O principal problema da autogestão nas organizações e como resolvê-lo
85% das pessoas no mundo não estão engajadas com seu trabalho ou estão ativamente desengajadas. Isso quer dizer que, parte delas investe tempo, mas não energia ou paixão em suas atividades e a outra parte, somado a isso, se ocupa também de divulgar a própria infelicidade e minar o comprometimento dos demais colegas.
A aposta de Frederic Laloux, autor de “Reinventando as organizações”, é que toda essa falta de motivação é um efeito colateral de uma desigual distribuição de poder nas organizações. Isso faz com que para essa massa de 85% o trabalho se constitua apenas em alugar algumas horas de vida em troca de um contracheque no final do mês, desperdiçando energia e talentos.
Dennis Bakke, cofundador da Imagine Schools e cofundador e CEO emérito da AES Corporation, acredita, assim como Laloux, que situações como essa acima citada podem ser explicadas pelo fato de que tornamos os locais de trabalho ambientes frustrantes, onde os trabalhadores se ocupam apenas de obedecer a ordens e não encontram meios de participar significativamente das decisões nem mesmo de usar plenamente seus talentos.
E não se engane: isso é realidade até mesmo em empresas com piscina de bolinhas, mesas de pingue-pongues e puffs coloridos. Muitas delas revestiram de cor e alegria seus ambientes, mas no fundo, a cultura ainda é de comando e controle. A melhor solução para transformar esse cenário é através da autogestão.
O que é autogestão e quais as vantagens do modelo?
A autogestão é uma forma de estrutura organizacional em que o poder e a autoridade não se restringem a uma cúpula – pelo contrário, se distribuem entre todos os colaboradores. As decisões podem ser tomadas por iniciativa de qualquer um. Para isso, parte dessas organizações possuem sistemas de aconselhamento, em que o colaborador precisa buscar conselhos das partes afetadas por sua decisão e daqueles que têm conhecimento no assunto tratado.
Geralmente não é necessário haver consenso, mas somente a ausência de vetos que impeçam os processos de seguirem. Não existe relação chefe-subordinado e as hierarquias de cargos são substituídas por acordos. Por isso, já não há mais a diferença entre pensadores e executores. Logo, diferentes pessoas podem exercer liderança de projetos ou situações distintas. Alguns exemplos de empresas autogeridas são Buurtzorg, FAVI, Semco, Morning Star, W.L.Gore, Vagas.com, Zappos e Sun Hydraulics.
O impacto da autogestão no engajamento pode ser demonstrado por um acontecimento na FAVI, fábrica francesa de autopeças, anos depois que a empresa adotou o modelo. Todo domingo, eles costumavam carregar um caminhão de peças para a FIAT, mas em uma sexta-feira, foi solicitado uma exceção: se fosse possível ajustar a produção, eles iriam carregar dois caminhões no domingo seguinte. A equipe que atendia à FIAT, fez uma reunião, alguns planejamentos e resolveu aceitar o pedido.
Para conseguir entregá-lo foi necessário pedirem a ajuda de voluntários de outras equipes e acrescentarem alguns turnos no fim de semana. Tudo isso foi organizado pelos próprios colaboradores, sendo que nenhum deles exigiu pagamento pelas horas-extras, mas apenas se organizaram para descontá-las durante as semanas que se seguiram. Na segunda de manhã, o sentimento era de orgulho e alegria por terem conseguido tal intento.
A grande dificuldade da autogestão
Senso de pertencimento, motivação, engajamento, aumento da produtividade, otimização no tempo de entrega, amadurecimento da equipe e dos profissionais, senso de propósito, diminuição do turnover: são inegáveis os benefícios que a autogestão trouxe às empresas que aderiram a esse modelo. Mas, fica ainda uma pergunta: em uma empresa sem gestores, quem toma as decisões de remuneração?
Quando há orçamento disponível, como se decide quem receberá aumentos e quanto cada um receberá?
A questão não se resume apenas a encontrar uma maneira de decidir, mas em encontrar um meio que respeite os valores da autogestão, ou seja, as decisões coletivas, a transparência na comunicação, a autonomia dos membros e das equipes e a colaboração nos processos. Há três métodos que podem ser usados para resolver esse problema, aqui listados em ordem crescente de eficácia:
1- Salary Formula
Proposta pelo criador do Management 3.0, Jurgen Appelo, a Salary Formula é uma fórmula composta por itens que a organização considera importantes para a definição dos salários. O Wu-Wei Research Institute, de Hong Kong, se utiliza desse modelo.
A fórmula na qual se baseiam para remunerar os colaboradores é:
Função x Competência+ Lealdade + Correção CPI = Salário
Em que o componente Função se destrincha em outra fórmula:
Função = (Base Geral + Base de Localização) xValor da Função
O critério Competência possui cinco níveis e um candidato, para assumir um nível, dependerá dos anos de experiência que possui, sua escolaridade e de algumas conversas com o pessoal da empresa.
O uso de uma fórmula foi a maneira que o Wu-Wei encontrou de oferecer transparência no processo, tornando claro para todos quem recebe o quê e por quê. Porém, esse é um método bastante complexo. O trabalho para encontrar uma fórmula que seja capaz de estabelecer bem os critérios que atendam à organização, às pessoas e conciliá-los com valores realistas é enorme.
Sem contar que as fórmulas, assim como a deles, geralmente, se baseiam no nível de cada pessoa, o que nos traz de volta à estaca zero: em uma empresa autogerida quem decidirá qual o nível de cada pessoa e aquelas que receberão promoção de nível?
2- Self-Set Salaries
Nesse segundo modelo, a tradução do termo sugere que os salários sejam definidos pelo próprio colaborador, mas na prática não é bem assim. Nas empresas que utilizam Self-Set Salaries, existe um processo formal de aconselhamento com colegas sobre o valor almejado. Em seguida, geralmente é preciso defender a proposta perante um comitê que pode vetá-la.
O método costuma demandar muito tempo e esforço dos colaboradores e por isso a Makers Academy precisa conceder uma licença de até dois dias por ano para cada colaborador escrever o seu relatório e cumprir o processo, que, na empresa, consiste em 7 etapas.
3- Team-Set Salaries
O processo Team-Set Salaries (TSS) é usado no Brasil por empresas como a Objective Solutions, a Webgoal e a Copersucar. Nos EUA ele é usado por empresas como a The Ready, do CEO Aaron Dignan, autor de “Brave New Work”.
Nesse método, o salário individual de cada membro é definido colaborativamente pela equipe, respeitando o orçamento total disponível. Periodicamente, são feitas rodadas de avaliação que permitem que cada pessoa do time avalie a contribuição dos demais, apontando, em sua avaliação, o quanto, de fato, conhece o trabalho de cada colega.
Dessa forma, os resultados são compostos dos múltiplos olhares a partir das diversas interações que acontecem em uma organização. Através deles, é possível perceber se um colega tem realizado entregas que estão em desacordo com seu nível salarial. Se está entregando mais, é uma ótima sinalização para reconhecimento salarial. Se menos, pode ser momento de uma conversa para entender os motivos.
Esse último método tem a vantagem de ser mais simples, rápido e de trazer uma percepção forte de justiça no resultado, mas ele só é aplicável em equipes colaborativas, em que cada colega interage e conhece pelo menos um pouco do trabalho dos demais.
Por Amanda Nogueira, psicóloga formada pela UEMG, com experiência na área de Gestão de Pessoas e apaixonada pelo tema RH ágil. Ela é Produtora de conteúdo do Percival.Live.
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