O que acontece se o Grande Irmão ético chega na empresa?
Algumas semanas atrás, uma importante multinacional inglesa, cotada na bolsa, impôs aos seus executivos seniores a obrigação de declarar. Assim, eles devem informar se tiveram relações sentimentais no trabalho nos últimos três anos na empresa. Caso contrário, a pena é a demissão.
O objetivo dessa iniciativa é prevenir condutas que possam constituir potenciais conflitos de interesse por parte dos superiores em favor de subordinados, prejudicando a empresa. Além disso, busca revelar e sancionar essas condutas posteriormente. A empresa adotou essa iniciativa após descobrir, meses atrás, as ações do ex-CEO, que mantinha relações sentimentais não declaradas (embora consensuais) com algumas de suas colaboradoras. Por isso, a empresa demitiu o ex-CEO.
Presumimos que tais políticas sejam legítimas no Reino Unido, talvez impulsionadas por um componente puritano ainda significativo naquele país. No entanto, é certo que na Itália uma prescrição dessas causaria muitas perplexidades.
Multinacionais possuem políticas de comportamento rígidas
É sabido que, há muito tempo, as multinacionais adotam políticas de comportamento para prevenir condutas que configuram relações sentimentais no trabalho, possíveis assédio sexual e/ou assédio moral. Isso é certamente louvável. No entanto, é menos claro quando, para alcançar esse objetivo, deve-se sacrificar a confidencialidade e a privacidade. Todos os funcionários, inclusive gerentes, têm direito à privacidade, mesmo dentro de uma empresa.
Sancionar com a máxima severidade condutas de assédio não consensuais em detrimento de colaboradoras subordinadas é uma coisa. Muito frequentemente, é o responsável masculino em posição superior que prejudica as colaboradoras do sexo feminino. Outra coisa é o ‘grande irmão empresarial’, que tudo sabe e quer saber da vida de seus funcionários (até mesmo debaixo dos lençóis) para poder protegê-los.
Políticas empresariais em temas de relações sentimentais no trabalho
Há muito tempo, mesmo na Itália, empresas, especialmente multinacionais dos EUA, Reino Unido e norte da Europa, adotam políticas empresariais que desencorajam e desincentivam relações sentimentais no trabalho. Igualmente, essas políticas aplicam-se de várias maneiras dentro das empresas. Essas relações impõem aos funcionários a obrigação de divulgar a situação para a empresa e seus superiores diretos quando ocorrem. Isso se aplica principalmente ao colega responsável, mas não exclusivamente.
O objetivo dessas políticas geralmente é prevenir potenciais conflitos de interesse entre colegas em relações hierárquicas, alocados na mesma equipe, departamento ou grupo de trabalho. Nessas situações, o vínculo sentimental pode influenciar o colega responsável. Isso pode afetar suas avaliações profissionais, como desempenho, aumentos, prêmios e promoções de carreira. No entanto, essas avaliações deveriam ser guiadas unicamente por critérios objetivos e profissionais.
Conflitos que podem minar a organização
Nesse caso, a divulgação da relação à empresa permitiria a separação profissional do casal. Dessa forma, a empresa poderia realocá-los em departamentos diferentes, geralmente o subordinado. Isso evitaria, na raiz, a possibilidade de um conflito de interesses. Tal conflito poderia minar o funcionamento adequado da organização.
Dito isso, vale a pena questionar a legitimidade dessas políticas. Sobretudo, devemos analisar a legitimidade de eventuais medidas disciplinares, incluindo a demissão, do responsável ou dos colegas que omitiram a divulgação exigida pela empresa. Isso é diferente de um conflito de interesses real que beneficie o funcionário ou colaborador envolvido. Nesse caso, a adoção de medidas disciplinares graves seria justificável, dependendo do caso específico.
Como é sabido, nas empresas surgem, se desenvolvem e desaparecem um conjunto de relações sentimentais entre os funcionários. Essas relações nem sempre podem ser facilmente declaradas por vários e compreensíveis motivos.
As “relações clandestinas” entre colegas
Refiro-me a todo aquele mundo de relações ‘clandestinas’ entre colegas. Com efeito, esses colegas podem estar formalmente comprometidos com outras pessoas fora da empresa, como funcionários casados ou conviventes, com filhos ou não. Eles não têm intenção, e muitas vezes não podem se permitir, de declarar à empresa a relação ‘clandestina’ que surgiu com um colega, por motivos compreensíveis a todos.
Nesse caso, como se posicionam as políticas empresariais que exigem dos funcionários comportamentos ativos de divulgação da relação sentimental clandestina?
E até que ponto tais políticas empresariais poderiam punir depois esses funcionários que permaneceram em silêncio, mas que foram descobertos ‘a posteriori’?
As “relações clandestinas” são de conhecimento geral?
A resposta não é simples devido à ausência de precedentes jurídicos significativos. Talvez por sorte, essa falta de precedentes complica a questão. Normalmente, essas relações ‘clandestinas’ são conhecidas por todos dentro da empresa, mas não são formalmente oficializadas.
Elas não dão origem a conflitos de interesse evidentes e, muitas vezes, surgem e desaparecem rapidamente. Isso ocorre sem repercussões significativas no funcionamento da empresa. No entanto, há casos em que essas relações evoluem para oficiais e declaradas. Por exemplo, são conhecidos casos de responsáveis que se casaram com suas secretárias após ou simultaneamente à demissão delas.
De fato, a meu ver, pode-se dizer que tais políticas, mesmo quando devidamente introduzidas na empresa, de fato são ignoradas na melhor tradição italiana, resolvendo assim na raiz o dilema jurídico de não fácil solução.
Se esta é a solução prática, raciocinando abstratamente, é necessário questionar se a introdução de tais políticas, como a recentemente implementada no Reino Unido, seria permitida também no ordenamento jurídico italiano.
Eventuais medidas disciplinares
Em particular, devemos nos perguntar que destino poderiam ter as eventuais medidas disciplinares adotadas em caso de omissão da divulgação à empresa da relação sentimental com um colega. Essas medidas poderiam incluir a demissão.
A resposta, a meu ver, não pode ser senão negativa, à luz dos direitos que todos os trabalhadores, em todos os níveis, mantêm como sujeitos dentro da relação de trabalho, sob diversos aspectos que aqui indico sucintamente.
Em primeiro lugar, os direitos constitucionais protegem cada indivíduo também dentro das comunidades, como a empresarial, onde operam devido a uma obrigação contratual, o contrato de trabalho. Esses direitos incluem a inviolabilidade da pessoa, que permanece, especialmente, dentro da relação contratual de trabalho.
Eles não podem ser comprimidos ou violados por um ato unilateral da empresa, como uma política ou código de conduta que imponha a obrigação de declarar a existência de vínculos afetivos ou sentimentais com outro colega.
O direito à privacidade
O direito à privacidade aqui é entendido como a confidencialidade de suas ações e sentimentos, especialmente os ligados a uma relação com um colega. Além disso, a informação sobre uma relação sentimental no trabalho, seja ela passada ou presente, é um ‘dado’ nos termos do GDPR. Esse dado diz respeito exclusivamente ao empregado envolvido.
É duvidoso que o empregador possa ou deva conhecer essa informação sem o consentimento expresso do interessado para fins de execução do contrato de trabalho. Este tema certamente poderia ser levantado também perante as garantias de privacidade, com repercussões de imagem para o empregador envolvido.
Esse dado – a existência da relação com um colega – é protegido na Itália pelo Estatuto dos Trabalhadores desde 1970. O famoso art. 8 proíbe o empregador de realizar ‘investigações’ sobre os trabalhadores que não sejam relevantes para o contrato de trabalho. Isso inclui facilmente as relações sentimentais.
Enfim, mesmo com essa breve análise, parece que tais políticas éticas autodeclaratórias das relações afetivas e sentimentais dentro da empresa, se adotadas na Itália, dificilmente passariam pelo crivo de legitimidade do ordenamento jurídico trabalhista atual.
Por Luca Failla, advogado e sócio gerente Failla&Partners Studio Legale. Artigo publicado originalmente em 2024 na HR ONLine da AIDP – ‘Associazione Italiana per la Direzione del Personale‘.
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