A grande demissão 

Em 2021, milhões de trabalhadores deixaram voluntariamente seus postos de trabalho nas principais  economias do mundo, inclusive o Brasil, virando de cabeça para baixo as relações entre trabalhadores  e o mercado de trabalho. Esse fenômeno foi batizado de A Grande Demissão (The Great Resignation)  por Anthony Klotz (1). 

A causa não deve ser atribuída exclusivamente à pandemia. Baseados em estatísticas americanas de  12 anos, Fuller & Kerr (2) demonstram que esse fenômeno não é novo, e vem crescendo a uma taxa  constante desde pelo menos 2009. “Em 2020, em função das incertezas trazidas pela Covis-19, os  trabalhadores se mantiveram nos seus empregos, e a taxa de demissões diminuiu. Essa pausa teve  curta duração.

Em 2021, com a redução de algumas incertezas, um número recorde de trabalhadores  deixou seus empregos, incluindo muitos que teriam se demitido em 2020 se não tivesse ocorrido a  pandemia. A tendência pré-pandemia foi retomada e é provável que continue pelos próximos anos”. 

A causa raiz da grande demissão, exacerbada pela pandemia, pode ser atribuída a uma persistente  falta de equilíbrio entre as exigências do trabalho e a qualidade de vida dos trabalhadores. A falta de  equilíbrio trabalho-vida tem impactos negativos tanto para os empregados como para os  empregadores.


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Para os primeiros, esse desequilíbrio pode resultar em: falta de concentração, tensão,  fadiga, burnout, depressão, perda de autoestima etc. Os impactos negativos para os empregadores  incluem: perda de talentos, queda da produtividade, custos de incidentes devidos ao burnout etc. 

A esses fatores podem ser acrescentados outros, trazidos pela pandemia: um despertar da reflexão  das pessoas sobre os seus propósitos de vida, e a relutância a voltar aos antigos postos de trabalho. Para Klotz (1), “a pandemia fez com que milhões de pessoas parassem para refletir mais amplamente  suas vidas, e questionar se os seus empregos estão ajudando ou dificultando a sua busca de  significado e felicidade.

Além disso, o trabalho remoto proporciona aos trabalhadores autonomia para  a execução do trabalho e, depois de terem essa experiência, muitos preferem sair a voltar às condições  anteriores”. 

De qualquer forma, as estatísticas demonstram que a Grande Demissão não é uma turbulência pontual  provocada pela pandemia; mas é, sim, a continuação de uma tendência de longo prazo. O que chama  a atenção para o papel das lideranças, que não têm sabido lidar com essa questão. Em artigo de 2017  sobre o burnout, Garton (3) afirma o seguinte: 

“Executivos tendem a tratar o Burnout como um problema dos empregados, e não como um desafio  organizacional mais amplo. Isso é um engano. Os impactos dos problemas físicos e psicológicos  causados pelo burnout vão muito além dos óbvios custos de tratamento de saúde.

Os custos de  fato são muito maiores, devidos à baixa produtividade, alto turnover e perda de talentos. Os líderes  têm que assumir sua responsabilidade por um ambiente de trabalho que leva ao burnout – pesadas  cargas de trabalho, insegurança no emprego, rotinas de trabalho frustrante (que incluem um  excesso de reuniões e muito pouco tempo para o trabalho criativo)”.

O que vale para o burnout vale para o ambiente de trabalho e o clima organizacional como um todo.  Assim, podemos afirmar que, quando os empregados não são tão produtivos quanto deveriam, a  responsabilidade usualmente é da organização, e não dos empregados (3).

Da mesma forma, cabe às  lideranças aproveitar o aprendizado e reconhecer o atual momento de disrupção como uma  oportunidade de ouro para estabelecer um ambiente de trabalho mais humano (1). 

Ações necessárias 

A realidade é que muitas organizações são tóxicas, assim como as formas de os líderes conduzirem  suas equipes. A transformação da cultura imediatista e voltada exclusivamente a resultados precisa  ser ampliada com o novo paradigma da humanização. Para tanto, ações precisam ser tomadas. 

Ações junto aos empregados 

Para proporcionar um melhor equilíbrio entre o trabalho e a Qualidade de Vidas das pessoas, muitas  medidas podem ser tomadas, tais como: 

  • Flexibilidade nos horários de trabalho, uso do banco de horas; 
  • Abertura para o trabalho remoto quando possível; 
  • Criação de Grupos Semiautônomos, com atribuições e responsabilidades bem estabelecidas; Ouvir os colaboradores, melhorar a comunicação entre os diferentes níveis da organização; Trazer as famílias dos colaboradores para conhecerem os locais de trabalho; Aperfeiçoar os programas de educação e treinamento, especialmente os referentes à adoção  de novas tecnologias; 
  • Avaliação de desempenho baseada nos resultados, e não na presença física nos locais de  trabalho; 
  • Não discriminação de gênero na atribuição de responsabilidades; etc. 

Ações junto aos líderes 

Para proporcionar um melhor equilíbrio entre o trabalho e a qualidade de vida das pessoas, muitas  medidas podem ser tomadas junto às lideranças, tais como: 

  • Programas de desenvolvimento e treinamento voltados aos líderes, com temas de gestão de  pessoas e equipes, como o papel do líder, estilos de liderança, trabalho em equipe,  comunicações & feedback e gestão de conflitos 
  • Avaliar o desempenho dos líderes baseados em resultados atingidos (o que foi atingido?) e as  dimensões pessoas e inovação (como foi atingido?) 
  • Preparar os líderes para trabalho sem discriminação, em especial com o etarismo. Definição do perfil de liderança a ser concretizado em futuro próximo (em geral esta é uma  atribuição da liderança de topo) 
  • Preparar os sistemas de gestão de pessoas e equipes (RH) para esta nova realidade

Conclusões 

Atingir resultados não é contraditório com a dimensão humana no trabalho. Ao invés de resultados OU pessoas, o novo paradigma preconiza resultados E pessoas

Para avaliar o alcance dessas medidas, temos que considerar o conceito de Equilíbrio Trabalho-Vida: “Equilíbrio Trabalho-Vida Familiar é a percepção individual de que as exigências do trabalho e  os requisitos da qualidade de vida são compatíveis e promovem o crescimento pessoal e  profissional, em acordo com as prioridades de vida de cada um” (4). 

Grifamos a expressão “percepção individual”, pois ela é essencial para o entendimento do Equilíbrio  Trabalho-Vida. Significa que uma mesma medida (Horário Flexível, por exemplo) pode ser percebida  de maneiras diferentes por diferentes indivíduos, dependendo do grau de envolvimento de cada um  com o seu trabalho e com a organização. 

Podemos concluir que medidas “técnicas”, como as elencadas acima, são necessárias, mas não são  suficientes. Elas devem fazer parte de um programa mais amplo de Humanização do Trabalho, que  contemple: a percepção do significado do trabalho, a autonomia para tomada de decisões, a  participação nas decisões organizacionais, o sentimento de pertencimento, e outras medidas que  contribuam para a maior motivação e o envolvimento das pessoas, com o seu próprio trabalho e com  a organização. 

Entendemos que este equilíbrio é essencial para a sobrevivência, saúde e longevidade das  organizações. 

Humanização: Equilíbrio, Trabalho e Qualidade de Vida 

Por Gustavo G. Boog, Diretor e Fundador da Boog Consultoria. Mestre em Administração de Empresas (EAESP/FGV) e  Engenheiro de Produção (POLI/USP). Conduz projetos de desenvolvimento das lideranças  e equipes, e os impactos da longevidade nas organizações. Mentor, coach, consultor comportamental e escritor,  foi executivo de RH de grandes organizações como SABESP, Grupo Villares e Grupo Camargo  Corrêa. Especialização em Constelações Sistêmicas. Autor de mais de 20 livros de gestão de pessoas e equipes, competência, terapias avançadas  e longevidade e

Humanização: Equilíbrio, Trabalho e Qualidade de Vida 

Marcos A. Vasconcellos, Engenheiro Industrial pela Universidade Mackenzie; Mestre e Doutor pela FGV-EAESP. Foi Professor  Titular do Departamento de Operações da FGV-EAESP, onde exerceu as funções de Coordenador do CEAG,  Chefe do POI, Vice-Coordenador do GVpec e Vice-Diretor Acadêmico. Participou da criação e coordenou o  Fórum de Inovação da FGV-EAESP. Autor do livro “Inovação pelas pessoas”. 

São membros do GEAPE Tech – Grupo de Excelência de Administração de Pessoas e Tecnologias, do CRA SP. 

REFERÊNCIAS

(1) KLOTZ, A.; The Great Resignation is still here, bua wheter it stays is up to leaders. OECD-Forum, 2022 (2) FULLER, J.; KERR, W.; The Great Resignation didn’t start with the Pandemic. HBR, mar 2022 (3) GARTON, E.; Employee burnout is a problem with the Company, not the Person. HBR, apr 2017 

(4) KALLIATH, T.; BROUGH, P.; Work–life balance: A review of the meaning of the balance construct. Journal of  Management & Organization. Volume 14, Issue 3, July 2008

 

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