Sem a habilidade de tomar a perspectiva dos outros, nossas conclusões e entendimentos permanecerão incompletos e, muitas vezes, errados. No trabalho e na vida, é crucial que aprendamos a ver através dos olhos dos outros para alcançar uma compreensão mais rica e verdadeira do mundo ao nosso redor. Uma antiga história hindu ilustra bem a necessidade e os desafios de tomar a perspectiva dos outros, mesmo quando pensamos ter certeza absoluta da nossa própria perspectiva…
Os Sábios Cegos e um Elefante
…em uma cidade da Índia, viviam sábios cegos. Reconhecidos por seus conselhos sempre excelentes, eram constantemente procurados por pessoas que enfrentavam problemas. Apesar de amigos, havia uma certa rivalidade entre eles e, ocasionalmente, discutiam sobre quem era o mais sábio.
Certa noite, após longas discussões sobre a verdade da vida sem chegarem a um consenso, um dos sábios ficou tão aborrecido que decidiu se isolar numa caverna na montanha. Ele declarou aos seus companheiros:
- Somos cegos para que possamos ouvir e compreender melhor do que as outras pessoas a verdade da vida. Em vez de aconselhar os necessitados, vocês ficam brigando como se estivessem numa competição. Não aguento mais! Vou-me embora.
No dia seguinte, um comerciante chegou à cidade montado num elefante imenso. Os sábios cegos, que nunca haviam tocado nesse animal, correram para encontrá-lo.
O primeiro sábio, posicionado perto da barriga do elefante, começou a apalpá-la e declarou:
- Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Seus músculos não se movem; parecem paredes…
- Que bobagem! – disse o segundo sábio, que estava posicionado de frente para o elefante e tocando na sua presa – Este animal é pontudo como uma lança, uma arma de guerra…
- Ambos se enganam – retrucou o terceiro sábio, que estava também na frente do elefante, apalpando sua tromba – Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, pois não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia…
- Vocês estão totalmente alucinados! – gritou o quarto sábio, que em uma posição mais lateral mexia nas orelhas do elefante – Este animal não se parece com nenhum outro. Seus movimentos são ondulantes, como uma enorme cortina ambulante…
- Vejam só! Todos vocês estão completamente errados! – irritou-se o quinto sábio, lá atrás do elefante, tocando sua pequena cauda – Este animal é como uma rocha com uma cordinha presa ao corpo. Posso até me pendurar nele.
E assim, os sábios passaram horas debatendo, aos gritos. Até que o último sábio cego, que agora vivia na montanha, apareceu conduzido por uma criança. Ouvindo a discussão, pediu ao menino que desenhasse no chão a figura do elefante. Quando tateou os contornos do desenho, percebeu que todos os sábios estavam certos e enganados ao mesmo tempo. Agradeceu ao menino e afirmou:
- Assim os homens se comportam diante da verdade. Pegam apenas a sua parte, pensam que é o todo, e continuam tolos!
História do folclore Hindu.
A história Hindu e a noção de Tomada de Perspectiva
A história dos cegos e do elefante serve como uma metáfora poderosa para a maneira como os seres humanos compreendem o mundo ao seu redor. Cada sábio tocava e sentia a parte do elefante que estava próxima de si, capturando uma perspectiva parcial do animal, mas acreditava ter compreendido o todo.
Este conto ilustra como tomar apenas a nossa perspectiva acerca de uma situação pode nos levar a conclusões erradas e a conflitos desnecessários. A resolução do conflito entre os sábios dependia da capacidade de eles assumirem as perspectivas de todos e compreender o elefante a partir da combinação de todas elas.
Da mesma forma, no ambiente de trabalho, a resolução bem-sucedida de problemas e de conflitos depende em grande medida da capacidade de uma pessoa entender e considerar as perspectivas dos outros envolvidos, o que os psicólogos chamam de Tomada de Perspectiva.
Entendendo a Tomada de Perspectiva
A tomada de perspectiva é a habilidade de entender e considerar os pensamentos, sentimentos e pontos de vista dos outros nas mais diversas relações e situações sociais. Envolve processar o mundo do ponto de vista de outra pessoa e imaginar-se no lugar dela. Filósofos e psicólogos descreveram pelo menos dois modos fundamentalmente diferentes de imaginar a experiência alheia: a tomada de perspectiva, que envolve a capacidade cognitiva de considerar espontaneamente o mundo do ponto de vista de outra pessoa, e a empatia, que é a capacidade afetiva de se conectar emocionalmente com os outros.
Embora estejam correlacionadas, a tomada de perspectiva e a empatia são conceitualmente distintas. Alguns pesquisadores inclusive nomeiam a tomada de perspectiva como empatia cognitiva e a empatia como empatia afetiva. De forma coloquial, podemos dizer que a tomada de perspectiva é a “prima de primeiro grau” da empatia.
Aplicação no Ambiente de Trabalho
No ambiente de trabalho, a tomada de perspectiva tem sido reconhecida como uma habilidade essencial para a comunicação eficaz e para a construção de relacionamentos sólidos. Em termos práticos, isso pode significar entender por que um colega pode estar agindo de certa maneira, considerando fatores externos e internos que podem estar influenciando seu comportamento.
Por exemplo, um gerente que pratica a tomada de perspectiva pode ser mais eficaz ao lidar com conflitos de equipe. Ao considerar as perspectivas de todos os envolvidos, ele pode identificar a raiz do problema e encontrar soluções que atendam às necessidades de todos. Isso não só resolve o conflito de forma mais eficaz, mas também fortalece os relacionamentos dentro da equipe, promovendo um ambiente de trabalho mais harmonioso.
Além disso, a tomada de perspectiva tem um papel crucial na tomada de decisões. Líderes que entendem as perspectivas de seus funcionários podem tomar decisões mais informadas que beneficiem a todos. Isso cria uma cultura de inclusão e respeito, onde todos se sentem valorizados e ouvidos, o que, por sua vez, pode aumentar a satisfação e a produtividade no trabalho.
Pesquisas e Resultados Organizacionais
Resultados de pesquisa têm mostrado que, de um modo geral, a tomada de perspectiva gera resultados relevantes para as organizações por aumentar a proximidade psicológica e cognitiva entre as pessoas e alterar a forma como elas pensam, melhorando o processamento da informação e a complexidade cognitiva. Estas conclusões podem ter implicações positivas para os gestores e as organizações, na medida em que são mecanismos associados a uma maior eficácia da equipe, aumento da criatividade e melhoria de desempenho.
Pesquisas têm revelado que algumas pessoas são mais bem-sucedidas nesse processo de tomar a perspectiva do outro e, dentre os diversos fatores individuais que explicam essas variações na tomada de perspectiva, um deles envolve justamente a sua “prima de primeiro grau”, a empatia afetiva.
Empatia Afetiva: Conectando-se Emocionalmente
Como mencionado anteriormente, a empatia – aqui referida como empatia afetiva para distinguir da natureza cognitiva da tomada de perspectiva – é a capacidade de se conectar emocionalmente com os outros, experimentando e respondendo às emoções alheias. Este tipo de empatia é crucial para a tomada de perspectiva, pois permite que os indivíduos se conectem verdadeiramente com as experiências emocionais dos colegas, ajudando no entendimento e percepção a partir da posição deles.
Benefícios da Empatia Afetiva no Trabalho
A empatia afetiva também pode promover outros efeitos positivos em um ambiente de trabalho. Pesquisas têm confirmado que a empatia afetiva pode facilitar a construção de relacionamentos fortes e coesos, promovendo um ambiente de apoio e colaboração.
Por exemplo, quando os membros da equipe sentem que suas emoções são compreendidas e valorizadas, eles são mais propensos a compartilhar abertamente seus sentimentos e preocupações. Isso leva a um fluxo de comunicação mais aberto e honesto, essencial para resolver problemas e até mesmo inovar.
Além disso, a empatia afetiva pode ajudar a prevenir e resolver conflitos. Quando as pessoas entendem e se conectam com as emoções dos outros é mais fácil encontrar soluções que atendam às necessidades de todos os envolvidos. Isso promove um ambiente de trabalho mais harmonioso e produtivo, onde os conflitos são resolvidos de maneira construtiva e colaborativa.
O Que Isso Significa para o Ambiente de Trabalho?
É fundamental que as organizações reconheçam e valorizem a diversidade de perspectivas e experiências. Criar uma cultura de empatia e respeito pode transformar a dinâmica de uma equipe, promovendo um espaço onde a empatia e a colaboração floresçam. Quando os funcionários sentem que suas emoções e perspectivas são valorizadas, eles estão mais propensos a contribuir de forma significativa e a se envolver de maneira proativa nas atividades da empresa. Isso não só melhora o clima organizacional, mas também pode levar a níveis mais altos de inovação e produtividade.
Além disso, um ambiente de trabalho que promove a empatia e a tomada de perspectiva tende a ter menor rotatividade de funcionários e maior satisfação no trabalho. Os colaboradores sentem-se mais conectados à organização e entre si, o que fortalece o compromisso e a lealdade. A implementação de práticas que fomentem a empatia pode, portanto, ser vista como um investimento estratégico no capital humano da empresa. Isso não apenas melhora o bem-estar dos funcionários, mas também contribui para o sucesso e a sustentabilidade da organização a longo prazo.
Por Liliane Furtado, mestre e doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Leciona as disciplinas Comportamento Organizacional, Tópicos atuais em Liderança e Metodologia de Pesquisa nos cursos Graduação e Mestrado do Instituto COPPEAD de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde desenvolve pesquisas sobre liderança, diversidade e inclusão. É também bolsista Jovem Cientista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ. Atua como palestrante na área de liderança em eventos científicos e empresariais e
Rodrigo Ferreira, mestre e doutorando em Administração no COPPEAD/UFRJ. Possui 16 anos de experiência como Gerente de todo o ciclo de vida de projetos complexos e disruptivos nas áreas de Cloudification, Media Asset Management, Automação, Rede e Datacenters, passando de Gerente de Projetos Junior a Sênior, e posteriormente como Coordenador de uma equipe de Gerentes de Projetos. Também coordenou o time de VMO & LACE, focado no Hub Digital e em Infraestrutura e Segurança da Globo, onde gerenciou o desenvolvimento de métricas de processos, priorização de atividades usando BI e analytics, além da transformação da organização para gestão voltada ao ciclo do produto.
Ouça o episódio 149, “Líder, já colocou a empatia no seu currículo?“. Na busca por uma gestão mais humanizada e em um momento em que o perfil das lideranças vem passando por transformações, a empatia surge como uma habilidade-chave para os líderes. Mas o que significa, na prática, ser um profissional empático? Como desenvolver essa habilidade? A pandemia e os períodos de crise também evidenciam a importância das soft skills no ambiente organizacional. Como o RH pode contribuir para que esse conceito faça parte da cultura da empresa? Conversamos com Vivian Laube, Especialista em Liderança e Comportamento Organizacional, e Priscila Monaco, Diretora Senior de RH da Visa. Acompanhe!
Não se esqueça de seguir nosso podcast e interagir em nossas redes sociais:
Facebook
Instagram
LinkedIn
YouTube
Foto: Depositphotos