Em um congresso internacional recente, acompanhei um painel que reunia quatro dos principais pesquisadores de liderança das últimas décadas. Juntos, eles estavam reunidos para conversar sobre o estado da arte da pesquisa em liderança e fazer um balanço dos avanços e limitações existentes no conhecimento científico acumulado ao longo das últimas décadas. 

Uma das perguntas proposta pelo mediador do painel, de certa forma esperada, questionava os estudiosos sobre o futuro dos estudos e investigações acadêmicas sobre liderança. Além disso, ele ressaltou as grandes mudanças que vivemos enquanto sociedade e os impactos gerados no domínio do trabalho.

Haverá liderança no futuro?

Se a pergunta proposta não se mostrava surpreendente, a resposta trazida chacoalhou muitos dos presentes. Ao invés de falar sobre o futuro da liderança, os estudiosos devolveram a pergunta questionando se haverá liderança no futuro. É verdade que havia um pouco de provocação na colocação, até porque mesmo no mais extremado cenário de futuro imaginado é difícil pensar em organizações sem líderes. Mas essa provocação teve por objetivo inaugurar um movimento que a literatura internacional tem nomeado como “leadership avoidance” ou evitação da liderança.

Trasição de carreira

Em termos conceituais, a evitação da liderança é um fenômeno no qual indivíduos com potencial para e/ou a oportunidade de assumir uma posição de liderança. No entanto, intencionalmente evitam esses papéis ou responsabilidades. Embora a falta de desejo de assumir cargos de liderança em uma organização não seja algo novo, em certa medida, é até mesmo necessário. Afinal, não há espaço para todos serem líderes.

Não quero ser líder!

Entretanto, o que chama atenção é que, nos últimos anos, as pesquisas têm detectado um aumento significante de pessoas que escolhem não serem líderes. Isso ocorre mesmo com capacidade e claras oportunidades para isso.

E por que será que funcionários capazes e promissores evitam a liderança no âmbito organizacional quando surgem oportunidades para isso? 

Os participantes do painel do congresso fizeram algumas especulações. Por exemplo, os participantes discutiram a mudança de valores sociais e do trabalho, que tem levado as pessoas a priorizarem outros aspectos da vida além do trabalho. É sabido que, junto com uma posição de liderança, surgem novas demandas. Essas demandas podem drenar recursos psicológicos e emocionais. Como resultado, a disponibilidade desses recursos para outros domínios da vida é reduzida. Isso compromete a satisfação das demandas desses outros domínios.

Também especularam sobre um crescente medo de assumir posições de liderança em um contexto de negócios marcado cada vez mais por incertezas, volatilidades e disrupções. Esse contexto pode gerar nos funcionários uma insegurança forte o suficiente para mantê-los distantes de posições de liderança. Consequentemente, eles ficam com medo de fracassarem ou mesmo de não serem capazes de encarar essa atribuição.

Há carência de exemplos positivos

Embora outras possíveis explicações tenham sido trazidas, a que mais mobilizou a audiência e os painelistas foi a seguinte: há uma carência de exemplos positivos de liderança. Esses exemplos são capazes de criar identificação e despertar nas pessoas o desejo de querer ter “líder” no seu autoconceito (ou seja, uma identidade de líder).

Em outras palavras, as pessoas não têm se identificado com os modelos de liderança que têm ao seu redor. Portanto, essa carência cria dificuldades para que as pessoas sejam influenciadas a construírem sua identidade de liderança. De fato, pesquisadores de liderança, como a professora Sue Ashford, da Universidade de Michigan, e Michael Hogg, da Universidade de Claremont, têm evidenciado através de suas pesquisas que a identidade de líder é dinâmica de tal forma que pode emergir ou retroceder dependendo das circunstâncias.

Por exemplo, em um estudo com mais de 50 entrevistas, a professora Evelyn Lanka e co-autores descobriram que os chamados ‘role models’ (em tradução livre para português, ‘exemplo a ser seguido’), ajudam os indivíduos a construir uma identidade de líder. Isso acontece de duas formas distintas.

Identidade de líder possível e observável

Primeiramente, eles servem como uma identidade de líder possível e observável para as pessoas. Uma citação de uma participante desse estudo ajuda a ilustrar como os modelos de liderança atuam como uma identidade de líder possível e observável: 

Minha gerente na época era uma servidora pública sênior… ela tinha um excelente estilo de liderança, era realmente aberta e dedicava muito tempo às pessoas e eu acho que foi a primeira vez que vi uma forte líder feminina no serviço público e pensei que queria ser como ela” (Lanka, Topakas & Patterson, 2020, p. 4)

Em segundo lugar, os líderes tidos como exemplos de liderança oferecem oportunidades para que seus liderados reivindiquem ou recebam o reconhecimento de uma identidade de líder. Isso pode ser ilustrado por esse outro depoimento coletado no estudo: 

Ela era muito boa em me dar oportunidades para fazer as coisas. Eu a respeitava muito e achava que ela era boa no que fazia no departamento. Eu sempre pensava que, se ela estava me pedindo para fazer algo, ela devia achar que eu poderia fazer isso, e isso realmente mudou a forma como eu pensava sobre mim mesmo e meu papel.” (Lanka, Topakas & Patterson, 2020, p. 5)

Influência pela inspiração e aprendizado

Em resumo, o que as evidências empíricas mostram é que o desenvolvimento da identidade profissional de líder é influenciado pela inspiração e aprendizado com líderes do passado e do presente. Assim, em um dado momento histórico, quando se tem modelos de liderança atrativos e compatíveis com os valores sociais vigentes, as pessoas experimentarão identificação com os mesmos, proporcionando mais motivação para se assemelharem a eles.

Ao se identificar com modelos de liderança, as pessoas passam de uma atitude de conformidade para a assimilação dos requisitos do papel, o que leva a uma vontade de querer ter sucesso nesse novo papel.  A disponibilidade de modelos de liderança são, portanto, chave desse processo. E eventual escassez de modelos pode reforçar a evitação da liderança por parte dos profissionais.

Enquanto muitos se preocupam com a possibilidade de que a inteligência artificial possa substituir ou acabar com o papel de líderes nas organizações, é crucial refletir sobre uma questão mais profunda: o potencial risco para a liderança não residindo na tecnologia, mas na própria atuação humana. A escassez de modelos inspiradores e positivos pode levar a um cenário em que pessoas capazes e habilidosas, embora potencialmente aptas a assumir posições de liderança, se afastam dessas responsabilidades.

E quando os líderes não são exemplos?

Quando líderes não são exemplos a serem seguidos geram repulsa e esquiva entre aqueles que poderiam se beneficiar de sua orientação. Assim, a responsabilidade de cultivar uma nova geração de líderes não deve ser subestimada, pois são os próprios humanos, com suas ações e escolhas, que podem determinar o futuro da liderança nas organizações.

É fundamental, portanto, que as organizações invistam no desenvolvimento de líderes que inspirem e estimulem a identificação, promovendo um ambiente em que a liderança não seja evitada, mas desejada.

A provocação final que fica é, portanto, a seguinte: 

– Você líder, é um exemplo de liderança?

– Você organização, está treinando e desenvolvendo seus líderes para serem exemplos de liderança? 

futuro da Liderança_foto da autora

Por Liliane Furtado, Mestre e Doutora em Administração, Professora e Pesquisadora do COPPEAD/UFRJ e Coordenadora do Grupo de Estudos em Liderança Pós-Heroica (GELPH) do COPPEAD/UFRJ.

 

 

 


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