“Os profissionais de Recursos Humanos passarão a desempenhar um papel essencial para que as empresas tenham uma visão mais ampla, mais holística.” (Prof. Gretz)
Muitas empresas tiveram suas atividades praticamente interrompidas, ou bastante reduzidas, durante o confinamento. Além disso, houve demissões em massa devido a falências ou à redução de custos. Este cenário traz impactos imediatos para a gestão de pessoas e grandes desafios para o profissional de Recursos Humanos. Tanto a experiência de confinamento quando os temores de novos surtos da covid provocarão mudanças nas atitudes das pessoas e no próprio funcionamento das organizações.
“As grandes pandemias ocorridas nos últimos séculos sempre trouxeram profundas consequências econômicas, sociais, científicas e políticas”, afirma o Prof. Gretz, que nesta entrevista alia sua formação em história à experiência como consultor de RH e palestrante motivacional há mais de 35 anos. Para ele, neste momento é muito importante e urgente levantar o ânimo dos colaboradores, como condição para a sobrevivência da empresa no momento atual e no contexto da pós-pandemia. “E essa mensagem de confiança deve vir da alta direção”, recomenda. “É preciso que o próprio CEO transmita a todos uma visão da empresa para os novos tempos” – diz ele.
1) Como levantar o ânimo dos colaboradores nesse momento de pandemia e na retomada das atividades da empresa?
As empresas enfrentam diferentes situações nos dias de hoje: muitas tiveram que se reinventar, algumas continuaram a todo vapor, principalmente nas atividades essenciais que não foram interrompidas, ou até em um ritmo mais intenso, e muitas outras não puderam funcionar. Muitos profissionais passaram a trabalhar em casa, outros ficaram confinados sem ter como trabalhar remotamente.
Mas a organização precisa ser vista como um todo. Mais do que nunca, é importante que a mensagem de confiança venha da alta direção. Não podemos esperar que o chefe de equipe, faça isso sozinho. Primeiro é preciso que o próprio CEO transmita a todos uma visão da empresa para os novos tempos. E que os diretores, nas diversas unidades, se for o caso, reúnam o seu pessoal para falarem sobre o “novo normal”. Os líderes devem deixar claro o que a empresa espera de cada colaborador, acionando as chaves da motivação. A primeira chave são os desafios. Ter um desafio é o que mais motiva o ser humano. As outras chaves, que dão força para vencer o desafio, são o elogio e o reconhecimento.
2) Quais são os impactos da atual pandemia na atividade de RH? E quais são os novos desafios para o profissional dessa área?
A atividade de Recursos Humanos sempre foi fundamental em diversas situações vividas pela empresa, mas quase sempre é muito pouco acionada para questões estratégicas. Um desafio do atual cenário será o de buscar e capacitar novos profissionais para as novas funções que estão surgindo. Outro desafio: ajudar os gestores a acomodar o quadro de pessoas, porque muitas empresas com menos funcionários terão que dar conta das metas, nas situações que vão acontecer. E as organizações que vão crescer terão urgência em contratar pessoas qualificadas, para não perderem as oportunidades que estarão surgindo. O especialista em RH sabe que o foco não é preencher todas as vagas, e sim colocar as pessoas certas nos lugares certos.
Por exemplo, uma loja (ou uma rede de varejo) que passou a vender pela internet por causa do confinamento, voltando ao atendimento presencial não deverá deixar de lado as vendas online. Pelo contrário: vai aprimorar ainda mais essa frente, porque a concorrência também estará investindo nisso. Com absoluta certeza, a direção da empresa precisará usar mais a expertise do RH, juntamente com o pessoal de marketing, para incrementar suas vendas por todos os canais possíveis.
3) O que deverá mudar em algumas atividades ligadas à gestão de pessoas, como a atuação dos palestrantes motivacionais?
Eventos internos, como as convenções de vendas, Sipats, programas motivacionais e de qualidade, sempre foram importantes nas empresas, mas tiveram que ser interrompidos por causa da pandemia. Muitas lives e teleconferências passaram a ser realizadas, inclusive palestras online. Os próprios palestrantes, como eu, adaptaram-se aos novos formatos. Manter o pessoal conectado mostrou-se decisivo. Mas sabemos que nada substitui completamente o evento presencial, a comunicação olho-no-olho, o entusiasmo do grupo reunido em um mesmo ambiente.
Além da palavra dos líderes da empresa, a presença de um palestrante é uma forma de fazer com que a mensagem da motivação para os novos desafios fique gravada na emoção, na essência de cada um. O bom palestrante é aquele que faz um briefing detalhado com o cliente sobre os objetivos do evento e sobre a realidade da empresa. Quanto mais informações ele tiver, mais se conecta com a realidade, passando um conteúdo significativo. E para completar seu recado ele precisa saber como abordar situações delicadas, transformando dificuldades em oportunidades.
4) A experiência de confinamento vai ficar muito marcada em todos nós? Até que ponto vai provocar mudanças nas atitudes das pessoas e no próprio funcionamento das empresas?
Como diz uma canção de Rita Lee, “Doença de amor / Só cura com outro / O meu coração precisa paixão / Senão bate pouco”. Voltando a trabalhar e encarando os novos desafios que vão surgir, as pessoas se distanciarão das recordações do confinamento, porque a cabeça não tem espaço para ficar o tempo todo ligada ao que já passou. Mas é claro que as histórias vão ser lembradas, inclusive nas entrevistas de RH, para avaliar o que a pessoa fez na pandemia: quem responder que ficou só vendo séries no Netflix estará mostrando que não aproveitou seu tempo da melhor maneira…
A retomada poderá ser em clima de muito entusiasmo, mas alguns procedimentos passarão a ser seguidos por todos. Nunca mais deixaremos de lado certos cuidados, como o uso do álcool gel, que por sinal é um costume que adoto há mais de 15 anos. Nos produtos do agronegócio e da indústria, por exemplo, muitas preferências vão mudar e não é preciso ser profeta para descobrir que se deve estar preparado para lidar com o que vai acontecer.
Uma boa dica sobre a atitude mais aconselhável neste momento foi deixada há 2 mil anos por Jesus: “Não andeis ansiosos pelo dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta a cada dia o seu desafio” (Mateus 6:34).
5) Olhando para o futuro pós-pandemia, o que podemos aprender com as pandemias do passado?
Os relatos de escritores e historiadores apresentam semelhanças no comportamento das pessoas durante as grandes pandemias em diferentes épocas, e principalmente grandes mudanças após o seu término. A peste negra, no século XIV, matou mais de um terço da população da Europa e produziu impactos econômicos que levaram ao fim da idade média. Desde então, a ciência evoluiu, a economia colheu importantes lições, mas o aprendizado poderia ter sido muito maior. Não estávamos preparados para o que aconteceu este ano, mesmo com todo o conhecimento que se tem hoje.
Alertas não faltaram. Bill Gates afirmou em 2015 que “atualmente, o maior risco de uma catástrofe global está em um vírus altamente infeccioso, não uma guerra. Se algo matar 10 milhões de pessoas nas próximas décadas, serão micróbios e não mísseis”. E o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, discursando em 2014 sobre a necessidade de combater epidemias, frisou que “para lidarmos com isso de maneira eficaz, precisamos implantar uma infraestrutura, não apenas aqui, mas em todos os países”. Nem no seu país este conselho foi levado a sério…
6) Se vierem novas ondas de pandemia, o mundo estará mais preparado? E as organizações?
Muito provavelmente o prêmio Nobel de 2021 será dado aos descobridores de uma vacina multiviral, que nos imunize contra todos os tipos de coronavírus e outros semelhantes. Mas, além disso, os protocolos higiênicos precisam ser vistos com mais atenção. Caso ocorra outra pandemia, é evidente que as pessoas não estarão despreparadas como estavam agora. Estaremos mais atentos em todas as instâncias públicas e nas empresas em geral. Assim, as populações vão sofrer menos porque teremos feito o dever de casa criando mecanismos para nos proteger de maneira mais eficaz. Protocolos comprovadamente seguros deverão ser adotados em todos os ambientes de trabalho, tanto nas atividades do dia a dia quanto nos eventos presenciais.
Os profissionais de Recursos Humanos passarão a desempenhar um papel essencial para que as empresas tenham uma visão mais ampla, mais holística, sobre a saúde e a segurança dos seus colaboradores, dentro e fora do ambiente de trabalho. Além da saúde física, que inclui alimentação correta e exercícios, também é fundamental o equilíbrio psicológico, a mente arejada, a vontade de aprender e o pensamento positivo, confiante, focado na construção de um futuro melhor. Portanto, é extremamente oportuno para os dias de hoje o que disse há 26 séculos o profeta Jeremias: “Quero trazer à memória o que pode me dar esperança”.