Desafios da fiscalização do trabalho remoto em tempos de IA e monitoramento digital

Embora o trabalho remoto seja uma forma alternativa de prestação de serviço, realizado fora das dependências físicas do empregador, este não perde o direito de estabelecer diretrizes e procedimentos a serem observados pelos empregados, desde que dentro dos limites legais.

Conforme o artigo 6º da CLT, não há distinção entre o trabalho realizado nas dependências da empresa, no domicílio do empregado ou à distância. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam aos meios pessoais e diretos, para fins de caracterização da subordinação jurídica.

Todavia, o poder diretivo do empregador encontra limites constitucionais, legais, contratuais e principiológicos, como a boa-fé, lealdade, dignidade e o respeito à privacidade do trabalhador.

Controle de jornada e limites do monitoramento digital

Nos termos da legislação trabalhista, empresas com mais de 20 empregados são obrigadas a realizar o controle de jornada, excetuando-se apenas os trabalhadores em atividade externa incompatível com a fixação de horário, os ocupantes de cargos de gestão e os empregados em regime de teletrabalho que executem tarefas por produção ou tarefa.

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Com o avanço tecnológico, tornou-se possível realizar o controle da jornada também no âmbito remoto, por meio de aplicativos, softwares de logon/logoff, registros de atividades, entre outros. Assim, é cada vez mais rara a atividade que não permite qualquer forma de fiscalização.

Apesar disso, o poder diretivo e fiscalizatório patronal não é absoluto. O uso de ferramentas digitais de monitoramento deve respeitar os direitos fundamentais do trabalhador. O advento da pandemia intensificou a vigilância eletrônica, com empresas implementando sistemas que registram toques no teclado, capturam telas periodicamente, gravam ligações e acessam webcams. Essas práticas, quando excessivas, podem configurar assédio por desempenho e violação à dignidade do empregado.

Monitoramento e trabalho remoto: limites da desconexão

O empregador, que exerce o poder diretivo, deve comprovar que suas práticas são lícitas, caso contrário, será responsabilizado por abusos. Por exemplo, o TST considera o e-mail corporativo uma ferramenta de trabalho e permite seu monitoramento.Contudo, o acesso a e-mails pessoais logados em equipamentos corporativos constitui abuso. Ou seja, o excesso ocorre quando há ofensa à honra, imagem, intimidade, liberdade, autoestima, sexualidade, saúde, lazer e integridade física do empregado.

A jurisprudência trabalhista também já reconhecia violações decorrentes da instalação de câmeras em locais impróprios, como vestiários e banheiros. Assim como a captação visual nesses espaços é vedada, também os softwares de monitoramento devem se limitar a finalidades legítimas e respeitosas aos direitos dos empregados.

No teletrabalho, as fronteiras entre jornada e descanso tornaram-se mais tênues. Por isso, o direito à desconexão ganha relevância, permitindo ao trabalhador se desvincular de suas funções nos momentos de repouso e convívio familiar. Não é razoável que a subordinação se estenda ao ambiente domiciliar, afetando a intimidade e o lazer do empregado.

A pressão por metas inalcançáveis e cobranças silenciosas têm incentivado a hiperconectividade, que beneficia apenas o empregador. Nesse cenário, é imprescindível reconhecer o dever patronal de não conexão durante os períodos de descanso. Embora o Brasil ainda não conte com legislação específica sobre o direito à desconexão, o tema tem ganhado destaque no ordenamento e na jurisprudência.

Trabalho Remoto: proteção de dados e direitos do empregado

Outro ponto fundamental é a autodeterminação informativa do trabalhador remoto. Esse direito, previsto na Constituição Federal e reforçado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), assegura ao empregado o controle sobre suas informações pessoais. O tratamento de dados pelo empregador deve observar os princípios dispostos na própria LGPD: boa-fé, finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade, transparência, segurança, prevenção, não discriminação e responsabilização.

Embora seja comum que o empregador detenha dados pessoais do trabalhador, inclusive para fins de formalização do contrato, é necessário avaliar se esse tratamento está de acordo com os princípios legais, respondendo perguntas como: a finalidade é legítima? O tratamento é necessário? Os direitos do empregado prevalecem sobre o interesse empresarial?

As empresas precisam ser transparentes e informar os empregados sobre quais dados tratarão, para qual finalidade e por quais meios. Elas podem fazer isso por meio de Políticas de Privacidade, Termos de Transparência, cláusulas contratuais, avisos internos, entre outros.

No teletrabalho, há exposição potencial da imagem, rotina familiar e convívio doméstico. A empresa, portanto, deve adotar medidas para proteger os dados e garantir que o controle laboral não se converta em violação aos direitos fundamentais do trabalhador.

Por fim, considerando a subordinação jurídica da relação de emprego, cabe ao empregador adotar condutas de proteção aos dados dos trabalhadores, podendo responder civilmente por danos patrimoniais, morais, individuais ou coletivos decorrentes de tratamento inadequado dessas informações.

trabalho remoto_foto da autora

Por Nathalia Sequeira Coelho, advogada trabalhista no escritório Ferraz dos Passos. Graduada em Direito pela Faculdade Projeção e atualmente pós-graduanda em Direito do Trabalho pela Universidade Cruzeiro do Sul, atua há uma década na defesa dos direitos dos trabalhadores. Possui sólida experiência em ações envolvendo assédio moral e sexual e doenças ocupacionais. Com forte atuação em processos envolvendo grandes instituições financeiras, é referência em temas relacionados à dignidade no trabalho.



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