A palavra nômade corresponde a um indivíduo que não tem residência fixa, que nunca se estabelece em lugar algum.

Sendo assim, o “Nômade Digital”, que surgiu como uma nova forma de prestação de serviço, especialmente, após a Reforma Trabalhista de 2017 e que se disseminou no mercado de trabalho em 2020, em razão da pandemia do coronavírus, refere-se ao profissional, empregado ou autônomo, que pode realizar suas atividades profissionais de qualquer lugar, desde que tenha acesso a internet, uma vez que receberá e entregará suas demandas online.

Com as novas formas de prestação de serviço, surgem muitos questionamentos e tantos outros inúmeros desafios enfrentados pelas empresas que, cada vez mais, necessitam de assessoria jurídica especializada, não só em direito do trabalho, mas em diversas outras áreas de apoio.

Assim, é normal indagar:

  • Este benefício é aplicável a qualquer profissional?
  • Quais os direitos e deveres do empregado que atuará como nômade digital?
  • E o horário de trabalho como deve ser estabelecido?
  • Como se dá o pagamento da remuneração, se o profissional estará em outro país?
  • Como estabelecer este tipo de contrato de forma mais segura?
  • A empresa que arcará com custos da viagem?

Vários os fatores que determinarão as melhores práticas trabalhistas, que visam mitigar os riscos jurídicos envolvidos. Entretanto, é de suma importância que a empresa se antecipe e conheça esta nova formatação de trabalho, inclusive, para elaborar políticas internas neste sentido, uma vez que se trata de um dos maiores benefícios visados pelos profissionais de alta performance, os quais tem imensa relevância a manutenção do contrato de trabalho ativo.

Este benefício é aplicável a qualquer profissional?

Primeiramente, a empresa não é obrigada a conferir esse benefício a nenhum de seus empregados. Contudo, se optar por implantar esse benefício, a fim de reter talentos, tal direito afetará apenas aqueles profissionais cuja atividade poderá ser realizada 100% de forma remota, desde que não prejudique a entrega de resultado.

Assim, é ideal que a empresa elabore política interna, estabelecendo todos os parâmetros do benefício, como, em quais condições será concedido, a quem será aplicável e o que precisa ser feito para que este seja incorporado ao contrato de trabalho, a fim de evitar discussões judiciais sobre a falta de isonomia entre empregados, ou, até mesmo, equiparação salarial.

Além disso, alguns empregados, especialmente, os hipersuficientes podem negociar este benefício em apartado, por meio de acordo individual, conforme artigo 444, da CLT, o que poderá ser concedido de forma pessoal.

Quais os direitos e deveres do empregado que atuará como nômade digital?

A empresa, em razão de seu poder diretivo, poderá exigir o fiel cumprimento do contrato de trabalho realizado pelo nômade digital, como se este atuasse em formato presencial, ou seja, que todas as atividades sejam realizadas com toda a dedicação necessária para o resultado esperado.

Inclusive, nos termos do artigo 75-B, parágrafo, 8º, da CLT, aplicar-se-á a legislação brasileira ao contrato do nômade digital. Portanto, este fará jus a todos os direitos previstos na CLT, ou aqueles disponíveis, conforme devidamente detalhado no contrato de trabalho ou acordo individual firmado.

E o horário de trabalho como deve ser estabelecido?

Como o mais comum é que os chamados nômades digitais optem por trabalhar fora do país, especialmente, porque a finalidade principal é buscar tal benefício para cursar especializações internacionais ou aprenderem outras línguas, é normal nos depararmos com diferença relevante de fuso horário.

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Assim, nos termos do artigo 75-B, parágrafo 9º, da CLT, é recomendado que as partes disponham sobre o horário de trabalho, que pode ser fixo ou flexível, com cumprimento integral da jornada de trabalho contratada, por exemplo, 44 horas.

De toda forma, caso as partes concordem com um formato de horas livres, ou seja, da ausência de fixação de horário específico de trabalho, é possível ser implementado, ainda que se exija o comparecimento obrigatório em algumas reuniões virtuais. Sendo possível, inclusive, a modificação no formato da remuneração, por exemplo, por tarefa ou por hora.

Outro aspecto relevante é que, mesmo que estejamos diante de um “nômade” digital, é possível que a empresa exija ser comunicada sobre a localização do empregado, a fim de viabilizar o cumprimento do contrato, tendo em vista, o fuso horário, período de deslocamento entre cidades e países, inclusive, sob pena de rescisão por justa causa.

Como se dá o pagamento da remuneração, se o profissional estará em outro país?

A remuneração, até pela questão da tributação e contribuição previdenciária, é um dos pontos que mais causa desconforto nas empresas ao cogitarem conceder este benefício ao profissional.

A questão é, se o profissional foi contratado no Brasil, e atuará como nômade digital, ele estará atrelado a legislação aqui vigente, e a empresa realizará o pagamento na moeda vigente, ou seja, o Real, em conta corrente/salário aqui estabelecida, sendo de responsabilidade do empregado realizar as movimentações exteriores, sob risco tributário dele.

É possível ainda que as partes negociem o pagamento da remuneração em conta bancária em dólar, moeda com validade internacional, mesmo que a empresa não arque com a variação da cotação. Mas neste caso é necessário avaliar todos os riscos envolvidos na situação fática.

Como estabelecer este tipo de contrato de forma mais segura?

A forma mais segura é que o contrato de trabalho que preveja tal benefício seja escrito, por meio de acordo individual, constando de forma detalhada, tudo quanto acordado entre as partes, a fim de evitar desconforto entre elas em situação futura.

A empresa que arcará com custos da viagem?

A empresa não tem obrigação legal para arcar com qualquer custo da viagem a ser realizada pelo nômade digital, como, passagem de avião, deslocamento, visto estrangeiro, residência, cursos, exceto se pactuar de forma contrária diretamente com o empregado. Situação em que será responsável por tudo aquilo que se comprometer a pagar contratualmente.

Podemos concluir que, em verdade, com a globalização e o desenvolvimento tecnológico, muitos profissionais não mais se enquadram no sistema de trabalho padrão de 8 horas diárias em lugar fixo.

Assim, buscam, não só o crescimento dentro de determinada empresa, mas também satisfação e crescimento pessoais, tentando “unir o útil ao agradável”, razão pela qual surge o nômade digital como nova forma de prestação de serviço, e benefício almejado por profissionais de alta performance, cabendo a aplicação pela empresa, desde que pactuado todos os aspectos envolvidos na relação de emprego, como vimos acima.

Por fim, o Nômade Digital não pode ser comparado ao Expatriado, tampouco ao profissional comum que atua em regime de teletrabalho, pois existe negociação e regras específicas.

Novas formas de prestação de serviço: o Nômade Digital

Por Fernanda Evaristo Cassiano, advogada do BVA Advogados, com ampla atuação em Direito do Trabalho e Previdenciário, atuando em consultoria e contencioso há mais de 10 anos. Atuou também em escritórios especializados, prestando serviços para empresas nacionais e internacionais.

 

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