O número de servidores públicos no Brasil passou de 5,1 milhões para 11,4 milhões em pouco mais de 30 anos, segundo o estudo “Três Décadas de Evolução do Funcionalismo Público no Brasil”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 

O aumento foi ainda mais significativo na esfera municipal, em que a presença de servidores cresceu 276%. No âmbito estadual, o aumento foi de 50% e, no federal, de 28% (o que inclui civis e militares). Juntando as três esferas de Governo, sem contar trabalhadores de empresas estatais, o número de profissionais passou de 6,264 milhões, em 1995, para 11,492 milhões, em 2016.

Dando um passo para trás no contexto numérico, como esses milhões de profissionais ingressaram no setor público? Quais as particularidades – e entraves – da atração e seleção de talentos nesse universo? 

As formas possíveis de admissão são divididas em: servidor público; empregado público; cargo comissionado; terceirizado e estágio.

A mais tradicional, de servidor público, acontece por meio de concurso. O trabalho é regido pela Lei 8.112/90, que prevê estabilidade na função, salvo em casos de sentença judicial sem possibilidade de recurso ou de processo administrativo disciplinar.

De forma similar, o empregado público também precisa ser aprovado em concurso. A diferença é que o regime de trabalho seguido é nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que a lotação do empregado se dá em empresas do estado, porém de natureza privada ou economia mista, como o Banco do Brasil e a Petrobras.

O cargo comissionado é o de livre nomeação e exoneração, é uma posição de confiança. É possível também a contratação de mão de obra terceirizada, realizada entre o órgão e uma empresa prestadora de serviços, por meio de licitação. Portanto, o trabalhador não tem vínculo com a instituição pública, sendo que a etapa de seleção e a definição das formas de contratação e de trabalho é de responsabilidade exclusiva da companhia terceirizada. Por fim, há o espaço destinado aos estágios, gerido por empresas terceirizadas focadas no setor ou pelo próprio órgão de Governo. 

Processo Seletivo

Segundo Cibele Franzese, professora de administração pública da FGV EAESP, o principal desafio na gestão de pessoas à frente da atração e seleção desses talentos é realizar uma descrição de competências necessárias e do perfil almejado para os determinados cargos, e não apenas especificar as atividades que o profissional irá desempenhar.

“O ideal para o setor público é migrar para uma gestão por competências, trabalhar o perfil da posição e traduzi-la no edital. E, no momento de estruturar uma prova, pensar em uma que seja possível captar esse perfil. No âmbito público, as provas, por receio da judicialização, acabam sendo muito formais e baseadas em conhecimento, e não em competências. O conhecimento é uma parte. Por exemplo, será que ao recrutar um assistente penitenciário, você consegue captar se ele é a favor de direitos humanos? Dentro da nossa limitação legal, se há previsão legal, é possível trabalhar com entrevistas. Tem certas coisas que deveríamos captar no concurso público que são essenciais no exercício do cargo e que não são apenas conhecimento”, destaca.

É justamente com o intuito de que haja uma pluralidade de instrumentos disponíveis capazes de seleções acessíveis e abertas para todas as pessoas e, além disso, que possam identificar as habilidades e competências necessárias para o exercício dos cargos, que o Vetor Brasil atua na transformação de pessoas no setor público.

Um dos principais programas da instituição é Trainee da Gestão Pública. Segundo Gabriela Torquato, gerente de Relações Institucionais, Comunicação e Diversidade do Vetor Brasil, no caso de processo seletivo, a proposta é realizar uma matriz de competências, que define as qualidades esperadas de um(a) profissional em início de carreira para que possa, de fato, contribuir com as equipes de governo na execução de seus programas e projetos.

“Não há um perfil ideal e, sim, um conjunto de competências que podem ser muito diferentes entre si, mas que, juntas, são essenciais para exercer funções de gestão com alto desempenho no setor público. O Vetor Brasil entende que a avaliação de competências interpessoais, gerenciais e comportamentais são indispensáveis para o alto desempenho do serviço público. Nos inspiramos em experiências internacionais, como em países membros da OCDE (organização para a cooperação e desenvolvimento econômico), que avaliam competências técnicas e interpessoais para selecionar profissionais públicos”. 

Conforme destaca Gabriela, as habilidades socioemocionais são igualmente valorizadas na seleção e contempladas na matriz de competência. Além disso, o Vetor Brasil tem em sua trilha de aprendizagem – etapa de formação dos profissionais do programa Trainee de Gestão Pública – diversos módulos sobre desenvolvimento de tais habilidades, além de ferramentas de desenvolvimento que apoiam os processos de autoavaliação pessoal e profissional.

Gabriela Torquato, gerente de Relações Institucionais, Comunicação e Diversidade do Vetor Brasil

Gabriela Torquato, gerente de Relações Institucionais, Comunicação e Diversidade do Vetor Brasil

Outro caminho, de acordo com a professora da FGV, é captar essas competências no estágio probatório, que é justamente avaliar o funcionário em serviço, o que o setor privado chama de “período de experiência”. 

São raríssimos os casos de experiência de Governo, inclusive no Governo Federal, que implementam a sério o estágio probatório.  Uma das razões é que fazer concurso no Brasil é muito caro, porque você faz um concurso de provas e títulos trabalhosos, cheio de formalidade, normalmente contrata uma fundação ou órgão externo, e há muitas vagas. É demorado”.

E como recepcionar esses novos profissionais, o chamado onboarding? Segundo a professora da FGV, para algumas carreiras específicas, como a de especialista em políticas públicas, há um onboarding feito pelas escolas de Governo, como a Escola Nacional de Administração Pública, entidade vinculada ao Ministério da Economia do Brasil, que realiza um curso de formação e que funciona como um primeiro contato.

Mas, de acordo com Cibele, também existem situações em que o servidor pode passar determinado período sem ninguém lhe atribuir um trabalho. Para preencher essa lacuna, ela destaca a necessidade de concursos menores e mais frequentes. “Sendo menor, há mais condições de fazer um onboarding além de conseguir recrutar os melhores quadros. E os gestores dessas pessoas conseguem acompanhar, fazer avaliação de desempenho, encaminhar para formação, se for necessário, como tem de ser”.

Liderança

Segundo a pesquisa “Os brasileiros e a percepção sobre a qualidade do gestor público”, realizada em 2019 pelo Datafolha, 72% dos brasileiros concordam que pessoas bem-preparadas em cargos públicos de liderança podem melhorar suas vidas. E a fase de seleção, sem dúvida, é um dos principais caminhos a isso. 

O Reino Unido foi elencado pelo Índice de Eficácia do Serviço Público Internacional (InCiSE) como o Serviço Civil mais eficiente do mundo em 2019. Por lá, existe uma Unidade Central de Gestão de Pessoas ligada diretamente ao Primeiro-Ministro. Além disso, cargos de Liderança devem ser ocupados equilibrando mérito e confiança e com base em uma competição aberta e justa. No Chile, foi desenvolvido um sistema para a alta direção pública que tem processo seletivo por competência e equilibra o mérito e a confiança. 

A Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) mapeou competências profissionais almejadas para servidores, sobretudo para quem ocupar esses cargos de liderança na administração pública.

A instituição analisou a experiência de dez países e identificou ao todo 60 competências, que foram adaptadas para o cenário brasileiro. Para os cargos de liderança, nove delas são consideradas essenciais: visão de futuro, inovação e mudança, comunicação estratégica, geração de valor para o usuário, gestão de crises, gestão para resultados, coordenação e colaboração em rede, engajamento de pessoas e equipes, autoconhecimento e desenvolvimento pessoal.

De acordo com Gabriela, do Vetor Brasil, nos últimos tempos, muitos governos começaram um movimento de processos seletivos profissionais para compor suas equipes, tanto por uma preocupação das gestões pela qualidade do trabalho, quanto pela pressão da sociedade civil por melhores serviços públicos.

“Somos entusiastas dessa tendência, e acreditamos que em um processo seletivo feito com metodologias baseadas em competências e indicadores comprovados de seleção profissional, os resultados são tangíveis e indiscutíveis, tanto para democratização das oportunidades como o aumento da qualidade, ao fazer processos com redução de vieses inconscientes, utilizando-se de ações afirmativas para aumentar a representatividade dos órgãos e permitir encontrar pessoas com as competências apropriadas e específicas para resolver os principais desafios exigidos pela posição e que se refletem diretamente na população”. 

Nessa jornada, há a clara missão de garantir maior diversidade na composição de equipes, essas que representam a complexidade da diversidade da sociedade atual. Ao mesmo tempo, a profissional enfatiza que o objetivo é o equilíbrio entre questões técnicas e políticas, sendo essa uma realidade na nomeação da alta administração pública no Brasil e em outros países. “O problema é que muitas vezes a seleção de quadros técnicos não é aberta, diversa, competitiva e nem estruturada. O Brasil carece de processos seletivos que sirvam de ‘modelo’ para a seleção de quadros técnicos em posições de liderança no setor público”.

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Por Gabriela Ferigato