Na segunda quinzena do mês de junho, um anúncio de emprego publicado em um site de vagas causou polêmica nas redes sociais. A oportunidade em questão buscava uma pessoa para trabalhar como babá e governanta e fazia exigências até então comuns, como organização e disciplina, para os candidatos ao cargo. Contudo, um requisito em específico gerou toda a repercussão da vaga: a contratante buscava uma profissional imunizada contra a Covid-19 com a vacina da fabricante Pfizer.

A obrigatoriedade ou não da vacina contra a Covid-19 como critério para contratar ou demitir está em pauta desde o ano passado. Embora as vacinas sejam compreendidas por economistas como fator crucial para normalização da economia e o ritmo de vacinação tenha sido intensificado no Brasil, muitas pessoas, ao menos por enquanto, não podem se vacinar – seja por questão etária ou de saúde – ou não querem – principalmente por motivos ideológicos ou religiosos.

Exigência por vacina pfizer

Vaga de trabalho causou polêmica ao exigir que candidatos fossem vacinados pela Pfizer

Existe obrigatoriedade?

Diante do cenário, como as empresas devem agir em relação a colaboradores que não desejam se vacinar? A obrigatoriedade é legítima? E, mesmo que seja, ela pode ser tão específica quanto na vaga acima? Segundo Mourival Boaventura Ribeiro, sócio da Boaventura Ribeiro Advogados, a obrigatoriedade pode ser imposta e, uma vez que a questão é trabalhista, as empresas muito permissivas podem ser punidas caso seja comprovado que elas estão colocando em risco a saúde de seus funcionários. Do mesmo modo, os colaboradores também podem ter prejuízos.

“No ano passado, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar ações apresentadas por partidos políticos nas quais se discutia a obrigatoriedade de vacinação contra a Covid, decidiu que o Estado pode sim determinar a obrigatoriedade e impor restrições àqueles que recusarem a imunização. O resultado deste julgamento dá espaço para que o empregador venha a impor ao empregado a obrigação de se vacinar”, avalia Mourival Ribeiro. 

Ainda nesse sentido, a Lei 14.019/2020 estabelece que as empresas devem fornecer a máscara ao trabalhador e outros equipamentos de proteção individual. “Pois bem, se a vacina tem por finalidade imunizar os profissionais, não faz sentido que determinado colaborador recuse tal imunização e coloque em risco a saúde dos demais colegas de trabalho, nomeadamente porque é obrigação da empresa propiciar condições de trabalho seguras”, complementa Ribeiro.

Segundo análise de especialista, o descumprimento destas normas é sim passível de punição, que pode ir desde advertência disciplinar até rescisão motivada do contrato de trabalho.

Para o advogado trabalhista Felipe Meireles, a obrigatoriedade da vacina é importante por se tratar de uma questão de saúde pública que se sobressai a crenças, muitas vezes, embasadas por desinformação. Ele explica que embora o indivíduo como cidadão possa optar por se vacinar ou não, já que a obrigatoriedade não consta em lei, as empresas, embasadas pelo STF, têm o direito de considerar a vacina um critério de candidatura e retenção, já que o trabalhador não vacinado pode colocar os outros em risco. Ainda assim, há casos em que tal obrigatoriedade precisa se somar ao bom senso, o que, para ele, não foi o caso da oportunidade para governanta que causou polêmica.

“Primeiro, precisamos pensar assim: há evidências científicas efetivas de que determinando imunizante que está sendo cedido à população não funciona ou em nada diminui os riscos para o usuário e para quem está ao seu redor? Mesmo que seja o caso, o que não me parece que esteja ocorrendo, embora algumas vacinas tenham eficácia levemente superior, é uma situação que foge do controle do profissional. Temos uma porcentagem ainda baixa de vacinação e a maioria das pessoas não tem nenhuma possibilidade de escolher qual imunizante quer receber. Se eu digo: ‘nós não podemos te contratar porque você tomou CoronaVac e não Pfizer’, você pode me processar por discrminação”, salienta.

O advogado pontua, ainda, que do mesmo modo que o imunizante em questão não pode ser critério para eliminar um candidato, igualmente não pode ser fator decisivo para justificar uma demissão ou outra punição ao colaborador. “Tanto a Constituição quanto à CLT são claras ao proibir qualquer tipo de discriminação. O colaborador que se sentir lesado na empresa por conta da vacina que recebeu deve procurar a Justiça”, diz.

A obrigatoriedade é desejo popular

De acordo com um levantamento da Ipsos, sim. A pesquisa Ipsos Global Health Service Monitor 2020, realizada com 20 mil pessoas de 27 países, identificou que para 77% dos entrevistados no Brasil, se vacinar contra doenças infecciosas graves – como é o caso da Covid-19 – deveria ser obrigatório; 10% discordam da afirmação e 13% não concordam e nem discordam. O percentual brasileiro que endossa a medida de imunização fica acima da média global de 64%, considerando todas as nações analisadas.

Entre os 27 países, aqueles cujos entrevistados mais acreditam que a vacinação deveria ser compulsória são: Malásia (86%), Argentina (82%) e Arábia Saudita (80%). O Brasil ficou empatado com o Chile (77%) em quinto lugar, logo atrás do Peru (78%). Por outro lado, Rússia (44%), Estados Unidos (50%), França (50%), Polônia (50%), Hungria (52%) e Japão (52%) são as nações que apresentam os índices mais baixos de concordância com a obrigatoriedade de tomar vacina contra doenças infecciosas graves.

O resultado do levantamento consolidou a pandemia de Covid-19 como a grande vilã da saúde atualmente. Das 27 nações avaliadas, 26 acreditam que o coronavírus é a maior enfermidade que o povo de seu país enfrenta hoje. Apenas a Rússia responde diferente, colocando o câncer na primeira posição.

No ranking brasileiro, 82% citaram o coronavírus. O câncer e a saúde mental ficaram empatados com 27%, seguidos pelo estresse (18%) e pelo abuso de drogas (14%). Já os grandes problemas globais são: coronavírus (72%), câncer (37%), saúde mental (26%), estresse (21%) e obesidade (18%).

No que diz respeito ao sistema de saúde de cada país, os participantes no Brasil acreditam que o maior problema é a falta de investimento no setor (mencionado por 43%) e a falta de investimento em saúde preventiva (também com 43%). Logo depois vem o acesso a tratamentos e os longos períodos de espera, com 37%. A burocracia (28%) e o tratamento de qualidade ruim (27%) completam o top 5 dos déficits na saúde brasileira.

Globalmente, o cenário muda um pouco de figura. O acesso aos tratamentos e os longos períodos de espera ficam no lugar mais alto do pódio, com 40%. O número insuficiente de funcionários foi citado por 39% e o custo do acesso a tratamentos, por 31%. Na quarta posição está a burocracia (26%) e, na quinta, a falta de investimento em saúde preventiva (24%).

Cuidados não acabam

Outro ponto relevante é que muitos pensam que apenas com a vacinação o problema da Covid nas empresas acabará, mas isso é um grande engano. Números de países com campanhas de vacinação mais avançadas mostram que ainda continua fundamental prevenções e cuidados.

“Ponto relevante é que apenas a vacinação ainda não acabará com os problemas para as empresas. Mesmo com a maioria dos colaboradores vacinados, os cuidados se manterão, lembrando que as vacinas não garantem 100% de proteção, que existe uma janela imunológica e que as regras de Saúde e Segurança do Trabalho deverão ser mantidas em uma possível retomada”, explica Tatiana Gonçalves, sócia da Moema Medicina do Trabalho.

Ainda segundo ela, não basta apenas que as empresas exijam as vacinações, também serão necessários cuidados por um período, principalmente em locais fechados. Lembrando que já existem casos que a contaminação por Covid-19 foi considerada culpa da empresa. A primeira decisão foi em abril deste ano, quando o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região condenou, em Minas Gerais, uma empresa pela morte de um caminhoneiro, caracterizando o ocorrido como acidente de trabalho e estipulando indenização de R$ 200 mil à família, por dano moral, e pensão à filha do profissional até ela completar 24 anos.

Por Bruno Piai