Concordo, plenamente, com a citação de Carlos Drummond de Andrade.

Começarei abordando o trabalho prazeroso; o trabalho como questão de vida.

Ron Garland, em seu livro “Administração e Gerenciamento Para A Nova Era”, 1992, rompia com os fundamentos que direcionavam até então a qualidade de vida no trabalho, assombrando o mundo corporativo com novos paradigmas para o gerenciamento da Nova Era, posicionando a Diversão como um de seus traços mais importantes.  Garland dizia que o líder da Nova Era seria reconhecido porque teria esta frase à vista de qualquer pessoa: “ Nós ainda estamos nos divertindo”.

Pergunto:

Hoje, quantos líderes que você conhece poderiam ostentar essa frase como seu lema?

Da aviação de caça à Fórmula 1

Felicidade no trabalho é algo muito relativo. Obtive essa constatação, ao ler  “A Loucura do Trabalho. Estudo de Psicopatologia do Trabalho”, de Christophe Dejours, que teve sua 1ª edição em 1987 e várias reedições.

Dessa obra destaco a abordagem sobre “um contra exemplo: a aviação de caça”, quando ao abordar a condição de trabalho do piloto dessa categoria, mostra-nos a felicidade em situação adversa, dependendo da percepção de cada um de nós, nesta descrição, à época na década de 80:

“Num avião de caça, encontram-se situações que vão na contramão do ideal do ambiente de trabalho. Espaço disponível para o piloto reduzido ao mínimo, existindo apenas o espaço para que se sente, desconfortavelmente, sobre um assento metálico, cuja rigidez é justificada por argumentos de segurança, em relação à ejeção. Amarrado por múltiplos cintos que lhe imobilizam o peito e as coxas, ele quase não pode mexer-se; sobre a cabeça, o capacete é bastante justo para não se soltar em caso de ejeção; o nariz e a boca são cobertos com uma máscara ligada por tubo às reservas de oxigênio do avião; nas mãos luvas e mais luvas são indispensáveis para lutar contra o frio. Às vezes, o trabalho exige emprego de uma grande força física para acionar o cabo que fica terrivelmente rígido em certas posições do aparelho…” 

E não acaba por aqui, mas já temos uma ideia do quanto de “sofrimento” é inerente à atividade, mas que mantém o piloto motivado para todos os dias, submeter-se a esse processo de condicionamento aos meios de trabalho inerentes a sua profissão.

Dando um salto no tempo, pensemos nos pilotos de carros da Fórmula 1 e não nos surpreendamos que apesar de todo o avanço tecnológico, como o ambiente de trabalho também é estressante, agressivo às condições biopsicológicas dos pilotos.

Mas, ao ler frases de Sir Lewis Carl Davidson Hamilton , compreendo o que move um campeão de seu nível a conviver com uma atividade profissional de alto risco:

A maneira como conduzo, como manejo um carro, é uma expressão dos meus sentimentos…”

“Sinto que as pessoas esperam que eu falhe, portanto, espero que eu ganhe”

“Você pode me derrubar, mas eu vou levantar duas vezes mais forte”

 Lewis Hamilton

Home Office Emergencial

E para quem está neste momento tendo que adaptar-se ao home office emergencial, sentiu alguma semelhança entre suas condições ambientais de trabalho e as do piloto de avião de caça, década de 80, do piloto de Fórmula 1, na atualidade?

Quais seriam as diferenças incomparáveis entre os pilotos e os trabalhadores em home office? Talvez, salário, status, reconhecimento, imagem, mas um ponto pode ser considerado comum: a força interior que cada trabalhador tem que ter, para manter-se no contexto atual de trabalho.

Saúde e Bem-Estar Como Prioridades

A pesquisa global “Revolução das Competências”, ManpowerGroup, apontou que para 2021 e além, os Líderes de RH consideram a saúde e o bem-estar como prioridade mais importante. No Brasil, o índice é de 66%.

As empresas estão adotando alternativas de apoio e atendimento às necessidades de saúde integral, tais como: Canais de comunicação direta e online, com acesso a profissionais especialistas em áreas da saúde, psicologia, terapias as mais diversas e grupos de apoio, sem deixar de fora as lideranças, peças-chaves nesse processo de apoio e acolhimento.

Felicidade no Trabalho – Questão de Morte

Pergunto:

1) essas iniciativas de apoio e acolhimento já estavam presentes no cotidiano dessas empresas, ou

2) foram implantadas agora, como consequência de benchmarking?

Se a resposta for a alternativa 2, estaremos falando da Infelicidade no Trabalho e a questão é a Doença e Morte.

Se felicidade como vimos com Carlos Drummond de Andrade, a mais autentica é aquela que não precisa de motivo, Infelicidade, ao contrário, carrega um mix de motivos. No trabalho esses motivos são identificados, tratados, monitorados, como Riscos que são à sustentabilidade do negócio?  Como Riscos Sociais?

Pandemia, depressão e solidão têm sido gatilhos para autoextermínio

O Centro de Valorização da Vida (CVV), que faz escuta ativa por meio de voluntários, atendeu 2,29 milhões de ligações, de janeiro a setembro de 2020 em todo o país, o equivalente a 8.507 por dia.

As demandas tem origens as mais diversas: medo pela solidão,  pela angústia, pela incerteza quanto ao que virá, pela dificuldade de lidar com a perda de entes queridos, de emprego, de autonomia.  As pessoas estão buscando acolhimento e pertencimento para sentir que vale a pena viver. Estas são situações que os Líderes de RH devem inserir em seu rol de prioridades para saúde e bem-estar. Tais situações tem período de maturação; começam tal qual um iceberg, submersas e vão emergindo até chegar à superfície, sob a forma de crise. As lideranças precisam estar sensíveis para a identificação dessas situações e acionar a equipe de especialistas.

Solução?

Surge o Chief Happiness Officer CHO, o diretor de felicidade de uma empresa; o gerente de felicidade dos trabalhadores. O CHO, provavelmente originário da América do Norte,  já está sendo adotado por  empresas na Europa, para garantir que as necessidades de bem-estar dos trabalhadores sejam atendidas.

O papel de um Chief Happiness Officer é criar um plano de felicidade organizacional, visando medir a felicidade, rever a cultura e o propósito da empresa, engajar a liderança, comunicar e disseminar o tema na empresa, implantar o plano e acompanhar os resultados e manter o tema sempre vivo.

Vejo essa atividade com muito cuidado, para que não incorra nas mesmas teias daqueles programas de qualidade de vida que ditam o padrão a partir de uma determinada percepção, sem o devido envolvimento de todas as pessoas interessadas.

Não esqueçamos que felicidade é propriedade do indivíduo e as alternativas para alcança-la são desenhadas segundo a percepção, valores, desse indivíduo.

Por Jorgete Lemos, sócia fundadora da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços – Consultoria. É uma das Colunistas do RH Pra Você. O conteúdo desta coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.