Diante do cenário pandêmico instaurado em meados de 2020, o Governo Federal adotou algumas medidas necessárias para preservar a saúde das gestantes. O presidente, ao sancionar a Lei 14.151/21, afastou-as dos postos de trabalho, transmitindo todo o ônus das contratações às empresas, as quais retiraram suas funcionárias de campo, mantiveram os salários na íntegra (independentemente de suas funções) e, muitas vezes, tiveram, ainda, que contratar outros funcionários para substitui-las.

A lei gerou polêmica.

Afinal, qual foi sua eficácia de fato?

Ao afastar as gestantes por um longo período, não só as empresas arcaram com um ônus, mas as mulheres, ao passo em que pensaram estar avançando nas conquistas de um competitivo mercado de trabalho, retroagiram de forma exponencial. Sofrem uma discriminação de forma velada, eis que os empresários se viram meio a uma situação temerária, pois a qualquer momento suas funcionárias teriam que ser afastadas em virtude da lei, e, muitas vezes, essas funções não seriam compatíveis com o home office.


Ouça o PodCast RHPraVocê, episódio 94, “Qual foi o legado deixado pela Reforma Trabalhista?” com Dra. Cintia Fernandes, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados. Clique AQUI.


Passado o cenário de crise aguda da pandemia, tal norma foi revogada pela Lei 14.311/2022, a qual trouxe de volta ao campo de trabalho as gestantes afastadas. O texto, porém, traz alguns pontos de atenção:

  • Com imunização completa contra a COVID-19 (conforme orientações do Ministério da Saúde);
  • Encerramento do Estado de Emergência;
  • Na hipótese de recusa da gestante em se vacinar, mediante assinatura de termo de responsabilidade.

Caso as gestantes não estejam com o ciclo vacinal completo, elas poderão ficar em home office à disposição do empregador, o qual terá a opção de remanejar suas funções até o retorno ao trabalho presencial.

Outro ponto que merece atenção é quanto ao termo de responsabilidade. A Lei estabelece que a gestante que não possui o ciclo vacinal completo e deseja voltar ao trabalho poderá retornar apenas mediante a assinatura deste documento.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região assinalou que essa lei conflita com outra decisão do Supremo Tribunal Federal. Em 2020, o STF discutiu a constitucionalidade da obrigatoriedade da vacinação e decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam compulsoriamente à vacinação contra a Covid-19.

Ou seja, o Estado não poderá forçar a medida, mas a recusa gera medidas punitivas, tais como multas, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola e viajar, por exemplo.

Durante a discussão inovadora, o Supremo levou em consideração temas pertinentes à discussão dos direitos individuais, como convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, mas, conforme entendimento do ministro Luís Roberto Barroso, não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros.

O ministro lembrou, ainda, que o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade — como, por exemplo, ao obrigar o uso de cinto de segurança.

O STF ressaltou ainda que é contra a autorização para que pais deixem de vacinar os filhos pelo calendário oficial em razão de crenças pessoais.

A decisão constitucional tornou-se o pilar de novas decisões dos tribunais regionais do trabalho sobre o assunto e sabemos que é uma questão real e atual para a transição das empresas e empregadores no tocante à exigência da vacinação como requisito obrigatório para uma contratação, ou, ainda, a manutenção do contrato de trabalho vigente.

Quanto à decisão proferida no caso trazido à baila, o STF foi esclarecedor quanto à preocupação pandêmica, apoiando-se nos pareceres constitucionais:

Considerando a gravidade e a amplitude da pandemia, resta patente que se revelou inadequada a recusa da empregada, que trabalha em ambiente hospitalar, em se submeter ao protocolo de vacinação previsto em norma nacional de imunização e referendado pela Organização Mundial da Saúde”, diz a decisão.

O que mais chama a atenção, e traz amparo de forma contumaz, é o fato de que o Ministério Público do Trabalho, em fevereiro de 2021, já havia orientado os trabalhadores quanto à importância da vacinação, afirmando que, caso houvesse recusa da vacina, poderiam ser demitidos por justa causa.

Dessa forma, podemos concluir que o mais vulnerável nessa relação é o feto, que não está protegido.

Outro viés, não menos importante, é quanto ao veto referente ao repasse dos custos do afastamento ao INSS.

O texto, aprovado pelo Congresso, acabava com as discussões judiciais e previa que, quando o trabalho exercido pela funcionária fosse incompatível com o home office, a gravidez seria considerada de risco até a gestante completar o ciclo de imunização, e, assim, nesse período, receberia, de forma substituta à remuneração, o salário-maternidade.

O pagamento seria entre o início do afastamento até 120 dias após o parto.

Porém, o Governo Federal vetou a proposta em razão do impacto orçamentário, ressaltando, ainda, que a dilação do prazo de fruição do salário-maternidade teria “alto potencial” de alterar a despesa obrigatória de benefícios previdenciários e “colocaria sob risco material a sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social”.

Ocorre que, em virtude do veto, é certo que teremos a judicialização de inúmeros pleitos ao passo em que à medida que o Governo apresenta suas alegações, as empresas encontram bons argumentos para levar à responsabilidade dos repasses ao INSS.

Um deles é a aplicação por analogia ao artigo 394-A da CLT, que fala sobre o afastamento de gestantes das atividades insalubres, tratando a gestação como de risco, afastando do ambiente “não saudável” a gestante que, por sua vez, fará jus ao benefício do INSS.

Dessa forma, é evidente que ainda estamos caminhando a curtos passos para uma evolução coletiva. Legislar não é fácil, e faz-se necessário pensar em todas as arestas e consequências que podem surgir frente ao novo.

Reflexão e estudos de alta complexidade são imprescindíveis para tornar qualquer medida eficaz.

O retorno presencial das gestantes ao trabalho e suas consequências

Por Mirella Pedrol Franco, advogada e coordenadora da Área Trabalhista no Granito, Boneli e Andery Advogados (GBA Advogados Associados). O GBA Advogados Associados é certificado pela ISO 9001.

 

 

Ouça o PodCast RHPraVocê, episódio 94, “Qual foi o legado deixado pela Reforma Trabalhista?” com Dra. Cintia Fernandes, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados. Clique no app abaixo:

Não se esqueça de seguir nosso podcast e interagir em nossas redes sociais:

Facebook
Instagram
LinkedIn
YouTube