Em 2019, discutiu-se bastante a indústria 4.0 com o uso intensivo de inteligência artificial, robotização e ”machine learning” com reconfiguração das atividades e o virtual desaparecimento de algumas profissões. O consumidor está cada vez mais empoderado e há uma valorização crescente de questões como a sustentabilidade ambiental, a diversidade, o enfrentamento do racismo estrutural e a conectividade.

Com o início da pandemia do vírus COVID-19 e a consequente quarentena e o movimento abrupto dos trabalhadores para o trabalho em casa, alguns destes processos foram acelerados e outros revistos.

Muitas empresas já revelaram a disposição de redesenhar a organização do trabalho, criando espaços híbridos, mantendo a abertura para horários flexíveis e trabalho em casa com plataformas colaborativas.  Certamente, as atividades e profissões terão vínculos mais fluidos com as empresas, com contratos por projetos e freelances e esse movimento exigirá uma abordagem diferentes pelas áreas de recursos humanos e de saúde ocupacional.

Muitos empregadores mostraram grande preocupação em elaborar estratégias de retorno ao trabalho, com testagens e adaptações nos espaços de trabalho, mas não demonstraram a mesma disposição em oferecer apoio aos profissionais que estão trabalhando em casa.

Realizamos uma pesquisa com uma amostra de profissionais brasileiros que passaram a trabalhar em casa durante a pandemia e muitos relataram um aumento das dores nas costas, no pescoço, enxaquecas, sensação de fadiga, problemas no sono e dores no corpo.  O uso de um instrumento de avaliação de saúde emocional e bem-estar da Organização Mundial da Saúde revelou que quase metade dos participantes tiveram escores abaixo de normal. Constatou-se que estas pessoas também tinham mais problemas físicos em relação aos outros trabalhadores.

 

Além disso, um estudo liderado pela Professora Deborah Malta da UFMG demonstrou que, neste período, as pessoas passaram a fazer menos atividade física, ingeriram mais bebida alcoólica, pioraram o seu padrão alimentar (comendo menos hortaliças e mais alimentos industrializados) e ficaram mais tempo expostos a telas (televisão, computador, celular e tablets). Pioraram, portanto, os indicadores dos fatores de risco para doenças crônicas que estavam entre os piores do mundo, de acordo com as pesquisas populacionais.

Estes achados demonstram que o home office” exige preparo dos trabalhadores e suporte por parte das empresas, com treinamento, suporte e canais abertos de comunicação. Caso contrário, as condições de saúde e bem-estar dos trabalhadores podem piorar neste período, inclusive com comprometimento da produtividade. As causas mais frequentes de adoecimento e afastamento, como as musculoesqueléticas e as mentais/emocionais, podem ter se agravado ao longo deste período.

Certamente será necessária a criação de um ecossistema de cocriarão e participação envolvendo os trabalhadores, as empresas e a sociedade como um todo. O paradigma do “relógio de ponto” terá que ser substituído pela qualidade do serviço prestado e pela geração de valor. A convivência de várias gerações nas empresas, com a entrada de jovens trabalhadores convivendo com um número cada vez mais de seniores com mais de 50 anos exigirá uma abordagem cultural e a incorporação de novas habilidades, como adaptabilidade, pensamento crítico, trabalho colaborativo e flexível, uso de novas tecnologias.

Da mesma maneira, a saúde nas empresas terá que ser repensada. As áreas de saúde ocupacional e medicina do trabalho precisam se adaptar a esta realidade e buscar apoiar a saúde mental, física, social e social dos trabalhadores, não se restringindo somente às questões legais e normativas. As áreas de recursos humanos precisam enxergar a saúde com um olhar mais amplo, não se limitando ao plano de saúde e aos benefícios, pois o bem-estar dos trabalhadores estará, cada vez mais, associado à produtividade e engajamento individual e aos resultados coletivos do capital humano. Certamente, o mundo do trabalho não será mais o mesmo e precisamos nos preparar para este cenário.

Por Alberto Ogata, presidente da Associação Internacional de Promoção de Saúde no Ambiente de Trabalho (IAWHP). É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.