Em minha opinião, nada é mais importante e mais difícil em uma organização. Não por acaso, os temas mais recorrentes em pesquisas de clima organizacional costumavam ser comunicação e remuneração.
Como o assunto é complexo, entendo ser mais didático delimitar o que me proponho a comentar.
Quando pensamos em comunicação em Recursos Humanos, de imediato nos chega a noção de comunicação interna, que tem como público-alvo as pessoas que trabalham na organização, os funcionários.
Tipos de comunicação
Com essa ideia em mente, as empresas criaram, ao longo do tempo, diversas formas de se comunicar com esse público, tais como:
- palestras,
- jornais e revistas internas,
- reuniões,
- banners espalhados pelas instalações,
- quadros de avisos,
- caixinhas de sugestões etc.
Nas últimas décadas, foram criadas ferramentas digitais, como e-mails e newsletters para a divulgação das mesmas mensagens antes enviadas em papel ou outra forma.
Evidentemente que, com a utilização maciça do smartphone, todo o processo de falar com as pessoas se tornou muito mais acessível e, como tudo na vida e na tecnologia, para o bem e para o mal. O que assistimos foi a uma evolução das ferramentas, mas o processo se manteve basicamente o mesmo: envio a solicitação de informações de forma imediata.
Antes as pessoas ficavam mais tempo na “firma”
Lembro que até meados da década de 90, o ambiente de trabalho tinha por característica a maior permanência das pessoas nas organizações. Isso, por si só, já facilitava a comunicação. Além disso, o maior conhecimento entre si e com a organização contribuía para essa facilidade.
Havia também o processo de trabalho em si. Explico melhor: quando precisava falar com alguém sobre algum tema na unidade em que trabalhava, pelo menos no mesmo município, você telefonava. Ademais, você também podia se encontrar com essa pessoa e discutir a questão
Se precisava de comunicação escrita e/ou de se comunicar mais formalmente, uma assistente invariavelmente datilografava um memorando. Esse memorando era enviado via malote. Em média, levava de 1 a 3 dias para chegar aos destinatários.
Nossa.. Telex, que é isso?
O prazo para os retornos, se houvesse, era equivalente. Havia também a ferramenta do Telex (espécie de telegrama corporativo), que funcionava em horários predeterminados conforme a urgência, para mensagens mais prementes e curtas.
Em meio a esses tempos e com essa tecnologia lenta, mas efetiva, “a gente trabalhava”. Até tirávamos férias de 30 dias sem que ninguém entrasse em contato conosco para saber alguma coisa do trabalho.
Já na segunda metade da década de 90, chegou o e-mail e o aparecimento de ferramentas de comunicação se acelerou de forma vertiginosa até o que conhecemos hoje, em 2023. Não vou desperdiçar tempo descrevendo essas ferramentas ou tentando explicar o que era um telegrama; suponho que haja um razoável senso comum a respeito.
Eu, baby boomer, fui “criado” nesse ambiente, e as mudanças vieram no meio do caminho, criadas por minha geração, e tivemos que nos esforçar muito para virar a chave, do analógico para o digital.
Mas por que me detenho nesses aspectos? Porque eles determinaram e continuam determinando o ambiente no qual a comunicação acontece, a forma como ela se dá e a velocidade que ela impõe.
Ao mesmo tempo e em paralelo, outras coisas, como honestidade de propósito, caráter, liderança, exemplo, verdade etc. Não mudaram nem podiam, embora tenham, como quase tudo, aliás, sofrido o impacto de todas essas mudanças.
Trabalhar com foco
Hoje, “o tempo que nós tínhamos para trabalhar” em meio a alguns dos processos de comunicação quase desapareceu. Trabalhar com foco se tornou imensamente desafiador. As frentes de relacionamento são hoje simultâneas e imediatas.
O que selecionar, se tudo é urgente? Como selecionar, se tudo é importante? A quem atender primeiro, se todos reclamam seu lugar? Como trabalhar e se relacionar nesse ambiente? É ruim? É bom?
Em minha opinião, é apenas diferente
Embora diga “apenas”, reconheço que essa diferença tem um alto custo: os funcionários podem começar a agir no automático, porque os “botões” do processo cognitivo podem entrar em pane por estarem sendo acionados todos ao mesmo tempo.
Ou seja, o tempo ganho com a automação é o tirado do ser humano, o tempo de ele pensar, de compreender o processo, de orientar-se no atendimento e de agir de forma consciente. Pondo o argumento em termos gerais, a automação produz ganho de tempo, mas também perda de tempo.
O que está entre um e outro é: ganha o processo, perde o ser humano, ou seja, valores de grandezas diferentes. A automação dos processos de comunicação tende a levar à automação do ser humano. Isso ocorre porque os neurônios são estimulados a correr. No entanto, não se dá tempo para que as informações se organizem em sua estrutura. Elas precisam promover a aprendizagem e construir a memória.”
Selecionar o que é importante do que é urgente
Mas claro que para minha geração foi mais difícil e ainda é. Estou vendo tudo isso de meu lugar de baby boomer. Para quem já foi “criado” nesse ambiente é mais fácil, embora perigoso. Conciliar velocidade, precisão, foco e saúde mental é um jogo difícil, a começar pela seleção entre o que é importante e o que é urgente.
Vou dar um exemplo mais afeito ao que estamos discutindo: imaginemos que, em algum momento da década de 80, você recebesse um memorando do presidente da empresa em sua mesa de trabalho. O que aconteceria? Provavelmente, você iria parar o que estivesse fazendo e dar atenção ao memorando, pois certamente era algo importante o suficiente para se dar a devida prioridade.
E hoje, como seria? Um e-mail, um vídeo? Ou uma mensagem em alguma das diversas ferramentas disponíveis em meio a uma série de outras, do seu chefe, do seu cliente, dos colegas e mais uma dezena de coisas urgentes. Muitos, provavelmente, deixam para ler depois.
O “Fale com o Presidente”
Outros irão reclamar: “mais uma”? Porém, outros irão até verificar se é realmente algo importante o suficiente em relação aos demais assuntos em pauta naquele momento. Alguns podem até não dar a menor importância. Não existe o “Fale com o Presidente”? Então, ele também quer falar com você.
Resumidamente, delimitamos o ambiente de comunicação nas organizações. Mas vamos tentar explorar alguns conceitos sobre o tema. Iniciemos com a seguinte interrogação: de quem é a responsabilidade de se comunicar com as pessoas dentro de uma organização?
A resposta mais trivial e superficial é a de que essa responsabilidade é de todos, da empresa para funcionário, do funcionário para a empresa, de líder para liderado e vice-versa, de colegas para colegas etc. Sim, isso é verdadeiro. Mas a proposta do nosso debate gira, principalmente, em torno do processo de comunicação organizado de uma empresa com as pessoas que nela trabalham.
A Comunicação Interna
O conceito comumente chamado de comunicação interna implica o seguinte: quando falamos com pessoas na organização estamos assumindo que elas trabalham, que têm um vínculo de emprego, que são funcionárias. Essa simples suposição será objeto de uma crítica que pretendo trazer para nossa reflexão.
Antes disso, porém, ainda no âmbito das definições usuais, tanto há escolhas por parte das organizações, quanto há empresas que criam departamentos que seriam responsáveis pelas “relações com os empregados” etc. Mas o mais comum mesmo é a noção de comunicação interna.
É uma noção representada pela área de comunicação interna, a qual seria responsável por coordenar as estratégias e as ferramentas de comunicação entre as pessoas da empresa, assessorando seus líderes nesse sentido. Existem organizações que preferem que essa área se situe sob o “do guarda-chuva” da diretoria de Recursos Humanos; outras preferem que esteja abrigada na diretoria de marketing ou de comunicação externa.
Seja qual for a escolha, é fundamental que haja um trabalho muito próximo e integrado dos responsáveis, juntando forças, expertise e os canais que cada área possui.
Cultura e estrutura
Pessoalmente, acho que pode funcionar dos dois jeitos, a depender da empresa, de seu momento, da cultura e da estrutura.
Existem características em cada uma dessas áreas que ajudam o processo de entrar em contato com pessoas em uma organização. O RH tem canais diretos em seus processos, com profissionais que estão em contato direto com as pessoas no cotidiano de cada área em uma empresa.
Já área de marketing tem a reponsabilidade de zelar pela marca da empresa, representando-a junto a clientes e à sociedade como um todo. E para isso também possui ferramentas, profissionais e parceiros com expertise em comunicação.
A boa e eficiente combinação dos experts de ambas as áreas é fundamental para se alcançar um razoável grau de eficiência nesse processo, independente do guarda-chuva sob o qual ele esteja abrigado.
No entanto, há pressupostos básicos que precisam estar satisfeitos nos processos organizacionais.
O primeiro deles talvez seja a consciência de que, em se tratando de pessoas, a imensidão de sentimentos, as expectativas e as reações nem sempre permitem resultados muito satisfatórios na comunicação organizacional, muito menos resultados uniformes.
Uma mesma mensagem terá, com certeza, impactos diferentes, gestores e demais responsáveis devem ter a consciência disso.
*Trecho adaptado do meu livro “Eu odeio Funcionário!”
Por Armando Bordallo, economista formado pela PUC-RJ com uma carreira diversificada que inclui passagens por cargos de liderança em grandes empresas como Shell Brasil, Banco Nacional e Ernst & Young. Também possui experiência significativa em consultoria e desenvolvimento de negócios e RH.
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