A maturidade do canal de denúncias nas empresas vai além de garantir a existência dessa ferramenta. O avanço tecnológico, em especial da Inteligência Artificial (IA), tem ampliado as possibilidades de coleta, triagem e análise de relatos, ao mesmo tempo em que impõe novos desafios sobre a forma como ela se conecta à cultura organizacional.

O levantamento “Perfil do Hotline no Brasil 2024”, da KPMG, revela que 93% das empresas no país contam com canais do tipo hotline, que consiste numa linha direta para comunicação, via telefone.

Embora o número seja expressivo, surgem também novos questionamentos: que tipo de canal de denuncias está sendo oferecido? Ele acolhe de forma empática, protege quem denuncia, gera informações estratégicas e agiliza a tomada de decisão?

Diante de transformações tecnológicas e sociais, o canal de denúncias precisa ser entendido como uma ferramenta dinâmica, capaz de refletir os novos modelos de trabalho, as expectativas dos colaboradores e os valores éticos que sustentam a organização.

Garantia de anonimato

Uma das características mais valorizadas pelos usuários de canais de denúncia é o anonimato. A pesquisa da KPMG aponta que 85% dos denunciantes preferem não se identificar, e o motivo é claro: medo de retaliações e conflitos dentro da empresa. 

O percentual alerta para a necessidade de se investir em recursos que transmitam segurança, desde a interface do canal até o tratamento dos dados fornecidos. Neste ponto, a IA pode contribuir. 

Ao desenvolver um canal com suporte de IA, é possível coletar relatos por meio de linguagem natural e sem a necessidade de identificação pessoal. As informações são analisadas e direcionadas com base no conteúdo, e não no perfil do denunciante.

Quando bem implementada, essa tecnologia permite, ainda, que a organização filtre ruídos, identifique reincidências e preveja riscos sistêmicos com base em dados históricos, algo que seria impossível fazer manualmente em larga escala.

Em contrapartida, um canal pouco responsivo ou que cause sensação de vigilância pode desestimular o uso e impactar negativamente a cultura de integridade da empresa. O dado de que 5% das empresas já enfrentaram incidentes envolvendo a quebra de anonimato ou falhas no canal reforça essa necessidade de cuidado, ainda que esse índice tenha diminuído desde o levantamento anterior, quando representava 13%.

Não basta prometer anonimato: é preciso proporcionar o sentimento de confiança. Para isso, é preciso que a empresa se preocupe em explicar como o canal funciona, demonstrar que retaliações não são toleradas e garantir que a confidencialidade das informações será preservada.

IA dever apoiar, não substituir

A automação, quando usada de forma estratégica e com cuidado, ajuda a garantir maior fluidez e precisão ao processo de tratamento das denúncias. Modelos de IA conseguem identificar padrões de comportamento, reduzir gargalos operacionais e garantir que casos urgentes não se percam em meio ao volume de dados.

O risco aparece quando o sistema se torna complexo ou impessoal, podendo afastar em vez de aproximar. Nesse cenário, a escuta deixa de ser ativa e passa a ser mecânica, o que compromete o seu propósito.

Por isso, a IA deve atuar como suporte à tomada de decisão, não como juíza final. Cada denúncia representa uma pessoa, uma história, e esse valor humano precisa ser mantido em todas as etapas. O equilíbrio entre automação e sensibilidade é o que define a qualidade do canal.

Canal efetivo começa com comunicação clara

O avanço das soluções digitais impõe um novo desafio: tornar o canal mais acessível às diferentes gerações que compõem o ambiente corporativo atual. Não é raro ver empresas investindo em tecnologia de ponta e negligenciando aspectos básicos de comunicação. 

Mesmo que um canal seja tecnicamente seguro, usuários evitam utilizá-lo quando sua experiência é fria, confusa ou burocrática. O problema surge não da tecnologia, mas da forma como as pessoas a comunicam e percebem.

A resposta passa por campanhas internas de sensibilização, por interfaces mais simples e intuitivas, e por um esforço contínuo de mostrar que o canal não é uma “caixa-preta”, mas um espaço legítimo de escuta. É assim que a confiança se constrói: com a tecnologia a serviço das pessoas, e não o contrário.

Limites éticos da automação

Apesar de todos os avanços, é essencial considerar o limite ético ao elaborar um canal de denúncias. O fato de determinada ação ser tecnologicamente possível não significa que seja aceitável do ponto de vista da integridade.

Na área de compliance, o uso de tecnologia deve sempre preservar os direitos fundamentais dos colaboradores, como privacidade, dignidade e uma escuta justa. Se uma inovação começa a gerar medo, vigilância excessiva ou desumanização do processo, é sinal de que ela ultrapassou esse limite.

A pergunta que deve guiar qualquer decisão nesse campo é simples: essa ferramenta está aproximando as pessoas da cultura ética que queremos construir ou está criando barreiras? Se a resposta não for positiva, é hora de reavaliar o caminho.

canal de denúncias_foto do autor

Por Marcelo Erthal - Especialista em tecnologia para gestão de compliance e integridade corporativa. Sua formação inclui graduação em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um MBA Executivo pela COPPEAD UFRJ. Além disso, ele ministra a disciplina de tecnologia aplicada ao compliance no IBMEC-RJ. Atualmente, também é membro do conselho de competitividade da FIRJAN e ocupa o cargo de CEO da click Compliance.



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