O ritmo frenético que estávamos acostumados, antes da pandemia, nos impelia a agir de forma quase que automática todos os dias. O mesmo padrão de comportamento, de cumprir uma rotina estressante que nos fazia sentir “normais”, pasteurizados no comportamento social, no mimetismo empresarial dos mesmos jargões, expressões, práticas gerenciais, uma espécie de isomorfismo coercitivo[1].

De repente, tudo muda abruptamente, como que um meteoro a atingir o planeta terra sem que soubéssemos explicar o que acontecia, como tudo poderia ter sido mudado em tão pouco espaço de tempo. Nosso conceito de tempo e espaço começa a ser questionado pela força da realidade que emerge, a nos desafiar. Somos forçados a um confinamento, que nos proporciona uma percepção importante sobre nossa subjetividade humana, inclusive nossas psicopatologias a testar os limites do nosso aparelho psíquico.

Inúmeras publicações, das mais prestigiadas revistas de negócios e consultorias internacionais de gestão, têm sido produzidas, na tentativa de definir e explicar os caminhos desse neologismo denominado “novo normal”. Análises sobre modelos de negócios, arquitetura organizacional a partir das metodologias ágeis, novos formatos de trabalho em regime home office, dentre outras dimensões da seara executiva, na esperança de recuperar a lógica empresarial que impõem ritmo frenético nas engrenagens do capitalismo, que nos proporciona esse lugar pseudo-conveniente, do TER a SER, de anestesia da consciência social, forçados que somos, pelas circunstâncias, a encarar nossa verdadeira subjetividade como indivíduos vulneráveis.

Do ponto de vista da gestão remota dos negócios e das equipes, pouca atenção tem sido dispensada, a meu ver, ao sofrimento infligido às pessoas em decorrência do confinamento, somado a um contexto de desaceleração econômica jamais vista na história empresarial recente, que adiciona ingredientes de estresse pela sobrevivência.

Uma mistura explosiva de novos comportamentos profissionais requeridos, a desafiar os limites da razoabilidade, seja no campo dos resultados econômico-financeiros, seja no respeito à individualidade. Como resultado disso tudo, desajustes emocionais e psicopatologias que ameaçam a estabilidade de equipes e estruturas organizacionais.

Em seu artigo Confinamentos e Confinamentos para o blog do Departamento de Psicanálise do Instituto Sede Sapientiae, Eduardo Losicer[2] nos explica sobre um interessante estudo desenvolvido em petroleiros embarcados em plataformas marítimas. Pondera o autor, que “o sofrimento dos embarcados, longe do que poderia se supor, era menos devido ao fato de estarem perigosamente ilhados no alto mar e mais ao exaustivo sistema de produção a que estavam submetidos.”

Essa constatação nos ajuda a entender a necessidade imperiosa de se cuidar da saúde e bem-estar emocional dos profissionais, como parte da equação de negócios exitosos e sustentáveis. Novos modelos de gestão, tais como já expliquei, para funcionar, necessitam, pondero, da compreensão psicanalítica para ser bem-sucedidos, tendo em vista o pensar o campo da realidade e a interpretação dos fenômenos sociais associados ao funcionamento das organizações. Vivemos em uma sociedade do desempenho irrealista, irracional, que se contrapõem à subjetividade humana.

Temos assistido a uma escalada de doenças psicossomáticas impactando várias empresas, em alguns casos, com repercussões sobre a reputação de algumas delas. Esse propalado “novo normal” trouxe novidades no campo da tecnologia aplicada e da reorganização das equipes corporativas, segundo as metodologias ágeis. Mas pouco tem sido feito, de forma consistente, para proteger o aparelho psíquico das pessoas.

Crescimento a qualquer preço parece ter chegado ao seu esgotamento. Tal qual a situação dos petroleiros embarcados nos ensina, é mister que as empresas invistam em políticas de desenvolvimento psicológico, que ajudem na tomada de decisão sobre pessoas, que permitam criar espaços psicologicamente seguros para que a verdade sobre os indivíduos emerja, sem críticas e/ou julgamentos, apenas reconhecer nossa imensa fragilidade humana e, a partir dela, oferecer tratamento terapêutico.

Há um saber tecnológico que necessita vir acompanhado do saber emocional, que afeta a vida de milhares de pessoas que estão confinadas em seus lares, sendo demandadas a níveis de produtividade, concentração e resultados incompatíveis com os limites da sanidade, sob o risco da falência psíquica dos indivíduos, com casos já conhecidos de síndrome do pânico, trauma, depressão, agressividade, para citar as evidências mais comuns.

[1] “O isomorfismo coercitivo resulta tanto de pressões formais quanto de pressões informais exercidas sobre as organizações por outras organizações das quais elas dependem, e pelas expectativas culturais da sociedade em que as organizações atuam. Tais pressões podem ser sentidas como coerção, como persuasão, ou como um convite para se unirem em conluio.” – A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais – Revista RAE EAESP – Paul J. DiMaggio e Walter W. Powell.

[2] Psicanalista e analista institucional argentino-brasileiro, clínico e pesquisador independente, atua nos campos da saúde mental e dos direitos humanos.

A gestão dos confinados

Por Américo Figueiredo, Conselheiro Consultivo, Professor Educação Executiva em Gestão de Pessoas, Governança e Organizações, Mentor de Carreira. É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista.

 

 

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