Era algo que parecia momentâneo, mas que veio para ficar. Em março de 2020, grande parte das empresas brasileiras se viram forçadas a adotar um modelo de trabalho que para muitas era novidade: o trabalho remoto. Mais de um ano depois, o que era provisório já se tornou normal: a pandemia de Covid-19 perdura, e com ela, a necessidade de adoção de modelos virtuais de gestão. Vamos avaliar abaixo 4 dicas para liderar equipes virtuais.
Algumas empresas já sinalizaram que vão manter algumas mudanças após a pandemia. Outras, indicam que pretendem adotar um modelo híbrido. Seja qual for a situação da sua empresa, liderar em tempos tão incertos é mais desafiador do que nunca. E por que há tantos desafios?
Um dos principais problemas que causa os desafios atuais é o distanciamento social e emocional. Para as gerações mais jovens, o trabalho não é mais só a obrigação diária para garantir o sustento. O espaço de trabalho é usado para realização pessoal e para criar conexões sociais.
Uma pesquisa de 2019 da startup Comparably com 33 mil profissionais mostrou que 50% das pessoas com mais de 50 anos relatam ter um melhor amigo no trabalho. Já em faixas etárias mais baixas, como de 18 a 30 anos, 62% relatam a mesma experiência. O ser humano é um ser social e não adianta tentar colocar trabalho e vida pessoal em saquinhos completamente distintos. Porém, é preciso saber integrar esses dois lados de maneira saudável.
Os impactos da distância social e emocional
Podemos concluir que o momento atual tem impactos que vão muito além da vida profissional. O funcionário sente solidão. Durante o trabalho, a comunicação diminui e as pessoas se tornam cada vez mais indivíduos realizando tarefas isoladas e cada vez menos se sentem como equipes. Uma das consequências disso é a falta de visibilidade dos resultados do grupo.
Quando alguém não sabe o que os demais estão fazendo, principalmente em um momento em que esse alguém se sente fazendo bastante coisa, uma reação natural é achar que o outro não está sendo tão produtivo como deveria. Esse sentimento causa uma reação em cadeia preocupante: o indivíduo pode deixar de confiar em seus companheiros e acreditar que só o trabalho dele está sendo útil.
O próximo passo dessa reação é a desmotivação. Há um pensamento latente: “Só eu me esforço e os outros não fazem nada. Para que vou me esforçar sozinho?”. Pior do que apontar o dedo e julgar os outros é não se preocupar nem um pouco. O funcionário que estava descontente com a equipe e de repente para de questionar, pode também ter parado de produzir. Ele já não se importa mais com os outros nem com a empresa, e essa desatenção leva a uma queda significativa nos resultados.
É importante dizer que essa sequência não acontece apenas durante a pandemia. Mas o isolamento do momento aumenta muito as chances de isso ocorrer. O que podemos fazer então, como líderes, para evitar esse problema?
Dica #1: Incentive comportamentos saudáveis
Duas palavras importantes para o momento: assincronia e empatia. Elas descrevem dois comportamentos que os líderes devem ter mais do que nunca e que devem incentivar sua equipe a ter também.
Assincronia
Assincronia significa não estar ao mesmo tempo, não ser instantâneo, ou concomitante. Nesse momento, precisamos mais do que nunca entender que o não existe. Seja ele um “não agora” ou um “isso é inviável”, é preciso que ele exista sem represálias e que sirva para gerar debates e melhorias sobre a rotina de trabalho.
No trabalho remoto, precisamos saber e lembrar que as pessoas não estão disponíveis o tempo todo, nem necessariamente ao mesmo tempo. Afinal, uma das principais vantagens utilizadas para vender esse modelo é a flexibilidade. Logo, precisamos garantir que ela exista!
O home office permite que você mescle mais a sua rotina pessoal e profissional. É possível adicionar um momento de relaxamento, exercícios ou de cuidados pessoais no meio da jornada de trabalho para quebrá-la. Inclusive, há estudos que mostram que pausas ajudam a diminuir o cansaço e manter a produtividade. Porém, esses intervalos precisam realmente ser pausas para funcionarem. Há limite entre o profissional e o pessoal!
Como fazer a assincronia acontecer? O caminho é claro: tenha um alinhamento da equipe constante e compartilhado. Tenha combinados sobre avaliação de urgência e criticidade das demandas. E determinem como agir em cada caso. Se for algo realmente urgente, talvez você precise agir rápido e ligar para a pessoa no celular, ou mesmo mandar um whatsapp. Mas se não for, utilize o canal de comunicação interna da empresa, ou mande um e-mail e deixe a pessoa responder no tempo dela.
Empatia
Agora, o seu funcionário não está mais em um espaço totalmente dedicado ao trabalho. Pense que cada pessoa está na sua casa, convivendo com as demais pessoas que moram com ela. Esse ambiente pode ter conversa de fundo, choro de criança, latido de cachorro, conexão ruim, e tantas outras coisas.
Uma pesquisa da Mindsight com 1294 profissionais constatou que 44% dos que estão trabalhando em casa relatam estar passando algum nível de dificuldade para conciliar a vida profissional e pessoal. Dos 91% que disseram não morar sozinhos, 27% afirmaram que as relações dentro de casa pioraram com a pandemia.
Portanto, empatia é a palavra-chave nesse momento. Se coloque no lugar do outro e entenda: essa pessoa está dando o seu melhor para equilibrar todos os pratos que têm na mão. Se uma reunião for difícil por interferências externas e o assunto puder esperar, tenha empatia e remarque numa boa. Se não, busque uma alternativa para se falarem com mais tranquilidade.
Outro ponto importante é respeitar o jeito das pessoas e os horários de produtividade. Talvez para uma mãe, o horário da manhã, em que os filhos estão acordando, tomando café da manhã e se preparando para começar os estudos seja mais complicado. Ou talvez você tenha na sua equipe um desenvolvedor que funcione melhor programando pela noite. Como líder, o seu papel é conhecer a situação de cada um para unir esforços da forma que for mais produtiva para todos.
Dica #2: A comunicação é a sua melhor amiga
Como falei no começo, o primeiro passo para cair nas armadilhas da distância social e emocional é a falta de comunicação e a solidão. Para isso não acontecer, comunique bastante. Mas sempre de maneira inteligente.
Tudo que for importante e útil para a sua equipe, você deve compartilhar. O que for detalhe que não vai agregar ao trabalho de ninguém, evite. Às vezes comunicar demais também é um problema, pois é tanta informação que as pessoas não conseguem absorver tudo. Portanto, saiba o que é útil e compartilhe sempre.
Combine as preferências. Se você tem uma equipe trabalhando assincronamente, é importante que um conheça a rotina do outro, e que eventualmente existam combinados sobre momentos em que a pessoa prefere ficar mais quieta para ser mais produtiva ou períodos em que ela não vai trabalhar.
Deixe claro como as pessoas podem te acessar, e entenda como e quando elas preferem ser acessadas. Tenha empatia com as preferências das pessoas. Incentive que elas compartilhem essas preferências com os demais da equipe.
Mais do que isso, não fale só de trabalho. Fale da vida! Lembra aquele momento do cafezinho que existia no trabalho presencial? Não o deixe morrer! Como já falamos, o trabalho é também um espaço social e a falta desse contato é outro ponto que contribui para a distância percebida. Você trabalha com outras pessoas, não com robôs. Garanta que todos se sintam seres humanos no trabalho!
Dica #3: Repense as rotinas para o mundo virtual
Uma das coisas mais comuns de acontecer é um líder pegar a rotina que ele tocava com a equipe presencialmente e replicar virtualmente. E isso é um problema porque esses dois modelos de trabalho são completamente diferentes. Vamos entender mais.
Veja um exemplo: vamos supor que eu sou um líder da equipe de vendas e presencialmente, a rotina que seguíamos incluía uma reunião de planejamento e forecast na segunda de manhã, uma daily de 15 minutos no final do dia para bater novas vendas e uma reunião rápida de 30 minutos na sexta-feira, para monitoramento das metas. Veio a pandemia e agora todas essas reuniões são virtuais.
Qual o problema desse exemplo? O problema é que a realidade não é mais a mesma. Antes, os vendedores da equipe iam às ruas, tinham reuniões presenciais, trocavam técnicas de venda no dia a dia, ouviam um o pitch do outro. Agora, eles passam o dia fazendo reuniões virtuais com os clientes, ouvindo o próprio pitch repetidas vezes e passam horas e horas na frente de uma tela, sem mudar de ambiente.
Para começar, a intensa jornada de reuniões pode causar problemas por si só. Uma reunião virtual gera uma sobrecarga não-verbal muito maior que a presencial. Estamos o tempo todo preocupados em mostrar presença, em fazer gestos que nos ajudem a nos expressar, sendo que antes usávamos o corpo inteiro para isso. Nos vemos na tela e nos preocupamos com a autoimagem mais do que nunca. Sorrimos demais, falamos alto demais. Isso tudo causa um fenômeno que cientistas da Universidade de Stanford nomearam como “fadiga de zoom” e que está sendo estudado cada vez mais.
Como se não bastasse os efeitos do cansaço virtual, não estamos tendo as trocas que antes tínhamos. E isso causa uma queda na produtividade. Que tal dar um passo atrás e repensar a rotina? Afinal, o objetivo dessa equipe não é fazer forecast, daily e monitoramento de metas. O objetivo dessa equipe é vender.
E o que leva essas pessoas a vender melhor? Pode ser que o forecast e as atualizações de novas vendas virem responsabilidade de uma pessoa, que coleta as informações e divulga por e-mail ou canal de comunicação interno. A daily pode deixar de existir e a reunião de planejamento de segunda pode virar uma reunião de troca de boas práticas.
O importante é lembrar sempre que a sua equipe não nasceu grudada na rotina e que a rotina só existe para ser uma facilitadora dos resultados da empresa. Seja qual for a sua área de atuação ou mercado, dê um passo atrás e repense a rotina. Mesmo que você chegue à conclusão de que ela se manterá, pelo menos você terá feito um exercício que te ajuda a relembrar o porquê aqueles rituais existem.
Dica #4: Faça um contrato social com a equipe
Ao longo desse texto, falei sobre várias coisas que precisam ser combinadas, estar claras ou formalizadas. É importante ressaltar que esse combinado precisa ser feito com a equipe, e não partir apenas do líder. Por isso proponho a criação de um contrato social.
Na filosofia, o conceito de contrato social surgiu como um instrumento que levaria a humanidade a sair de um estado natural de desorganização e falta de entendimento entre as pessoas, para um momento em que um conjunto de regras guiaria uma convivência mais harmônica entre todos.
Justamente o que estamos buscando com todas essas dicas é a construção de um ambiente harmônico de trabalho. Portanto, vamos aos passos para a criação do contrato.
O contrato deve conter comportamentos que são aceitáveis ou não. Lembre da dica #1 na hora de debater sobre esse ponto. Todas as formas de comunicação, que cada um e que o grupo prefere, também devem estar contidas nele, como falamos na dica #2. Além disso tudo, uma parte essencial do contrato será sobre a rotina, as reuniões e os rituais daquele time, conforme a dica #3.
Deixe o brainstorming fluir.
O seu acordo deve conter regras sobre reuniões, comportamentos inaceitáveis, expectativas de entregas e comprometimento, formas de compartilhamento de conhecimento. O respeito à opinião de todos é essencial para um contrato que todos poderão chamar de seu e não terão problemas em seguir.
Recomendo combinar inclusive as “punições”. Por exemplo, se alguém chega mais do que 10 minutos atrasado em uma reunião, pode ficar combinado que irá pagar algo para equipe, ou será responsável por alguma atividade operacional chata mas necessária naquela área.
O contrato não deve ser uma burocracia, mas sim, um conjunto de acordos que, uma vez claros para todos, irá garantir uma equipe mais produtiva e harmônica no trabalho remoto. Evitando principalmente o distanciamento social e emocional e todas suas consequências.
Afinal, como líderes, não podemos deixar que o momento seja um impedimento para os resultados da empresa e a satisfação da equipe. Liderar também é saber lidar com qualquer adversidade do momento em prol do melhor para seu time.
Por Thaylan Toth, é CEO e Fundador da Mindsight. Formado em economia e administração, é mestre em Psicologia Organizacional pela Columbia University e membro da Sociedade Americana de Psicologia Organizacional (SIOP). Na sua carreira, foi gerente de vendas da Ambev, gerente de inovação em desenvolvimento humano na Fundação Estudar e diretor de RH na Stone Co. É especialista em performance, assessments e talent analytics.
Ouça também o RHPraVocê Cast, episódio 126, “Até o ‘bom dia’ vira reunião: é mesmo tão difícil se adaptar à comunicação assíncrona?”. Será que todos os líderes estão, de fato, preparados para se adaptar a um diferente estilo de comunicação? Há solução para as reuniões em excesso deixarem de ser parte do dia a dia?
Para responder a isso e auxiliar no melhor entendimento sobre a importância da comunicação assíncrona, o RH Pra Você Cast traz a neurocientista Ana Carolina Souza, sócia da Nêmesis, empresa de educação corporativa. Clique no app abaixo:
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