a promoção de uma cultura de feedback aberto e a garantia de que todos os funcionários, independentemente de sua posição na hierarquia, tenham acesso aos mesmos recursos e oportunidades de suporte.

Integrando saúde mental e gestão: compromissos além do Setembro Amarelo

No final das contas, uma cultura corporativa que verdadeiramente valoriza a saúde mental não apenas promove a felicidade e o bem-estar dos colaboradores, mas também contribui para a eficiência e o sucesso a longo prazo da organização.

Colaboradores saudáveis são mais produtivos, engajados e leais, o que, por sua vez, reflete positivamente nos resultados da empresa. Portanto, é uma questão de equilíbrio: investir na saúde mental e no bem-estar dos funcionários é, sem dúvida, um investimento no futuro da própria empresa.

A conscientização e a ação devem ir além do Setembro Amarelo. É preciso transformar o compromisso com a saúde mental em uma prática contínua e integrada ao modelo de negócios, para que todos os colaboradores sintam que suas necessidades estão sendo atendidas de maneira justa e eficaz.

A responsabilidade é de todos, e a liderança deve dar o exemplo, demonstrando que a saúde mental e o bem-estar são prioridades reais e integradas ao core business da empresa.

Setembro Amarelo: gestão e responsabilidade jurídica

Por Amanda Ramalho, especialista em Direito Empresarial e Compliance. Com mestrado em Direito pela Universidade da Amazônia (UNAMA), Doutoranda em Direito Comercial pela PUC/SP.

 

 

🎧Ouça o episódio 191 do podcast RH Pra Você Cast, “Novo certificado de saúde mental: o que, afinal, é esperado das empresas?”

Em março, entrou em vigor a Lei 14.831, que estabelece um certificado reconhecendo empresas como promotoras do bem-estar e qualidade de vida de seus colaboradores.

Mas o que exatamente essa lei exige?

Será que as práticas comuns são suficientes para obter a certificação?

A advogada Maria Lucia Benhame, especialista em direito empresarial, nos orienta sobre essa nova legislação. Confira!

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